Wálter Maierovitch

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Opinião

Líbano é a nova Gaza, e Netanyahu aposta suas fichas em Trump

Não dá para esconder a tragédia: 500 mortes num só dia no Líbano, incluindo 35 crianças e 58 mulheres, e 1.645 feridos.

A ONU permanece sem bússola para evitar ou colocar fim às guerras. Os tribunais internacionais sediados em Haia nem conseguem executar as suas decisões —como a da Corte Internacional de Justiça, instituída em 1945, que determinou a desocupação da Cisjordânia por Israel.

Nesse cenário de reduzidas esperanças, os operadores do direito internacional público e do direito internacional humanitário realizam, no momento, assustadoras comparações.

Por exemplo, na guerra Israel x Hamas chegou-se a 120 mortes por dia. O total de mortes, agora, alcança 41 mil. Volto ao Líbano: foram 500 mortos na segunda-feira (23).

Bibi aposta em Trump

Falta pouco mais de um mês para a eleição americana, e Bibi Netanyahu, o sanguinário primeiro-ministro de Israel, aposta as suas fichas em Trump.

A política de Biden de dois povos para dois Estados está distante e não acontecerá no seu mandato, porque Netanyahu não quer.

Diante da tragédia libanesa, Biden congelou. Ou seja, não sabe o que fazer, salvo repetir não ter recebido informações prévias do governo Netanyahu.

Kamala Harris, a candidata democrata e atual vice de Biden, sabe que alguma posição terá de anunciar. Um cessar-fogo em Gaza, com a devolução dos reféns ainda vivos, cairia do céu e teria reflexo na interrupção aos ataques no Líbano. Mas a chance de acontecer é nenhuma.

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A verdade é que a guerra regional mais larga, com o Hezbollah libanês acreditando na ajuda do Irã, não pode ser descartada.

Líder do Hezbollah errou

Outro sem saber como se mover, fora do campo do discurso da represália, é o líder máximo no Hezbollah, Hassan Nasrallah. Sua estratégia foi equivocada.

No dia seguinte ao ataque terrorista do Hamas a Israel, com 1.200 mortes e 250 reféns, Nasrallah começou a bombardear a Galileia, no norte de Israel, jogando de mão dada com os estrategistas do Irã.

Como decorrência dos reiterados ataques, 80 mil israelenses foram obrigados a deixar suas casas, pelo risco de morte. Um êxodo de famílias de tirar o sono de Netanyahu.

Os radicais apoiadores do premiê Bibi Netanyahu aproveitaram para pressionar pela guerra com o Hezbollah. De quebra, os religiosos que não trabalham, ganham do Estado para estudar a religião judaica e estão dispensados de servir no Exército, desejam a ocupação e anexação da Cisjordânia por considerá-la, pelas leis sagradas, terra dos antigos reis de Israel.

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A direita radical exigiu resposta pelos 80 mil atingidos sem moradia. Também deu início a uma campanha para mostrar os cidadãos israelenses que vivem sem segurança, dentro do território de Israel.

Como Bibi depende do apoio dessa direita radical para se manter no poder, os líderes extremistas israelenses pediram a cabeça do ministro da Defesa, Yoav Gallant, que faz o contraponto a Bibi e não permite a intromissão dos radicais.

O líder do Hezbollah não acreditou numa reação de Israel como a verificada. Pensou que tudo ficaria na linha de fronteira e na troca de hostilidades, cada um do seu lado.

Não bastasse o erro de cálculo, Nasrallah vibrou ao encantar o parceiro Irã com o êxodo de 80 mil da região da Galileia. Ele jamais imaginaria a ação do Mossad, serviço secreto de Israel, entre 19 e 20 de setembro, causando a morte de 39 libaneses, com 3.000 feridos em face dos episódios com os pagers e walkie-talkies.

Parêntese: A ação espetacular do Mossad aconteceu com base na informação do próprio Nasrallah, que entregou de bandeja o segredo. Em discurso entusiasmado, anunciou o abandono do celular, ensejador de localização, por equipamento seguro de comunicação, sem chance de rastreamento.

Como houve violação da soberania libanesa e civis inocentes morreram, em ação de matriz terrorista, Netanyahu jamais admitirá a programada ação do Mossad. Ele finge não saber quem foi o autor da ação e não assume a responsabilidade do Estado israelense. O diretor do Mossad fechou-se em copas.

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A fama de estrategista de Nasrallah desabou. Quase metade do arsenal bélico do Hezbollah restou destruído, e o terceiro homem da hierarquia, Ali Karaki, sobreviveu por sorte.

Os líderes do Hamas e do Hezbollah foram caçados pelos israelenses. O antigo líder político foi assassinado no Irã, e o atual, Yahya Sinwar, está desaparecido, com rumores de que morreu em ataque de Israel na região de Khan Yunis, sua terra natal.

Nasrallah contabiliza as baixas e as perdas de materiais bélicos. O Hezbollah tem cerca de 60 mil combatentes e 160 mil mísseis (30 mil de longo alcance, incluindo os de cruzeiro, com motor e possibilidade de manobra de desvio no trajeto).

O Hamas está em situação bem pior que o Hezbollah. Dos 40 mil combatentes —5 brigadas, 24 batalhões e 120 companhias—, pouco restou.

Pelos cálculos dos 007 da inteligência ocidental, o Hamas, pelo seu braço militar denominado Brigadas al-Qassam, conta com apenas um batalhão e se articula próximo à região de fronteira com o Egito.

A incógnita chamada Irã

Ainda nos campos da geoestratégia e da geopolítica, os especialistas, principalmente os militares, apontam para o equívoco do Irã, que começou a perder prestígio na reação com os drones em ataque a Israel. Quase todos foram derrubados, em ações nas quais Israel contou com o auxílio dos EUA e da Jordânia.

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Só para recordar. O ataque iraniano (no fundo meramente simbólico) significou reação à morte de Ismail Haniyeh, chefe político do Hamas, em território iraniano, quando da posse do novo presidente do país.

Para incendiar a região no Oriente Médio, o Irã usou Hamas, Hezbollah, Jihad Islâmica e os houthis do Iêmen. Os aiatolás iranianos imaginaram uma reação dos países árabes, em especial os de religião sunita. Em síntese, o Irã continuou apenas com os parceiros terroristas.

Não interessa ao Irã entrar em guerra com Israel, embora o Hezbollah, diante dos devastadores ataques no Líbano, espere que os iranianos entrem na guerra.

Israel excedeu limites

No mundo do direito internacional público, Israel voltou a exceder os limites da legítima defesa e provocou mortes no Líbano, contrariando as convenções da ONU que vedam ataques quando há risco para civis inocentes.

Bibi Netanyahu tentou mascarar a conhecida ferocidade. Avisou que nada tem contra os libaneses, mas, sim, contra o Hezbollah.

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No alvorecer da segunda-feira, mais de 60 mil libaneses da região alvo dos bombardeios foram avisados, por mensagens de voz, do ataque iminente e da recomendação para deixarem suas casas.

A mensagem dizia: "O Exército de Israel está mirando nas posições militares do Hezbollah e não tem a intenção de atingir e lesionar a população civil. Caso você se encontre em edificação usada pelo Hezbollah, ou esteja nas vizinhanças, deverá sair e afastar-se até um novo aviso".

A voz de Bibi também foi ouvida em transmissão: "Leve-nos a sério. É uma advertência. Por favor, afastem-se logo do perigo. Uma vez terminada a nossa operação, poderão voltar em segurança para suas casas".

Os avisos causaram fugas de milhares de libaneses. As estradas ficaram lotadas e houve congestionamento.

Pano rápido

Há risco concreto de uma guerra em larga escala. No momento, Bibi Netanyahu está incontrolável. E o Ocidente, que protege Israel, não poderá ficar a reboque do primeiro-ministro de Israel, um obcecado pelo poder e que necessita de guerras para nele se manter.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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