Relatório aponta alta de 98% na letalidade da Rota, e Doria troca ouvidor
Resumo da notícia
- Entre 2018 e 2019, Rota quase dobrou sua letalidade policial
- Último PM da Rota foi morto em serviço em maio de 2000
- No dia da divulgação do dado, Doria retirou do cargo o atual ouvidor
- Ouvidor por dois anos, Benedito Mariano soube de sua retirada pelo Diário Oficial
- Novo ouvidor é militante negro e foi secretário-adjunto de Fernando Haddad (PT)
Apesar de o sociólogo Benedito Mariano ter sido o mais votado para seguir como ouvidor das polícias de São Paulo, o governador João Doria (PSDB) não seguiu a expectativa de escolher o nome mais bem colocado da lista tríplice e conduziu ao cargo o terceiro colocado, o advogado Elizeu Soares Lopes.
A decisão foi anunciada no mesmo dia em que a Ouvidoria divulgou um estudo que aponta que a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) quase dobrou sua letalidade entre 2018 e 2019.
A nomeação do ouvidor das polícias Civil e Militar de São Paulo ocorre por meio de votação com membros da sociedade civil. Benedito Mariano foi o mais bem votado. Dois anos atrás, ele foi escolhido também sendo o terceiro colocado. Doria escolheu para o cargo o terceiro, o advogado Elizeu Soares Lopes, que é ligado ao movimento negro. Lopes foi secretário-adjunto de Promoção da Igualdade Racial da prefeitura na gestão de Fernando Haddad (PT).
Em nota, a Secretaria Estadual de Justiça disse que "a escolha de um novo mandato de Ouvidor das Polícias a cada dois anos é uma regra prevista pela Ouvidoria". "Por se tratar de um cargo de fiscalização indicado por representantes da sociedade civil, cuja função é ser o porta-voz da população, a escolha é baseada estritamente em critérios técnicos."
De acordo com o relatório divulgado hoje pela Ouvidoria, em 2018 e 2019, a PM (Polícia Militar) foi responsável por 95% das mortes de civis. Em 2018, policiais da Rota mataram 58 pessoas. Em 2019, 104. Em 98% dos casos, as mortes de pessoas em supostos confrontos ocorrem por policiais da Rota em serviço. O último caso de policial da Rota morto em serviço, segundo a PM, ocorreu em maio de 2000.
"Destacamos no relatório as 20 recomendações que eu fiz ao governo nesses dois anos, que se encerram hoje. O dado mais preocupante que registramos é que houve um aumento de 11,5% da letalidade de policiais militares em serviço, mas a Rota foi muito grande, de 98%", afirmou o ouvidor Benedito Mariano.
De acordo com o relatório, uma possibilidade para a Rota ter quase dobrado sua letalidade é porque "sofre maior influência do senso comum que prega que 'bandido bom é bandido morto' e da onda conservadora que tomou conta do país".
"Manifestei essa manifestação ao comandante geral e ao comandante da Rota, que é um grande comandante, que tenho grande respeito. Quero reforçar que o que mais vai influenciar na diminuição da letalidade é centralizar no órgão corregedor os inquéritos sobre mortes de civis", complementou.
"Fiquei sabendo às 8h30, pelo Diário Oficial"
Após dois anos como ouvidor, o sociólogo Benedito Mariano soube pelo Diário Oficial que não continuaria no cargo. "Foi deselegante por parte do governo. Fiquei sabendo hoje, às 8h30, pelo Diário Oficial. Podiam ter me avisado com antecedência até mesmo para eu fazer a transição ao novo ouvidor", disse ao UOL.
"O governador tem legitimidade de escolher o primeiro, o segundo e o terceiro nome. Fiquei surpreso. Creio que ele não me reconduziu pelo que fiz, não pelo que não fiz. Foram dois anos de Ouvidoria muito atuante, que exerceu com muita força o controle da letalidade policial. Uma demonstração de que a Ouvidoria contribui com a atividade policial", afirmou.
Para Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), "preocupa que o ouvidor não seja reconduzido, em especial porque ele se mostrou muito ativo e crítico a operação em Paraisópolis e coincide com o dia em que ele divulga relatório mostrando que as ações letais da Rota tiveram crescimento de 98%. Mariano cai pelo bom trabalho que vinha fazendo de controle externo da atividade policial".
Rafael Alcadipani, professor de Gestão Pública na FGV (Fundação Getúlio Vargas), disse que Mariano "tentou trazer luz a ações problemáticas da polícia, mas também tentou trazer luz para problemáticas da própria instituição".
"Ao retirar Mariano da Ouvidoria, soa que ele incomodou os interesses do governo do estado no que diz respeito à transparência, redução de letalidade e melhoria do trabalho dos policiais, afinal, ele foi o mais votado e poderia ter sido reconduzido", disse o professor.
Segundo Alcadipani, Elizeu, o novo ouvidor, "é um quadro muito ligado ao movimento negro, que pode fazer um excelente trabalho, e estamos torcendo para isso".
O atual comandante da Rota, tenente-coronel Mario Alves da Silva Filho, apoiou a nomeação de Elizeu no Instagram, com uma foto ao lado do novo ouvidor registrada dentro do batalhão, sorridentes. "Desejo ao doutor Elizeu sabedoria e muito sucesso para essa honrosa missão", escreveu.
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