Wálter Maierovitch

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Opinião

Bolsonaro finge ser injustiçado e o STF finge correção

O presidente da Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Cristiano Zanin, designou para o dia 25 de março a sessão que decidirá sobre a rejeição ou o recebimento da peça acusatória contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet.

A denúncia, com pretensão de punir, voltou-se contra Bolsonaro e outros sete denunciados. Eles são apontados como coautores e membros do núcleo principal -- idealizador e executor -- dos seguintes crimes: golpe de Estado, tentativa violenta de abolição do Estado democrático de direito, organização criminosa, dano ao patrimônio público e deterioração de bens tombados.

A sessão vai começar com a apresentação de relatório oral pelo ministro Alexandre de Moraes. Não haverá exame do mérito, ou seja, os ministros não avaliarão neste momento se as acusações são verdadeiras ou não --apenas se o processo seguirá adiante.

Moraes, certamente, irá defender a contestada legitimidade da sua relatoria e, igualmente, a contestada competência da Primeira Turma. Frisará não haver violação ao princípio e à garantia constitucional do juiz natural.

Como sabe até a estilizada estátua da Têmis colocada na frente do STF, o ministro Alexandre de Moraes irá se manifestar pela existência de justa causa para o recebimento da denúncia contra Jair Bolsonaro, Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Alexandre Ramagem, Anderson Torres, Almir Garnier, Paulo Sérgio Nogueira e Mauro Cid. Todos já apresentaram defesas prévias, elencaram testemunhas, anexaram documentos, levantaram questões preliminares de natureza processual e declararam-se inocentes.

O procurador-geral, Paulo Gonet, já se manifestou sobre as defesas prévias e os documentos juntados.

Após o relatório de Moraes, que deverá submeter as questões preliminares ao exame da Turma, teremos as manifestações orais do procurador Gonet e das defesas técnicas.

A Primeira Turma, presidida por Zanin, é integrada pelos ministros Alexandre de Moraes, Carmem Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino. Os dois ministros nomeados por Bolsonaro são da outra turma.

Os denunciados, incluindo o general Braga Netto, que está em prisão preventiva, poderão optar por não comparecer à sessão, que terá início às 9h30.

Logicamente, a defesa de Braga Netto, após o recebimento da denúncia, pleiteará sua soltura, alegando sua desnecessidade. Aliás, nunca foi necessária, como já sustentei anteriormente. Caso a denúncia seja rejeitada, a soltura será imediata.

Na sessão, dificilmente haverá o deslocamento do caso ao Plenário, ou seja, para o exame dos 11 integrantes da Corte.

Bolsonaro, que tem centrado sua narrativa nesse julgamento, continuará vestindo a pele de vítima, injustiçado e perseguido. Basta observar seu comportamento nas redes sociais.

Primeira Turma e Plenário

O STF, órgão de cúpula do Poder Judiciário, adota a divisão de trabalho em turmas apenas para dar celeridade à sua função jurisdicional.

Quando atua em instância única para julgar um ex-presidente da República por crimes graves -- como golpe de Estado e violação violenta ao Estado democrático de direito --, o mais adequado seria que o julgamento ocorresse no Plenário, com a participação dos 11 ministros, em sessão pública.

Insistindo em manter o julgamento na Primeira Turma, o STF entrega de bandeja a Bolsonaro um forte argumento para engrossar o seu discurso de injustiçado, perseguido levado à "câmara de gás", como ele mesmo se refere à Primeira Turma.

A bandeira de Bolsonaro será a da violação à garantia constitucional do "juiz natural", também chamado de "juiz constitucional", o preestabelecido para julgar, ou seja, o já fixado antes de o delito ter ocorrido.

Moraes, Dino, Moro

Fora isso, existe a questão da flagrante falta de imparcialidade do ministro Alexandre de Moraes. Aí, a bandeira bolsonarista será da violação ao princípio constitucional acusatório.

No nosso sistema constitucional, o processo criminal constitucional caracteriza-se como processo de partes (acusação e defesa).

Constitucionalmente, o juiz-julgador não é parte. Não pode ser parte processual. O juiz-julgador é sujeito processual imparcial, distinto e distante das partes. Moraes atuou na instrução acusatória pré-processual; está impedido.

Parêntese. O STF parece ter esquecido o que aconteceu com Sérgio Moro, quando, em Curitiba, foi juiz de processos da Lava Jato. A sua falta de imparcialidade, por jogar de mão com o órgão acusador (Ministério Público), foi corretamente reconhecida.

Ora, ora, o impedimento de Moraes, tecnicamente, é muito mais visível, escancarado, do que o de Moro.

Nesse ponto, o STF se parece com a mitológica deusa grega Têmis, que usava venda nos olhos, ao contrário da Giustizia, a deusa romana que não usada venda para enxergar melhor.

Quanto a Flávio Dino, deveria se afastar do processo, pois litigou, em queixa-crime, com Bolsonaro, na condição de vítima de crime contra a honra. Além disso, atuou e emitiu juízo de valor sobre o ato golpista de 8 de janeiro, como ministro da Justiça.

A imagem da Justiça e a lição de Júlio César

De todo o colocado, a história conta, na obra do imparcial historiador Plutarco (Volume X- A vida de Júlio Cesar), o episódio envolvendo a esposa do imperador Júlio Cesar, entre 49 e 44 a.C.

Questionado sobre a razão de não ter apenas repudiado sua esposa em vez de se divorciar dela por um suposto adultério, o imperador negou que alguém tivesse tocado na sua ex-esposa Cornélia (para alguns historiadores modernos, tratava-se de Pompea, pois Plutarco não declinou o nome de qual das três esposas de César).

Veio a pergunta: então por que se separou?

A resposta de César: para o povo não basta que a mulher de César (imperador) seja honesta, ela precisa parecer honesta. Cornélia, pelo episódio na festa em louvor à deusa Bona, não parecia honesta aos olhos do povo.

Moraes e Dino deveriam refletir sobre essa história em nome da preservação da boa imagem da Justiça. Idem, o STF.

Celeridade e tempo da Justiça

Todo cidadão brasileiro sabe que a Justiça tem o seu tempo para responder à sociedade.

Mas o que interessa não é a celeridade, o atropelo. Interessa é se fazer justiça, no devido processo e em tempo razoável.

Fala-se em celeridade para justificar o julgamento pela Primeira Turma. Não é a celeridade um justo motivo para a exclusão de apreciação por todos os ministros julgadores.

Muitas vezes, a celeridade é confundida com atropelo, indicando perseguição. O STF deveria evitar isso.

Na manifestação de ontem, por rede social, o ex-presidente Bolsonaro, no seu legítimo exercício de espernear, usou a celeridade como argumento de perseguição, destacando que a Justiça brasileira tem péssima classificação internacional quanto à duração dos processos.

Caso a denúncia seja aceita, o processo, com Bolsonaro como réu, terá celeridade natural pois tramitará, ao contrário de tantos outros, em instância única. Até por isso não deveria o presidente Roberto Barroso ficar a bradar aos quatro ventos que o processo poderá ser concluído neste ano de 2025.

Num processo com tantas provas, a incluir delação e testemunhos de comandantes militares convocados para o golpe, a cautela e a boa imagem devem prevalecer à celeridade.

Tudo tem o seu tempo. O da Justiça não é igual aos outros. Para os cristãos, existe o tempo para semear, colher e ceifar.

Nos anais da política, o tempo varia. O condestável da República Velha (1889-1930), Pinheiro Machado, saiu às pressas do palácio presidencial, pois uma multidão queria agredi-lo. Pegou a tílburi de senador e o condutor perguntou a velocidade que ele deveria exigir dos cavalos. Em resposta, Pinheiro Machado disse: "Não tão devagar a parecer provocação, nem tão ligeiro a aparentar fuga temerosa".

Pano rápido. Para os que têm olhos para ver, capacidade para avaliar as provas incontestes do seu golpismo e a sua lógica, Bolsonaro não escapará à condenação. Mas o STF deve acertar a velocidade, parar de insistir com a Primeira Turma e com Moraes e Dino como julgadores imparciais, isentos, pois não são.

Opinião

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

1 comentário

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Joao Batista Correia Lima Neto

Com essa narrativa e polarização quem mais perde é o povo brasileiro! Extrema direita x extrema esquerda! E a corrupção em alta no pais, ninguém combate? E a redução do custo Brasil ninguém se preocupa? E os super salários, super benefícios, penduricalhos e privilégios de poucos, ninguém vai por um basta? E o custo absurdo de uma maquina pública ineficiente, ninguém está preocupado com isso? E as estatais que voltaram a dar prejuízos absurdos? E a inflação x perda do poder de compra dos trabalhadores? E a tributação absurda desse país? E a violência urbana que nunca esteve tão alta em nosso país? E o trabalhador perdendo poder de compra com essa inflação! E o aumento da faixa de isenção da tabela de imposto de renda para até R$5.000,00 até agora nada. Esses políticos só defendem os próprios interesses ou dos amigo$, o povo que se dane!

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