Topo

Processos sobre tragédia da Kiss se arrastam, e vítimas esperam indenizações

Lucas Azevedo

Do UOL, em Porto Alegre

25/01/2014 06h00

Um ano se passou desde a madrugada de 27 de janeiro de 2013 e, até agora, nenhuma família de vítima foi indenizada pelo incêndio da boate Kiss, que matou 242 jovens na cidade de Santa Maria (RS). E mais: não há presos, tampouco agentes públicos responsabilizados. Sobre os 16 processados, não há previsão para julgamento.

INFOGRÁFICO

  • Arte/UOL

    Clique na imagem e veja: os itens de segurança que podem evitar incêndios em casas noturnas

O inquérito da Polícia Civil que foi instaurado no dia do incêndio indiciou 16 pessoas, mas apenas oito foram denunciadas. O MP não denunciou Ângela Aurelia Callegaro (irmã de Kiko e uma das proprietárias da boate), Marlene Teresinha Callegaro (mãe de Kiko, que constava oficialmente como uma das proprietárias da Kiss), Gilson Martins Dias (bombeiro que realizou a última vistoria na boate Kiss, em 2011), Vagner Guimarães Coelho (bombeiro que realizou a última vistoria na boate Kiss, em 2011), Miguel Caetano Passini (então secretário municipal de Mobilidade Urbana), Luiz Alberto Carvalho Junior (secretário municipal do Meio Ambiente), Beloyannes Orengo De Pietro Júnior (chefe da fiscalização da Secretaria de Mobilidade Urbana) e Marcus Vinicius Bittencourt Biermann (Funcionário da Secretaria de Finanças que emitiu o alvará de localização da boate). Foram denunciadas quatro pessoas por homicídio, duas por fraude processual e duas por falso testemunho.

A Justiça aceitou todas as denúncias, o que fará com que haja julgamentos. Mas apenas os dois proprietários da casa noturna e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira chegaram a ser presos –no entanto, gozam de liberdade provisória desde o fim de maio.    

Aguardam em liberdade o julgamento por homicídio doloso Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, e Mauro Londero Hoffman, sócios da boate, e os membros da banda Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão; por fraude processual os bombeiros Gerson da Rosa Pereira e Renan Severo Berleze; e por falso testemunho o ex-sócio da boate Elton Cristiano Uroda e Volmir Astor Panzer.

Novas investigações

Dois novos inquéritos da polícia estão verificando a existência de irregularidades na concessão de alvarás da prefeitura de Santa Maria e a ocorrência de crime ambiental durante o funcionamento da boate.

Os policiais já apuraram que, desde o início de suas operações, a Kiss tinha documentação irregular. As novas investigações começaram no fim de 2013, a partir de denúncias anônimas. Uma das irregularidades diz respeito a indícios de fraude em uma consulta pública para o encaminhamento do alvará de localização, inclusive com assinaturas em duplicidade.

"A pesquisa, em sua maioria, não contemplou os vizinhos efetivos da boate. Outra suspeita de fraude são assinaturas em duplicidade e uma que não pode ser verificada a pessoa nem pelo nome, nem pelo CPF ou pelo endereço", contou a delegada Luisa Souza.

RELEMBRE

No dia 27 de janeiro de 2013, um incêndio de grandes proporções na boate Kiss, em Santa Maria (RS), deixou 242 mortos e mais de 600 feridos. A maioria das vítimas era jovem e universitária, e assistia ao show da banda Gurizada Fandangueira. O fogo começou por volta de 2h, depois que o vocalista do grupo usou um artefato pirotécnico que lançou faíscas para cima. O teto da boate, que continha uma espuma de isolamento acústico --material altamente inflamável--, acabou sendo atingido, dando início ao incêndio. Das 16 pessoas que foram denunciadas à Justiça como responsáveis pela tragédia, oito respondem criminalmente.

Segundo ela, a prefeitura acabou aceitando esse documento com sérios indícios de fraude, mesmo tendo em sua posse um abaixo-assinado dos vizinhos da Kiss reclamando da sua instalação. Já foram ouvidas 154 pessoas nessa investigação. Para a prefeitura, no entanto, a responsabilidade pelos documentos apresentados para conceder o laudo não é dela, pois, segundo o Executivo municipal, os documentos que chegaram em suas mãos para a concessão tinham aval de técnicos e foi aprovado pelo Corpo de Bombeiros.

Sobre o crime ambiental, a denúncia refere-se a 2010, quando a Patrulha Ambiental da Brigada Militar constatou que a Kiss operava com som acima dos limites máximos permitidos em lei. O MP gerou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), e os proprietários da boate realizaram algumas reformas, colocando espumas para isolamento acústico. Espuma essa imprópria para a função e que se mostrou a grande responsável pelo sufocamento das vítimas no ano passado. O UOL tentou contato com os advogados dos ex-sócios da boate Kiss, mas, até o fechamento desta reportagem, nenhum havia sido localizado.

Esses novos inquéritos devem ser concluídos em fevereiro e encaminhados à Justiça. Eles podem resultar no indiciamento por improbidade administrativa de 20 funcionários públicos de Santa Maria.

Conforme Luiza, o prefeito Cezar Schirmer (PMDB) não foi ouvido como testemunha nem como suspeito, e "não há nada que indique sua participação nesses fatos". De qualquer maneira, por gozar de foro privilegiado, qualquer responsabilização que atinja Schirmer fica a critério apenas do procurador-geral do Estado.    

O MP informou, por meio de sua assessoria, que só se manifestará oficialmente sobre o caso no domingo (26), em Santa Maria, por meio do subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais, Marcelo Dornelles.      

Morosidade

Segundo o subdefensor público Geral para Assuntos Jurídicos Felipe Kirchner, que representa a Defensoria, nenhuma vítima ou familiar recebeu qualquer tipo de indenização ou reparo pela tragédia.

Foram feitos quatro pedidos de forma liminar: que sejam antecipados o pensionamento alimentar (para manter o pagamento de pensão a algum dependente das vítimas); que seja paga verba indenizatória por redução da capacidade laboral; o custeio de despesas médicas; e o custeio de funerais.

Sobre os dois primeiros, apenas as pessoas físicas e a boate foram condenados, no entanto, o processo ainda tramita na Justiça e nenhuma vítima da tragédia já foi paga. Os defensores recorreram para responsabilizar também a prefeitura de Santa Maria e o Estado do Rio Grande do Sul. "Esperamos que essa decisão saia antes do dia 27, mas o TJ está voltando de recesso de fim de ano", lamenta o defensor.

Já a indenização por impossibilidade de trabalho e o custeio de despesas foi negada pela Justiça. O motivo foi a falta de identificação dos beneficiários. "Mas tem gente que ficará impossibilitada de trabalhar ou terá que arcar com despesas médicas e funerais só daqui uns meses, anos. Por isso entramos com uma ação coletiva. Mas a juíza disse que, enquanto não identificarmos, não será dada a liminar”, disse Kirchner.

Procurado, o TJ informou que não há data de conclusão estipulada para o processo criminal. Já foram ouvidas 92 vítimas, mas ainda faltam 25. Só a partir daí é que o juiz Ulysses Louzada chamará as 71 testemunhas e os 29 peritos para prestarem depoimento.      

Militares

Na esfera militar, são oito os denunciados. Em agosto, o MP denunciou o tenente-coronel da Brigada Militar Moisés da Silva Fuchs (ex-comandante do 4º Comando Regional de Bombeiros), o tenente-coronel da Reserva da BM Daniel da Silva Adriano e o capitão da BM Alex da Rocha Camillo (ex-chefes da Seção de Prevenção a Incêndios) por inserir declaração falsa em documento público.

Já os soldados Gilson Martins Dias, Vagner Guimarães Coelho e Marcos Vinicius Lopes Bastide e os sargentos Renan Severo Berleze e Sergio Roberto Oliveira de Andrades foram denunciados por negligência.     

Conforme a Justiça Militar, foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo MP, à exceção de uma, que deve depor em 12 de março. O processo está em andamento, mas sem previsão de conclusão.

Conheça os responsáveis segundo a polícia

NOMEQUEM ÉACUSAÇÃO
Elissandro Spohr, o KikoSócio da boate KissHomicídio com dolo eventual
Mauro HoffmanSócio da boate KissHomicídio com dolo eventual
Luciano Augusto Bonilha LeãoProdutor da banda Gurizada FandangueiraHomicídio com dolo eventual
Marcelo de Jesus dos SantosVocalista da banda Gurizada FandangueiraHomicídio com dolo eventual
Angela Aurelia CallegaroSócia da Kiss e irmã de KikoHomicídio com dolo eventual
Marlene CallegaroSócia da Kiss e mãe de KikoHomicídio com dolo eventual
Ricardo de Castro PascheGerente da KissHomicídio com dolo eventual
Gilson Martins DiasBombeiroHomicídio com dolo eventual
Vagner Guimarães CoelhoBombeiroHomicídio com dolo eventual
Miguel Caetano PassiniAtual secretário de Mobilidade UrbanaHomicídio culposo e improbidade administrativa
Luiz Alberto Carvalho JuniorSecretário do Meio AmbienteHomicídio culposo e improbidade administrativa
Beloyannes Orengo de Pietro JúniorChefe da fiscalização da Secretaria de Mobilidade UrbanaHomicídio culposo e improbidade administrativa
Marcus Vinicius BittencourtFuncionário da Secretaria de FinançasHomicídio culposo e improbidade administrativa
Moisés da Silva FuchsComandante regional do Corpo de Bombeiros de Santa MariaHomicídio culposo (Justiça Militar) e improbidade administrativa
Alex da Rocha CamilloBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar) e improbidade administrativa
Robson Viegas MüllerBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar)
Sergio Rogério Chaves GulartBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar)
Dilmar Antônio Pinheiro LopesBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar)
Luciano Vargas PontesBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar)
Eric Samir Mello de SouzaBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar)
Nilton Rafael Rodrigues BauerBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar)
Tiago Godoy de OliveiraBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar)
Gerson da Rosa PereiraMajor do Corpo de BombeirosFraude processual
Renan Severo BerlezeSargento do Corpo de BombeirosFraude processual
Eltron Cristiano UrodaEx-sócio da KissFalso testemunho
Cezar SchirmerPrefeito de Santa MariaHomicídio culposo (Tribunal de Justiça) e improbidade administrativa
Daniel da Silva AdrianoCoronel da reserva dos BombeirosImprobidade administrativa
Marcelo Zappe BisognoEx-secretário de Controle e Mobilidade Urbana e, atualmente, vereadorImprobidade administrativa