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Feminista, negra e "cria da Maré": quem foi a vereadora Marielle Franco

Camila Rodrigues da Silva

Do UOL, em São Paulo

15/03/2018 10h30Atualizada em 15/03/2018 16h15

Feminista, negra, mãe e cria da favela da Maré. Era dessa forma que a vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada na noite desta quarta (14), no centro do Rio de Janeiro, se definia.

Antes do assassinato, ela havia acabado de participar do evento "Jovens Negras Movendo as Estruturas", na Lapa, região central do Rio. Marielle morreu aos 38 anos, no mesmo dia em que se comemora o aniversário da escritora Carolina Maria de Jesus, uma das muitas mulheres negras que faziam parte de suas inspirações e da qual lembrou durante sua última atividade política. Ela deixa uma filha de 20 anos.

O início de sua militância por direitos humanos tem um fator em comum com o fim de sua vida: a violência. Logo após ingressar em um pré-vestibular comunitário, ela perdeu uma amiga, vítima de bala perdida, em um tiroteio entre policiais e traficantes no Complexo da Maré, conjunto de favelas na zona norte da capital fluminense.

O cursinho foi o começo de sua carreira acadêmica, que a levou a ser socióloga e, depois, mestre em Administração Pública.

A militância foi o que lhe garantiu os 46.502 votos que a tornaram a quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro em 2016.

Antes da Câmara, ela trabalhou em organizações da sociedade civil como a Brasil Foundation e o Centro de Ações Solidárias da Maré. Além disso, coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), ao lado do atual deputado estadual Marcelo Freixo, também do PSOL.

Em 28 de fevereiro deste ano, assumiu a relatoria da comissão da Câmara de Vereadores do Rio criada para acompanhar a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, e se posicionou, desde o início, contra a medida.

Marielle Franco em ato do Dia Internacional da Mulher no Rio de Janeiro - Thais Alvarenga/Facebook - Thais Alvarenga/Facebook
8.mar.2018 - Marielle Franco em ato do Dia Internacional da Mulher no Rio de Janeiro
Imagem: Thais Alvarenga/Facebook

Para o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), Marielle representava o que a sociedade está buscando em novos políticos.

“Ela representa muito o que a sociedade pediu da política em 2013, quando aquela multidão de gente na rua dizia [tal político] 'não me representa'. A Marielle era a resposta a isso. Mulher, negra, feminista, mãe, de coração enorme, corajosa. Era uma quantidade enorme de muitos símbolos do que a gente quer para esse país. Virou um símbolo nacional, na primeira eleição sai com 48 mil votos. Perco uma pessoa que eu amava. Agora é fazer com que a memória prolongue a luta dela."

Para Freixo, a morte precoce da amiga só deve reacender a vontade política de outras mulheres com perfil semelhante ao dela. “Quem achou que fosse calar a Marielle a transformou em um símbolo que vai fazer com que Marielles brotem nas praças públicas a partir de hoje. Isso não vai provocar silêncio”.

Dia das Mulheres

Na última quinta-feira (8), Dia Internacional da Mulheres, Marielle discursou no plenário da Câmara Municipal e falou sobre resistência contra "os mandos e desmandos que afetam as nossas vidas" e listou dados sobre a violência contra as mulheres logo após ser interrompida pela entrega de uma rosa. “Homem fazendo ‘homice’”, reclamou.

Interrompida por um homem que gritou da galeria durante seu discurso, defendendo a ditadura, a vereadora se irritou e disse que não aturava a interrupção de vereadores e, portanto, não aturaria o mesmo "de um cidadão que vem aqui e não sabe ouvir a posição de uma mulher eleita".

Episódio de preconceito

Em fevereiro de 2017, quando já era vereadora, Marielle denunciou um episódio de preconceito no aeroporto de Brasília.

“Vasculharam até meu cabelo”, relatou ela sobre uma inspeção a que foi submetida no terminal de voos. Ela conta que foi escolhida para ser revistada aleatoriamente pelos funcionários do aeroporto. Contudo, a vereadora disse acreditar que o fato de ser negra foi determinante para ser selecionada e tratada de maneira diferenciada.

Ela foi abordada ao passar no detector de metais do aeroporto antes de embarcar de volta para o Rio. Marielle contou que foi selecionada para uma inspeção de rotina, mas preferiu não ir para a sala reservada do aeroporto. “Estava com pressa e sou da favela, lá a gente aprendeu que esse tipo de abordagem em público dá mais segurança para nós mesmos”, disse ao Congresso em Foco.

“Até o momento em que pediram para revistar minha mochila estava tudo certo. Mesmo que tenham olhado estojo de canetas e nécessaires”, disse. Segundo Marielle, houve excesso por parte dos funcionários quando precisou passar por revista no sutiã e no cabelo, além de descalçar as sandálias --que eram abertas.

“Fiquei atônita”, contou com a voz embargada. “Não tinha uma justificativa real e concreta para aquele ato”, completou. Marielle recebeu o apoio de pessoas que também passavam pelo detector de metais e a viram constrangida.

A última denúncia

Marielle fez a última denúncia de sua vida contra policiais do 41º BPM (Batalhão da Polícia Militar) de Acari, na zona norte do Rio, no último sábado (10). Em seu perfil oficial nas redes sociais, a vereadora afirmou que o batalhão estaria “aterrorizando e violentando moradores de Acari”.

Dados do ISP (Instituto de Segurança Pública) indicam que o batalhão registrou por volta de 450 mortes nos últimos cinco anos. Trata-se do maior índice de letalidade do Estado durante o período.

Na postagem, a vereadora escreveu: “Precisamos gritar para que todos saibam o está acontecendo em Acari nesse momento. O 41° Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores de Acari. Nessa semana, dois jovens foram mortos e jogados em um valão. Hoje a polícia andou pelas ruas ameaçando os moradores. Acontece desde sempre e com a intervenção ficou ainda pior. Compartilhem essa imagem nas suas linhas do tempo e na capa do perfil!”.

(Com Carolina Farias, do UOL, e informações do Congresso em Foco)