Covid: vídeo postado por bolsonaristas desinforma sobre imunidade natural
Um vídeo compartilhado por apoiadores do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) nas redes sociais mostra o senador americano Rand Paul, do Partido Republicano, distorcendo dados de uma pesquisa para alegar que a imunidade de quem teve covid-19 é maior do que a de quem tomou a vacina. De acordo com pesquisas e com uma especialista consultada pelo UOL Confere, ainda há divergências sobre o tema no meio científico, e confiar na proteção natural oferece riscos desnecessários em um momento no qual existem vacinas eficazes e seguras disponíveis.
O estudo citado pelo político aponta para uma imunidade mais ampla em quem já teve a doença, mas trata-se de um pré-print — ou seja, artigo não revisado — que reconhece limitações em sua própria conclusão.
No vídeo, o republicano aparece citando a pesquisa ao secretário de Saúde dos EUA, Xavier Becerra, durante audiência no Senado americano para tratar da segurança dos estudantes em aulas presenciais.
A audiência ocorreu em 30 de setembro e um trecho com a fala de Paul, de cerca de 5 minutos, vem repercutindo entre apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desde 2 de outubro. Até a noite de ontem (6), o vídeo somava mais de 300 mil visualizações no Facebook, quase 25 mil no YouTube e 165 mil no Twitter. A gravação foi compartilhada pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) e pelo empresário Otávio Fakhoury, que na CPI da Covid negou ter disseminado notícias falsas sobre o coronavírus, embora o tenha feito no próprio depoimento à comissão.
Não há consenso sobre imunidade natural
A imunidade natural corresponde à imunidade adquirida por meio de uma doença, e não por uma vacina. Bolsonaro e seus apoiadores alegam equivocadamente que a infecção garante uma imunidade superior à da injeção para justificar a não vacinação. Eles repetem argumentos utilizados por movimentos antivacina e remetem à "imunidade de rebanho", cuja efetividade já foi desmentida no caso do coronavírus.
Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), explicou que o tema ainda está em estudo, mas que a falta de consenso não exime a população de se vacinar.
"Esse assunto ainda é muito controverso e, de tempos em tempos, nós temos trabalhos que mostram que a imunidade natural pela doença é melhor, e outros depois que contradizem. De qualquer forma, a gente sabe que a reinfecção [pelo vírus da covid] é possível, então essa proteção maior talvez não seja tão prolongada", disse ao UOL Confere.
Conforme publicado pelo UOL em diversas reportagens e checagens, a vacina não impede a possibilidade de se contrair o vírus, mas sim reduz a possibilidade de hospitalização e morte pela covid-19.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) admite que a infecção natural "pode proporcionar uma proteção semelhante à da vacinação", mas alerta que ainda faltam estudos e testes sobre a duração dos anticorpos e qual a proteção deles contra as reinfecções e variantes. Por outro lado, o CDC, órgão sanitário dos Estados Unidos, divulgou um estudo que atesta maior proteção conferida pela vacina do que por infecção do vírus.
Já a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) alerta que o risco de morrer na tentativa de se obter a imunidade pelo contágio é muito maior do que para quem se imunizou por meio da vacina. Stucchi faz observação semelhante.
Mesmo que a ciência venha a mostrar que a proteção natural de fato é melhor, nós não devemos buscar a proteção natural. Buscar a proteção natural, na totalidade dos indivíduos, ao invés da proteção da vacina, vai expor muitas pessoas a um risco de morrer pela covid, e isso é inadmissível quando você tem uma vacina que é capaz de proteger."
Raquel Stucchi, infectologista
A virologista Sabra Klein, PhD e pesquisadora da Universidade Johns Hopkins (Estados Unidos), observou em artigo para o site da instituição que efeitos colaterais da vacina já foram previamente mapeados por pesquisadores e, portanto, podem ser tratados com maior facilidade se ocorrerem. Quanto à infecção pelo vírus, não há garantia de como o organismo vai reagir e quais sintomas ou sequelas a pessoa pode adquirir.
Estudo ainda não foi revisado
No vídeo, o senador Rand Paul inicia a audiência mencionando um estudo israelense com 2,5 milhões de pacientes. Mas a publicação em questão é um pré-print, ou seja, um artigo ainda não revisado. De acordo com um blog da Unicamp sobre covid, o pré-print é "um relato de pesquisa que não passou pela avaliação dos pares e que é compartilhado em um servidor público antes de ir para um periódico científico".
A plataforma medRxiv, onde o texto foi divulgado, destaca que o artigo não deve embasar práticas clínicas, já que ainda não foi avaliado por pares.
O estudo avaliou dados de 778.658 pacientes do MHS, um dos quatro planos de saúde licenciados pelo governo de Israel. A quantidade de 2,5 milhões de pessoas corresponde ao total de beneficiários do plano, e não aos casos analisados pela pesquisa.
Entre os pacientes avaliados, 673.676 correspondem a indivíduos totalmente vacinados; 62.883 a infectados e não vacinados; e 42.099 a infectados que tomaram apenas uma dose da vacina.
Nas conclusões, o artigo afirma possuir "várias limitações", entre elas:
- Os resultados contemplaram a redução da proteção com a variante Delta, e não com outras cepas
- A única vacina analisada foi a da Pfizer
- Não houve triagem dos pacientes que fizeram exames PCR, o que pode ter ocultado casos assintomáticos de covid
Senador diz não ter tomado vacina
Rand Paul é um senador eleito na esteira do Tea Party, movimento político ultraconservador que reúne a ala mais radical do Partido Republicano. Oftalmologista, ele alega não ter tomado a vacina contra a covid por já ter sido infectado com a doença — argumento semelhante ao utilizado por Bolsonaro e seus apoiadores para não se vacinarem.
Paul já teve falas relativas à vacinação desmentidas por veículos como CNN e Politifact. Embora seja contra a obrigatoriedade da vacinação, diz não integrar o movimento antivacina.
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