Ao falar de gasolina, Bolsonaro e Lula omitem necessidade de importações
Rivais políticos e possíveis adversários nas eleições de 2022, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alegaram, em recentes comentários sobre a alta no preço da gasolina, que o Brasil é autossuficiente em petróleo. Este tipo de afirmação, no entanto, trata de forma distorcida a produção de combustíveis no país, que ainda depende de importações para suprir a demanda interna.
Bolsonaro e Lula citaram a autossuficiência do Brasil em petróleo como argumento para criticar a política de preços adotada pela estatal em 2016, no governo de Michel Temer (MDB), pela qual a Petrobras segue o mercado internacional.
Em 28 de outubro, Bolsonaro disse não ser justo que "um país que é praticamente autossuficiente em petróleo" tenha o valor dos combustíveis atrelados ao dólar. Lula, por sua vez, deu mais de uma declaração nos últimos meses (veja aqui, aqui e aqui) defendendo que o país seria capaz de lidar com a própria demanda sozinho e que, por isso, não precisaria seguir os preços internacionais.
Autossuficiência quantitativa
A questão dos combustíveis no Brasil é mais complexa do que como aparece nas declarações de Bolsonaro e Lula.
Há 15 anos, com a descoberta do pré-sal, o país passou a produzir petróleo em quantidade para ser considerado autossuficiente, e inclusive exporta o produto. Mas as refinarias nacionais são antigas e foram construídas para refinar o petróleo importado, que é diferente do extraído no Brasil e exige outro tipo de tecnologia. Além disso, elas não têm capacidade produzir gasolina e diesel no volume necessário para o país. Com isso, precisamos de importações para atender o mercado interno.
"Necessariamente, só o óleo brasileiro não é suficiente, então nosso petróleo sempre foi criado também com óleo internacional, negociado em dólar", explica Rosemarie Bröker Bone, pesquisadora e coordenadora do laboratório de Economia do Petróleo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). "Por mais que, no quantitativo, diga-se que temos autossuficiência, em termos práticos, somos importadores. Na ponta do lápis, produzo mais que consumo. Mas, do que produzo, nem tudo é adequado, então temos de importar o óleo adaptado."
Segundo Bone, o Brasil importa gasolina e diesel porque o país não tem refinarias que produzam os combustíveis em quantidade suficiente para suprir a demanda interna. Assim, quando o real se desvaloriza frente ao dólar — como vem ocorrendo principalmente desde o ano passado —, "óleo cru, gasolina e diesel também aumentam."
Para a pesquisadora o Brasil só poderá aproveitar esta "autossuficiência quantitativa" com a ampliação das refinarias nacionais e sua adequação ao óleo extraído do pré-sal. Ela também defende que sejam criadas condições para que empresas estrangeiras se sintam confortáveis para investir no refino no país.
Mesmo a autossuficiência não deveria ser motivo para que os preços deixem de acompanhar o mercado internacional, diz Mauro Rochlin, economista e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas).
"Se a Petrobras não tem os preços alinhados ao mercado internacional, passa a ser uma empresa que não se preocupa primordialmente com o lucro e, por isso, não vai ter investidores interessados nas suas ações, interessados em investir na empresa e gerar mais capital", argumenta. "A Petrobras é uma empresa de capital aberto e ela produz um produto que é uma commodity, que é voltado para o mercado internacional."
Quando criticou a política de preços da Petrobras, Bolsonaro também disse que a estatal deveria dar um lucro "não muito alto" e ter um "viés social". Para o economista, o investimento em programas sociais deve vir do governo, e não de ajustes nos preços da estatal.
"A Petrobras não é uma empresa que deve ser ferramenta de uma política social, o próprio governo é que deve fazer a política. Ele que é dono dos recursos relativos aos dividendos, e vai dar o destino aos dividendos que lhe prover", diz.
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