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Viúva vê vandalismo em painel de Marielle em SP e se oferece para restaurar: 'não vão silenciá-la'

O painel com o rosto da vereadora em Pinheiros foi alvo de vandalismo - Janaina Garcia/UOL
O painel com o rosto da vereadora em Pinheiros foi alvo de vandalismo Imagem: Janaina Garcia/UOL

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

27/05/2018 04h00

Um painel com o rosto de Marielle Franco, produzido por voluntários e militantes de direitos humanos no bairro de Pinheiros (zona oeste de São Paulo) em homenagem à vereadora carioca após seu assassinato em 14 de março, foi tingido por tinta preta e vermelha. Ao lado da arte --uma foto ampliada do rosto da parlamentar em preto e branco--, frases que a exaltavam foram apagadas com tinta branca.

O ato foi interpretado como vandalismo por grafiteiros, militantes de direitos humanos, pelo deputado estadual do Rio Marcelo Freixo (PSOL), colega de Marielle e seu padrinho na política, e pela mulher de Marielle, a arquiteta Monica Benício, ouvidos pelo UOL.

Por trás da ação, eles veem um ataque a o que a parlamentar representa --uma mulher negra, feminista, lésbica e cria do Complexo da Maré (conjunto de favelas da zona norte carioca)-- e, consequentemente, à sua luta. Logo após o crime, ataques à honra de Marielle por meio de fake news que a associavam a traficantes também foram interpretados por colegas de partido como uma "tentativa de matá-la de novo", conforme definiu Freixo à época.

Em entrevista ao UOL, a viúva de Marielle classificou a ação no painel como mais uma forma de silenciar as causas defendidas pela companheira --a principal linha de investigação do crime é o envolvimento de milícia e o secretário de Segurança do Rio, general Richard Nunes, já relacionou o assassinato à atuação política da vereadora psolista.

Monica se prontificou a ir à cidade de São Paulo para auxiliar os artistas autores do painel na sua reparação.

Esse vandalismo é só uma expressão de que uma sociedade que exterminou povos indígenas, teve três séculos de escravidão e duas ditaduras, não pode se livrar tão cedo da violência cotidiana. (...) A gente não vai aceitar esse tipo de vandalismo e Marielle não será calada.

Monica Benício, companheira de Marielle Franco

Praticamente metade do painel foi atingido por tinta preta. Na altura da testa, foi lançada tinta vermelha. Cartazes com a mensagem “vai ter luta” foram arrancados, e um grafite com a inscrição “mulher preta, lésbica, papo reto, Marielle presente! Pra se inspirar, se mexer, pra não esquecer” foi apagado.

"Tiraram as faixas de ‘vai ter luta’, mas isso não muda o fato de que vai ter luta e vai ter resistência", disse ela, que, em entrevista ao UOL, em abril, revelou que manterá vivas as lutas de Marielle (veja abaixo).

Para Monica, que define o painel como "um dos mais divulgados, um dos mais bonitos", a intervenção sobre ele é uma "expressão de violência" a ser diariamente enfrentada.

"É com muita tristeza que eu vejo que ainda existem essas expressões de ódio, e a gente vai continuar lutando contra elas. Só que, diferente deles, não com violência, mas construindo com afeto. Porque a gente quer uma sociedade mais justa."

O painel, que estampa a escadaria entre as ruas Cristiano Viana e Cardeal Arco Verde, foi montado na semana seguinte ao assassinato de Marielle, no centro do Rio de Janeiro, com quatro tiros na cabeça. A ação também resultou na morte do motorista dela, Anderson Pedro Gomes. Mais de dois meses após as mortes, o crime ainda não foi elucidado.

Viúva diz que lutará por causas de Marielle: "não tenho nada a perder"

UOL Notícias

A arquiteta viu na tinta vermelha “o máximo da violência”. “Acredito que o recado que tentaram passar nesse assassinato da Marielle foi claro na tentativa de nos silenciar, de nos tornar menores e de instalar mais medo, mas a gente não pode parar a luta mesmo assim."

Freixo também avalia que há um caráter simbólico no ato verificado no painel de Marielle em São Paulo. Para o deputado, apagar uma memória é tão violento quanto "apagar uma pessoa". E, assim como Monica, ele defende que a política não seja derrotada pela barbárie.

A mesma barbárie que é capaz matar e dar quatro tiros na cabeça de uma pessoa como a Marielle é capaz de tentar apagar sua memória

Marcelo Freixo, deputado estadual

“Marielle foi morta por essa política capaz de eliminar uma pessoa como uma mulher negra, egressa da favela, lésbica. Eliminar a sua memória e não permitir que se lute por ela é a mesma violência, é essa violência como método político e que produz medo e ódio. Isso não pode ser naturalizado", completou.

Na opinião dele, o painel precisa ser refeito. “Só tem um jeito: vamos fazer outro painel. Mataram uma Marielle? Vamos lançar um monte de candidatas mulheres negras. Sujaram um painel? Vamos fazer mais três. É a guerra contra a barbárie.”

Marielle Franco e Monica Benício - Taís Vilela/UOL - Taís Vilela/UOL
Marielle Franco e Monica Benicio
Imagem: Taís Vilela/UOL

ONG vê intolerância e racismo

A ONG Geledés, focada em questões relativas à mulher negra, também repudiou a intervenção sobre a imagem de Marielle. No mês passado, quando o grupo comemorou 30 anos de atividade, a homenageada foi justamente a vereadora assassinada.

“Entendemos que isso é pura intolerância oriunda de manifestações racistas que se dão de forma violenta e reveladoras de ódio. Não era só uma foto estampada ali, mas uma demonstração de luta sobre a resistência da mulher negra morta de forma violenta”, disse Erica Pereira de Souza, uma das diretoras da Geledés. “A sociedade não está preparada para discutir e repudiar isso”, completou.

A ativista lembrou que, nas últimas semanas, outro ato de vandalismo chocou a cidade e gerou reação das autoridades de segurança pública: a pichação da fachada do Páteo do Colégio, considerado um dos marcos históricos da capital paulista e símbolo da evangelização jesuíta.

“O Páteo tem uma importância histórica e emblemática dentro do contexto católico. Dá-se uma visibilidade a isso [a pichação no prédio], até porque a Igreja tem um peso na sociedade. Mas e a mulher negra assassinada de forma brutal? Cadê a visibilidade e a credibilidade dela?”, comparou.

No detalhe da imagem: tinta vermelha na altura da testa, e tinta preta de cima a baixo - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
No detalhe da imagem: tinta vermelha na altura da testa, e tinta preta de cima a baixo
Imagem: Janaina Garcia/UOL
A reportagem do UOL também pediu que grafiteiros analisassem a forma como se deu a ação sobre o painel. Para o grafiteiro Ozi, amigo de integrantes do coletivo autor do painel e um dos precursores da arte urbana em São Paulo, a intenção foi vandalizar a imagem.

“Ali me parece claro que foi vandalismo, não um acidente ou um descuido, por exemplo, por parte de alguém incomodado com a ocupação do espaço ou com a simbologia daquela arte específica”, comentou.

“Isso acontece com todo mundo que faz arte na rua: quem pinta ou instala, está sujeito a ser ‘atropelado’ [na gíria dos grafiteiros, ter a arte vandalizada]. Mas é triste demais de ver.”

A reportagem do UOL procurou integrantes do coletivo paulistano que instalou o painel, mas eles preferiram não se manifestar.

Na última sexta-feira (25), uma nova intervenção no painel estampou a mensagem “Amar atrai amor” próximo aos lábios da vereadora. No alto da cabeça, onde fora lançada tinta vermelha, um maço de flores coloridas foi colocado. As laterais da foto ganharam adesivos com mensagens sobre harmonia e enfrentamento ao medo.