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Uma iniciativa do UOL para checagem e esclarecimento de fatos


Bolsonaro distorce dados de emprego e repete suspeitas sem base sobre urnas

1º.jul.2021 - O presidente Jair Bolsonaro em live ao lado do presidente da Caixa, Pedro Guimarães - Reprodução/YouTube Jair Bolsonaro
1º.jul.2021 - O presidente Jair Bolsonaro em live ao lado do presidente da Caixa, Pedro Guimarães Imagem: Reprodução/YouTube Jair Bolsonaro
Juliana Arreguy e Beatriz Montesanti

Do UOL e colaboração para o UOL, em São Paulo

01/07/2021 21h12Atualizada em 20/07/2022 21h32

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) distorceu, em sua live de hoje (1º), dados sobre empregos e voltou a levar suspeitas sem base sobre o uso de urnas eletrônicas, falando em "sistema fraudável".

Bolsonaro manipulou e omitiu dados do Caged (Cadastro Geral de Desempregados e Empregados), uma base de dados do próprio governo, para inflar o desempenho do seu governo em relação ao anterior. E ao insinuar irregularidades no sistema eleitoral, o presidente ignorou que nunca houve prova de fraudes nas eleições brasileiras desde que o voto eletrônico passou a ser utilizado. Bolsonaro é defensor do voto impresso. Veja o que o UOL Confere checou:

Não há fraude comprovada nas urnas eletrônicas no Brasil

Não vou admitir um sistema fraudável de eleições.
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

O histórico de votações desde a adoção da urna eletrônica —usada parcialmente em 1996 e 1998, e integralmente a partir de 2000— aponta que as eleições brasileiras são confiáveis.

Com a urna eletrônica, nunca houve fraude comprovada nas eleições brasileiras, nem denúncias consideradas relevantes. Essa constatação foi feita não apenas por auditorias realizadas pelo TSE, mas também por investigações do MPE (Ministério Público Eleitoral) e por estudos matemáticos e estatísticos independentes. Além disso, há outros elementos hoje no Brasil que reforçam os resultados de eleições, como pesquisas de intenção de voto e de boca de urna.

Ainda que não haja fraude comprovada e que a possibilidade de uma acontecer seja remota, especialistas de segurança defendem considerar a existência de riscos em qualquer sistema.

"Não estou falando que aconteceu fraude, não estou falando que vai acontecer. Mas, como profissional de segurança da informação, eu preciso pensar em cenários em que esse tipo de vulnerabilidade possa ser explorado", diz Diego Aranha, professor de segurança de sistemas no Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Aarhus. "Do ponto de vista científico, dizer que nunca houve fraude não é o suficiente. Há inúmeros sistemas inseguros que nunca foram fraudados."

Resultados de seções eleitorais já ficam disponíveis na internet

O TSE [Tribunal Superior Eleitoral] tem que disponibilizar para todo o Brasil todas as seções eleitorais pormenorizadas."
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

Os votos de todas as seções eleitorais são disponibilizados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) após as eleições de duas formas: na porta de cada seção, com o boletim impresso da urna, e na internet.

Constam do boletim de urna o total de votos dados, por meio daquele aparelho, a cada candidato e partido político, além dos votos brancos, nulos, o número da seção, a identificação da urna e a quantidade de eleitores que votaram naquela seção. O boletim deve ser impresso e fixado na porta da seção eleitoral, para que qualquer pessoa possa ter acesso ao material. Outras cópias do boletim são entregues pelo chefe da seção a pessoas que acompanham a votação no local, como representantes dos partidos políticos e do Ministério Público.

A consulta também é disponibilizada no site do TSE. Neste exemplo, veja que é possível consultar o resultado de cada seção eleitoral para as eleições municipais do ano passado em São Paulo. O mesmo tipo de consulta pode ser feito para qualquer outra cidade brasileira.

Mesmo com verba, voto impresso demanda 'licitação complexa', diz TSE

Já falei com a Economia, temos R$ 2 bilhões, seria isso, um pouco menos, para comprar impressoras para o ano que vem."
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

O TSE estima, de fato, que sejam necessários R$ 2 bilhões para adotar o sistema impresso nas urnas eletrônicas. Bolsonaro já declarou publicamente que pediria ao ministro Paulo Guedes (Economia) para liberar a verba. Guedes ainda não se pronunciou publicamente sobre o assunto.

Presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou, ao site da Corte, que a compra das impressoras demanda "o preparo de uma licitação complexa" e que o governo já havia alegado falta de recursos para realizar o censo demográfico e para auxílio do Exército na proteção de indígenas.

Atualmente, o TSE prevê R$ 980,8 milhões para a compra de novas urnas para 2022. Os equipamentos não incluem impressoras e servem para substituir as urnas atuais, consideradas obsoletas pelo tribunal. As impressoras, caso aprovadas, representam um gasto extra para a Corte. O TSE também entende que não haveria tempo hábil para a produção de impressoras a tempo das eleições.

Só mais 2 países têm urna sem comprovante

Então, não podemos enfrentar as eleições do ano que vem com essa urna que tem, que não é aceita em nenhum país do mundo.
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

A urna eletrônica sem comprovante de voto impresso, como no Brasil, é adotada também apenas em Bangladesh e no Butão, segundo levantamento da Folha publicado em junho.

Especialistas ouvidos pelo jornal apontaram que o comprovante impresso confere maior confiabilidade ao processo. Hoje, a auditagem das urnas eletrônicas no Brasil só se faz em cima dos registros eletrônicos. No entanto, a maioria rejeitou mudar o sistema neste momento, considerando o pouco tempo até as próximas eleições.

Além disso, embora possa haver melhorias no sistema de auditagem das urnas, eles reforçaram que nunca houve fraude comprovada nas eleições brasileiras desde que elas começaram a ser adotadas, em 1996.

"No atual contexto, a urna eletrônica garante segurança em várias etapas, mas obviamente o registro impresso daria uma segurança a mais —o que não quer dizer que a votação hoje em dia não seja íntegra", disse à Folha Ana Cláudia Santano, coordenadora-geral da Transparência Eleitoral Brasil.

Saldo de empregos em 2020 foi 22% do de 2019

Nós terminamos o ano de 2020 com mais emprego do que dezembro de 2019, então realmente, dado a crise que vivemos, foi um sucesso"
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

Considerando apenas o mês de dezembro, houve mais perdas de postos de trabalho em 2019 do que em 2020, segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), divulgado pelo Ministério da Economia. Foram 67.906 postos perdidos em 2020, ante 307.311 no ano anterior. O saldo é calculado considerando as contratações e demissões que aconteceram no mês.

Considerando o ano inteiro, tanto 2020 quanto 2019 terminaram com saldos positivos de criação de vagas. O saldo do ano passado, no entanto, ao contrário do que insinuou Bolsonaro, foi equivalente a 22% do valor de 2019. Foram criadas 142.690 vagas com carteira assinada em 2020, ante 644.079 em 2019.

Além disso, houve mudança na coleta de dados feita pelo Ministério da Economia para divulgar o mercado de trabalho formal, o que impede a comparação dos dados de 2020 com anos anteriores. O levantamento passou a usar dados mais abrangentes, incluindo trabalhadores temporários, que não eram contabilizados antes.

A PNAD/Contínua, divulgada em fevereiro deste ano pelo IBGE, registrou um desemprego recorde no Brasil ao final de 2020, com uma taxa de 13,5% de desempregados, o que corresponde a 13,4 milhões de pessoas. O resultado para o ano interrompe a queda iniciada em 2018, quando a taxa ficou em 12,3%. Em 2019, o desemprego foi de 11,9%.

Os dados divulgados pelo IBGE e pelo Ministério da Economia adotam metodologias diferentes. O IBGE é mais amplo e aborda também trabalhadores informais e pessoas em busca de emprego.

Mudança no Caged inviabiliza comparação

Dados do Caged hoje: foram 280 mil. Vamos comparar os períodos de janeiro a maio nos últimos 6 anos. Em 2015, a Dilma, de janeiro a maio, foram menos 243 mil, em 2016, Dilma também, menos 448 mil, sem pandemia. Depois teve o Temer, 2017 e 2018, o Temer já começou positivo, 48 mil em 2017, e em 2018, 381 mil. E aí chega nós aqui, em 2019 praticamente repetimos o período anterior do Temer, fomos para 351 mil. Depois, um período duro, de 2020, do meu governo: menos um milhão e cem mil."
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

De fato, em maio de 2021 foram abertas 280,6 mil vagas de emprego com carteira assinada, segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), divulgado hoje pelo Ministério da Economia. O acumulado dos primeiros meses do ano tem saldo positivo de 1.233.372 vagas abertas.

Os números divulgados por Bolsonaro sobre os últimos seis anos também estão corretos. No entanto, como já explicamos, houve mudança na coleta de dados feita pelo Ministério da Economia para divulgar o mercado de trabalho formal, o que impede a comparação dos dados de 2020 com anos anteriores.

Abaixo, veja os valores dos saldos de empregos entre janeiro e maio de 2015 a 2020:

  • Maio de 2020: Saldo negativo de 1.144.875 vagas no acumulado entre janeiro e maio.
  • Maio de 2019: No acumulado de janeiro a maio, foram criadas 351.063 vagas com carteira assinada.
  • Maio de 2018: 381 mil vagas abertas entre janeiro e maio.
  • Maio de 2017: No consolidado de janeiro a maio, foram 48.543 novas vagas.
  • Maio de 2016: Houve saldo negativo de 448 mil vagas entre janeiro e maio.
  • Maio de 2015: Foram fechados 243,9 mil empregos formais entre janeiro e maio.

Não há relação entre a variante delta e a CoronaVac

O cara da OMS que não é médico [disse]: 'Variante delta da covid se espalha também em populações vacinadas'. Abre logo o jogo que tem uma vacina aí que infelizmente não deu certo (...) Não deu certo essa vacina deles, infelizmente no Chile. Aqui no Brasil parece também que a coisa está complicada."
Presidente Jair Bolsonaro em sua live semanal

Embora não seja médico, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, é biólogo com mestrado em imunologia e doenças infecciosas. Na última semana, ele alertou que a variante delta do coronavírus está se espalhando em países com boa parte da população vacinada. No entanto, na mesma ocasião ele frisou que a variante "está se espalhando rapidamente entre os que não estão vacinados".

O presidente fez alusão à CoronaVac sem citá-la nominalmente. Na live da semana passada, o UOL Confere já havia desmentido que houvesse problemas com o imunizante no Chile. Apesar de o país enfrentar superlotação em hospitais em algumas áreas, a região mais ao sul com mais de 80% da população-alvo completamente imunizada apresentou queda nas notificações.

Também não há nenhuma comprovação de que a CoronaVac seja mais suscetível à variante delta. Países que sequer aplicam a vacina registraram casos da variante, como a Austrália (que aplica a AstraZeneca e a vacina da Pfizer) e a Itália (Janssen, Moderna, AstraZeneca e Pfizer).

Ivermectina não tem eficácia provada contra covid-19

Lá [nos EUA], vários senadores já falam que o 'tratamento imediato', aquele remédio para matar piolho, começa com "i" e termina com "a", poderia ter evitado 60% das mortes [por covid-19].
Presidente Jair Bolsonaro em sua live semanal

Não há estudos conclusivos que apontem que a ivermectina, medicamento antiparasitário, seja eficaz no tratamento contra o coronavírus. Uma pesquisa realizada pela Universidade de Oxford sobre a questão se encontra em estágio inicial, não tendo chegado a conclusões. A equipe responsável afirmou ao Projeto Comprova, do qual o UOL faz parte, que não possui expectativa de prazo para a publicação de resultados.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda o uso da substância apenas em ensaios clínicos, tendo em vista que a evidência atual sobre o uso desse medicamento para tratar pacientes com a doença é inconclusiva.

Já a Food and Drug Administration (FDA), agência de regulação dos Estados Unidos, também desaprova o uso da substância para tratar ou prevenir a covid-19 e alerta que doses excessivas do medicamento podem causar danos. A European Medicines Agency (EMA), da União Europeia, desaconselha o uso fora de ensaios clínicos.

Assim como no Brasil, nos Estados Unidos também há políticos que, sem embasamento científico, defendem o chamado "tratamento imediato" ou "precoce" para o combate à covid-19. Um deles é o senador republicano Ron Johnson, que teve sua conta do YouTube suspensa por uma semana em junho após defender na rede social o uso da ivermectina e outros medicamentos. Em sua política de uso, o YouTube não permite a divulgação de conteúdo que encoraja o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra o coronavírus.

Não há provas de supernotificação de óbitos por covid

Os óbitos são consolidados 3, 4 meses depois que eles ocorreram. (...) O cara chega lá com várias comorbidades, não sei o quê, 'suspeita de covid'. O que entra aqui? Covid."
Presidente Jair Bolsonaro em sua live semanal

Embora o Registro Civil possa demorar para divulgar a atualização de óbitos no país — por motivos que incluem a demora dos próprios cartórios para notificar as mortes —, os dados de óbitos por covid-19 são atualizados diariamente pelo Ministério da Saúde. A fala do presidente volta a levantar suspeita sobre a quantidade de mortes pela doença no país, algo já feito antes por Bolsonaro quando distorceu acórdão inconclusivo do TCU (Tribunal de Contas da União).

Contrariando o que diz o presidente, há especialistas que consideram que a situação no país é inversa, e que o Brasil na verdade sofre com a subnotificação dos casos. Um artigo do professor Miguel Buelta, da USP (Universidade de São Paulo), aponta que muitos óbitos registrados como SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) podem ter sido causados por coronavírus.

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