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Polícia do Rio agiu certo ao matar sequestrador? Especialistas opinam

Luís Adorno e Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

20/08/2019 14h37

Um atirador de elite da Polícia Militar do Rio encerrou hoje o sequestro de um ônibus na Ponte Rio-Niterói ao matar o sequestrador Willian Augusto da Silva, 20. Ao contrário da tragédia do ônibus 174, em 2000, os policiais não perderam a chance de abater o sequestrador quando tiveram a primeira oportunidade.

Em 2000, a ação policial no Rio foi criticada por especialistas em segurança pública. Na ocasião, o sequestrador Sandro Barbosa do Nascimento, 21, poderia ter sido morto por um sniper quando colocou a cabeça para fora do veículo, mas não houve autorização para isso. O desfecho do caso foi trágico, como uma refém assassinada e o sequestrador morto após ter sido rendido.

"A ação [de hoje] foi correta. Foi técnica. Todos os procedimentos foram adotados", afirmou ao UOL o ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) Paulo Storani. "A Polícia Rodoviária Federal foi a primeira força policial presente e mantiveram o perímetro de segurança. Depois chegaram a PM, os bombeiros e os policiais especializados."

Ele diz que, a partir de então, o cenário mudou totalmente. "Parou o trânsito do outro lado da via, se aplicou a negociação. Foi como um exemplo de aplicação do manual de contenção de crise."

O ex-capitão afirma que as forças policiais "chegaram à conclusão de que a alternativa seria manter a negociação, mas que, caso houvesse oportunidade de atirar sem gerar riscos às vítimas, o atirador poderia fazê-lo".

O tiro foi na perna. Atingiu artérias importantes. E ele morreu por isso, mas chegou a ser socorrido. Quando um sequestrador mantém um refém mais próximo, como um escudo humano, por exemplo, existe o chamado tiro de comprometimento, que neutraliza todo o corpo da pessoa. Esse tiro tem que atravessar uma região específica do cérebro que evita qualquer espasmo muscular.
Paulo Storani, ex-capitão do Bope

Delegado da Polícia Civil no estado do Rio, Orlando Zaccone diz que o mais importante é a circunstância em que foi dado o comando para atirar. "Se o sequestrador já estava rendido, por exemplo, então houve excesso", diz. "Se ele desce do ônibus e se mantém irredutível em não negociar, ameaçando incendiar o ônibus, o cenário é outro, então não houve excesso."

"Pelo o que temos até agora não dá para dizer que a ação foi dentro ou fora dos limites da lei", afirma. "O objetivo é um desfecho sem vítima. A ideia é negociar uma rendição, e não eliminar o sequestrador."

Coronel da reserva da PM e ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva Filho concorda: "Só quem está vivendo a situação, como o comandante, que é o gerente da crise, é quem tem a difícil tarefa de tomar a decisão. Ele julgou que o sequestrador não deveria voltar para o ônibus, e isso só seria possível por meio de um tiro."

O sniper [atirador] não tem a preocupação se o homem vai morrer ou não. A preocupação dele é acertar o alvo. O problema de consciência é do comandante da ação.
José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de segurança pública

O sequestrador Willian Augusto da Silva, 20 - Ricardo Cassiano/Ag. O Dia/Estadão Conteúdo - Ricardo Cassiano/Ag. O Dia/Estadão Conteúdo
O sequestrador Willian Augusto da Silva, 20
Imagem: Ricardo Cassiano/Ag. O Dia/Estadão Conteúdo

A negociação

Silva Filho afirma que o Bope aprendeu com o Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) a cuidar de casos como esse. "Depois do ônibus 174, as polícias desenvolveram um padrão de conduta para esse contexto", diz. "Tem de ser feito por profissional experiente, com patente."

São três os principais responsáveis pelo caso. O negociador, "que deixa claro ao sequestrador que não é ele quem toma a decisão", o comandante da operação e o atirador de elite. "Também não se permite amadores, como advogados, juízes, padres, governador ou parentes."

O negociador, que conversa com o comandante por meio de rádio, fica a uma distância de cinco a dez metros do ônibus em uma posição em que ele possa ser visto pelo sequestrador.

"A preocupação é conversar de maneira protegida. Às vezes com um escudo balístico, ou na lateral do ônibus, fora do alcance. O importante é que ele consiga falar e ter contato visual com o sequestrador."

O sniper não precisa ficar tão perto. Ele coloca a arma sobre um suporte para garantir uma posição estabilizada. Hoje, ele ficou sobre um carro do Corpo de Bombeiros. Ele não pode atirar através do vidro do ônibus porque a bala pode desviar. Ele tem de ter a segurança de que vai acertar.
José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de segurança pública

Se o negociador avalia que não terá condições para continuar as tratativas, "que está ficando perigoso, o homem está mais agressivo", ele avisa o comandante. "Aí o comandante pode tomar a decisão de atirar, e avisa o sniper."

O tiro tem de ser seguro, que não atinja reféns. "Aparentemente foi isso que aconteceu", diz o coronel. "Ainda será feito um inquérito. Os três: negociante, comandante e atirador serão ouvidos."

sequestro ponte fogo - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
Sequestrador joga para fora do ônibus um objeto pegando fogo
Imagem: Reprodução/TV Globo

O inquérito

Professor da FGV e pesquisador de organizações policiais, Rafael Alcadipani lembra que "em uma operação policial perfeita não há vítima, mas, se alguém tiver de morrer, que seja quem fez o dano". "Quando uma pessoa sequestra um ônibus, coloca gasolina, ele se coloca em risco. Ao mesmo tempo, não há pena de morte no Brasil."

O delegado Zaccone explica que o Bope terá de entregar à Polícia Civil um relatório sobre a negociação. "O processo legal exige que tudo o que aconteceu naquele local seja documento pelo inquérito. E quem vai ser responsável pela palavra final é o Ministério Público."

O processo conterá a perícia técnica, o exame cadavérico do sequestrador e o depoimento dos sequestrados, "que viram toda a negociação". "A conclusão depende de interesse político. Se tiver interesse que seja arquivado, isso pode acontecer em um mês. Se não, isso pode gerar uma responsabilidade penal no curto prazo."

Para o professor da FGV, há "99% de chance de a ação ser considerada legítima pelo MP e que o processo acabe arquivado". "O clima político no país ajuda, principalmente porque não houve morte de refém ou de policial."

Witzel comemora ao chegar na ponte Rio-Nitero?i

UOL Notícias

Política

Para Sotorani, ex-capitão do Bope, o caso prova que "a polícia evoluiu" desde a tragédia do ônibus 174. "Houve uma natureza política que reduziu as chances de salvar a vida de todas as vítimas. Hoje, o governador entrou só depois. Conhecendo o Bope, em 2000, quando ocorreu o 174, e tudo o que foi feito de lá para cá, pode-se dizer que, sim, evoluímos."

Silva Filho, ex-secretário de segurança, lembra que o então governador Anthony Garotinho chegou a se intrometer na negociação, sugerindo até jogar gás do sono dentro do coletivo, "o que não existe na vida real".

Ele lamenta, no entanto, a cena em que o governador do Rio, Wilson Witzel, aparece comemorando o desfecho. "Nem a polícia nem autoridades comemoram morte, mesmo de bandido." Ele acredita que a posição política do governador, que incentiva o abate de criminosos, seja um "recado" para os policiais "porque cria um incentivo para atirar sem maiores ponderações".

Para Alcadipani, da FGV, o comportamento do governador foi "lamentável". "Parecia que ele estava comemorando um gol na Copa do Mundo. Uma atitude inadequada a um governador de estado."

Em entrevista coletiva, Witzel negou que tenha comemorado a morte do sequestrador. Ele declarou que celebrou a vida dos reféns salvos.