Topo

Assaltos a banco têm meses de planejamento, financiamento e armas pesadas

01.dez.2020 - Policiais armados nas ruas de Criciúma após assaltos a dois bancos no centro da cidade - CAIO MARCELLO/AGIF/ESTADÃO CONTEÚDO
01.dez.2020 - Policiais armados nas ruas de Criciúma após assaltos a dois bancos no centro da cidade Imagem: CAIO MARCELLO/AGIF/ESTADÃO CONTEÚDO

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

02/12/2020 13h00

Grandes assaltos a banco, como os que ocorreram em Criciúma (SC) e Cametá (PA) esta semana, têm planejamento que dura meses e que inclui monitoramento de policiais locais, rotas de fuga bem definidas, além de escolha de criminosos especialistas em usos de armas de grosso calibre e explosivos.

Em geral, segundo policiais federais e civis, promotores, procuradores e especialistas em segurança pública entrevistados pelo UOL, esses grandes assaltos são liderados por um ou dois líderes —no máximo, quatro. São eles que financiam individualmente o crime, mas têm em facções criminosas com o PCC (Primeiro Comando da Capital) apoio estrutural.

Além dos últimos casos registrados, houve roubos semelhantes em Botucatu e Guararema, no interior de São Paulo. Especialistas apontam que há uma dinâmica semelhante em todos esses crimes, para além do alto poder bélico: os crimes costumam acontecer em cidades com menos de 500 mil habitantes, com poucos policiais no efetivo e durante a madrugada.

As ações costumam ser de surpresa: a ideia dos criminosos é que, sem troca de tiros, o roubo não dure mais do que 20 minutos entre a entrada na cidade e a saída com o dinheiro.

Outra estratégia, dependendo da dinâmica local, é atacar a tiros bases da PM antes do crime, para descolar os policiais para esses locais e retardar o poder de reação no local onde o roubo ocorre.

Bloqueio de vias com veículos incendiados também costuma fazer parte do plano criminoso. Em alguns casos, cidadãos são usados como escudos humanos pelos ladrões.

Normalmente, o planejamento de meses inclui "escolhas a dedo" dos bandidos escalados para o roubo, com "características criminais" diversas. Após o assalto, o valor obtido é separado: 50% fica com os financiadores do assalto, a outra metade fica com a organização criminosa que financiou o crime, disse à reportagem um promotor paulista.

Um procurador aposentado complementou que, historicamente, esses grandes roubos são feitos por pessoas que integram facções criminosas, mas que a ação em si não é da facção, mas, sim, "uma caminhada individual do criminoso", ainda que tenha parceria de estrutura do crime organizado.

Para se ter um parâmetro de preço para realizar um assalto de grande porte, o professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vergas) Rafael Alcadipani explica que o aluguel de um fuzil do PCC gira em torno de R$ 20 mil a R$ 30 mil, mas, dependendo do tamanho do assalto, esse aluguel pode saltar para até R$ 200 mil.

"Se a ação for gerar muito dinheiro, a facção criminosa pode pagar uma joia [dinheiro à parte] em cima da ação especificamente. Se for ação espetaculosa, como a de Criciúma, por exemplo, podem cobrar de R$ 50 mil a R$ 200 mil", diz o professor, que também é membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

Acrescido a isso, Ivana David, juíza da 4ª Câmara Criminal do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), questiona: "Se fizermos uma conta por baixo do custo de Criciúma: dez carros blindados, munição, arma .50, de 20 a 30 criminosos. Imagina o custo disso? Roubaram quanto? Porque só apreenderam R$ 850 mil. Quase R$ 300 mil jogados na rua. Quanto roubaram?"

Ela diz que "a conta para o crime organizado tem que fechar". "O custo que teve para praticar esse crime, repetido 24 horas depois em outro lugar do Brasil, é necessário muito dinheiro, carro, estadia, arma, material de explosivo. Tudo isso é caríssimo. Estão carregando um caminhão de dinheiro", afirma.

Alcadipani reitera que, para isso, ocorre uma "organização em rede". "É preciso fazer um levantamento do local, ver quais são as unidades policiais que estão ali, é preciso pensar quem vai atuar para impedir que os policiais saiam, é preciso colher as armas. Geralmente, há uma ou duas pessoas que são liderança e elas vão tratando de trazer pessoas que possam agregar no crime", diz.

"Então, vai ter uma pessoa que vai ser boa de explosivo, outras que estarão na contenção com fuzil, vai ter a pessoa que vai fazer o levantamento da área e planejar a rota de fuga. Ou seja, requer planejamento, estrutura, organização. É uma organização em rede", acrescenta o especialista.

Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que há criminosos que saibam fazer explosões de caixas eletrônicos porque teve uma onda recente desse tipo de crime, mas, como os de ontem e hoje, ela afirma que não deve haver tanta gente com essa expertise.

"Outra questão a ser levantada é o tipo de armamento e explosivo. No caso dos explosivos, é de uso restrito do Exército. São eles que controlam, então tem que ter tido desvio ou algum grande roubo, que, de tempos em tempos, acontecem. O armamento pesado utilizado também é de uso restrito", acrescenta.

Na lista da "nova cúpula" do PCC, apresentada pelo Ministério Público paulista em setembro, Levi Adriani Felício, acusado de lavar dinheiro e guardar armas para a facção no Paraguai, tinha certificado de registro como CAC (colecionador, atirador e caçador) junto ao Exército brasileiro até 2017.

Ouça também o podcast Ficha Criminal, com as histórias dos criminosos que marcaram época no Brasil. Esse e outros podcasts do UOL estão disponíveis em uol.com.br/podcasts, no Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e outras plataformas de áudio.