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PCC tem núcleo feminino tão violento quanto o masculino, diz polícia de AL

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Recife*

28/07/2020 16h10Atualizada em 28/07/2020 20h28

Resumo da notícia

  • Antes tida como facção exclusivamente masculina, PCC agora é composto por dois núcleos de homens e de mulheres
  • Ambos têm a mesma hierarquia, poder de julgamento e nível de violência praticada contra facções rivais e ex-integrantes
  • Forças de segurança de Alagoas realizaram quatro ações policiais integradas contra a facção criminosa
  • Ao menos 18 mulheres fazem parte da cúpula do PCC em Alagoas, segundo autoridades
  • De acordo com o Ministério Público de São Paulo,historicamente não há nenhum cargo grande no PCC em que haja mulheres, gays e menores de idade

Antes tida como uma facção criminosa exclusivamente masculina, o PCC (Primeiro Comando da Capital) agora é composto por dois núcleos de homens e de mulheres — ambos com a mesma hierarquia, poder de julgamento e nível de violência praticada contra facções rivais e ex-integrantes.

A atuação de mulheres como "damas do crime", protagonistas de chefias no PCC, foi anunciada hoje, pelas forças de segurança de Alagoas, que realizaram quatro ações policiais integradas contra a facção criminosa. Segundo as investigações, as mulheres atuam no tráfico de drogas e prática de homicídio.

As ações de hoje foram intituladas de Flashback II, Damas, Njord e Retomada. As ações policiais tentam cumprir no dia de hoje, 216 mandados de busca e apreensão em dez estados brasileiros, sendo Alagoas com maior concentração, com 98 ordens judiciais. Os demais estados são: Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí e São Paulo. Os mandados judiciais têm como alvo a desarticulação da facção criminosa PCC.

As investigações indicaram que pelo menos 18 mulheres fazem parte da cúpula do PCC em Alagoas. A polícia informou que pelo menos três homicídios e uma tentativa são atribuídos às "damas do crime". Dois áudios gravados em conferências telefônicas interceptadas pela investigação mostram mulheres ordenando mortes e relatando como as vítimas foram assassinadas.

"Fui lá irmã, abri a cabeça de um CV [Comando Vermelho], tá ligado? Dei coronhada. Quebrei o coco [cabeça], pegou um tiro nas costas dele. Quebrei a cabeça dele, rachei a cabeça dele, o crânio dele, tá ligada? Meti a ponta do ferro dentro do olho dele e do ouvido porque ele é lixo", diz uma das criminosas, relatando um homicídio.

"A irmã está passando a caminhada aí, onde tem uma linha aberta não estou conseguindo escutar. Pode continuar aí", responde outra suposta integrante do PCC.

"Primeiramente, meu irmão deu três tiros nele e ele foi correndo. Foi na hora que escutei ele dizer: 'oi, oi', eu disse 'oxe, ele tá vivo ainda'. Eu sozinha, sendo mulher, sendo comandante, tendo total autonomia de pegar um lixo e matar, tá ligada? Independente de ser homem ou ser mulher, sendo CV tenho total autonomia de chegar e matar se for lixo, porque sou PCC. Cheguei, abri em cima, o marido tá aqui de prova. Tá comemorando porque nós matou (sic) lixo. Tem uns irmão (sic) que aplaudiu", diz uma das integrantes da facção.

Em outro áudio, uma mulher diz que usou o poder de sedução para atrair o integrante da facção criminosa Comando Vermelho, que seria alvo de homicídio praticado pelo grupo de mulheres do PCC.

"Você vai chegar e mostrar onde é a casa do cara. A de menor foi lá comigo e dei uma de tipo, usei minha sedução. Sou mulher e sei como quero pegar um CV e meter bala. (...) Conversei com o lixo, marquei com o lixo e fiquei conversando, trocando ideia, tá ligada, minha irmã? Ele tá na porta fazendo isso e isso, tá muito doido. Ele perguntou onde eu morava e eu disse em Marechal Deodoro [cidade da região metropolitana de Maceió] para ele não pegar a visão que eu era PCC", relata a mulher, chamada de "dama da morte" pela interlocutora. "Bateu um tiro nas costas, um tiro no braço, um tiro na perna e um tiro no braço."

De acordo com o Ministério Público de São Paulo, que investiga a facção, historicamente não há nenhum cargo grande no PCC em que haja mulheres, gays e menores de idade.

Investigações durante quatro meses

Duas armas de fogo apreendidas e houve uma resistência a prisão. O delegado Gustavo Henrique, coordenador da Deic (Divisão Especial de Investigação e Capturas) da Polícia Civil de Alagoas, informou que foi apreendida pouca quantidade de drogas porque "os cabeças não ficam com material que pode dar flagrante." "Por isso, não houve uma grande quantidade de apreensões", disse.

O coordenador da Deic afirmou que as investigações observaram a atuação de mulheres na cúpula da organização criminosa, com as mesmas funções dos chefes do PCC e tão violentas quanto os homens. Durante quatro meses, a facção criminosa foi monitorada, por meio de interceptações telefônicas autorizadas pela 17º Vara Criminal da capital.

"De fato há algum tempo, o PCC era, predominantemente, composto por integrantes masculinos. Depois da atuação árdua das forças de segurança começou a prender os integrantes masculinos e levá-los para presídios, eles precisaram de alguém de confiança fora da cadeia para articular ações na rua. Essa incumbência recaiu sobre mãe, irmã, esposa, companheira. Foi esse fenômeno que fez o núcleo feminino surgir no PCC, onde elas assumem os mesmos postos de comando masculinos e são tão violentas quanto os homens", afirmou o delegado.

O delegado destacou ainda que os dois núcleos são "harmônicos" e não interferem nas ações "uns dos outros". "As mulheres assumiram o protagonismo na mesma função dos homens. Elas comandam execuções de integrantes de grupos rivais e atuam nos tribunais disciplinares, que são os famosos decretos, que algum integrante é considerado indigno e são justiciados ao tribunal de crime", indica Gustavo Henrique.

A operação Flashback 1, deflagrada no ano passado, teve como alvo sete mulheres. Mas, depois das investigações, na Flashback 2 foram identificadas pelo menos 18 mulheres e apenas um homem.

"Nós, na Deic, já monitorávamos esse aumento da participação de mulheres no grupo criminoso. Em especifico desse grupo feminino observou-se o tribunal do crime, onde uma pessoa da facção rival é julgada e executada. A maioria desse tribunal é exatamente mulheres. Participaram três mulheres e um homem, que tinha também um homem que está preso. Esses áudios demostram o grau de violência e periculosidade dessas sujeitas. Elas tem o núcleo igual do masculino, com toda hierarquia, com o mesmo poder de decisão de dar ordem, de determinar execuções", disse o delegado.

O comandante do 8º BPM major Henrique Jatobá Correia explicou que de uma única operação passou a "abarcar mais três ações, por conta das investigações passadas". "Mais forças se juntaram, mais estados se juntaram, e conseguimos fazer uma operação mais ampla", explicou.

"Começaram com mulheres participando dentro do PCC como missão de passar mensagens ou transportar alguma coisa para dentro dos presídios. O PCC passou a pensar maior e partiu para os presídios femininos, que eles não tinham atuação, começaram a batizar mulheres tão violentas quantos homens. Mulheres que tem perfis igualmente violentos a de homens, 18 mulheres e um homem só. Hoje, 39 mulheres foram alvo de prisão e de busca e apreensão", pontuou o major.

Atuação em presídios

A SSP/AL (Secretaria de Segurança Pública de Alagoas) informou que, dos 216 mandados, 31% dos alvos da operação e demais núcleos já estavam presos em unidades prisionais. Em Pernambuco, todos os 15 alvos estavam encarcerados. No Mato Grosso do Sul, dos 23 alvos, 19 estavam presos.

Em Pernambuco, foram cumpridos 16 mandados de prisão e mandados de busca e apreensão, que foram expedidos pelo Tribunal de Justiça de Alagoas, em desfavor de integrantes de organização criminosa que já se encontravam no cumprimento de penas restritivas de liberdade. O cumprimento dos mandados foi realizado pela Polícia Civil de Pernambuco.

*Com colaboração de Luís Adorno, do UOL, em São Paulo.

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