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Doria recicla anúncio de uso de câmeras pela PM, cuja eficácia é refutada

Câmera corporal que deve ser utilizada por parte dos policiais militares de SP -
Câmera corporal que deve ser utilizada por parte dos policiais militares de SP

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

22/12/2020 04h00

O governador João Doria (PSDB) anunciou ontem a compra de 2.500 câmeras que devem ser acopladas aos uniformes de policiais militares de São Paulo. A medida, que já havia sido anunciada em julho, é uma tentativa de inibir casos de violência policial e assegurar ações assertivas de policiais.

Questionados pelo UOL sobre quais batalhões receberão os aparelhos, tanto o governo paulista quanto a SSP (Secretaria da Segurança Pública) não responderam. Desde agosto deste ano, 500 câmeras corporais foram acopladas às fardas de batalhões da Liberdade e de Campos Elíseos, na região central, e do Capão Redondo, na zona sul.

Nenhum dos batalhões acima estavam no relatório desenvolvido pela Ouvidoria da Polícias de São Paulo, e publicado em dezembro do ano passado, sobre quais eram os batalhões mais letais do estado. Depois da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), o 2º Baep (Batalhão de Ações Especiais) foi o mais letal do ano passado.

PM tem 90 mil agentes

A PM paulista é formada por quase 90 mil homens e mulheres. Caso, por exemplo, as 2.500 câmeras fossem acopladas aos uniformes dos 700 policiais da Rota, batalhão que foi 98% mais letal em 2019 do que em 2018, sobrariam 1.800 para todo o restante da tropa. Mas, segundo oficiais entrevistados pela reportagem, a ideia do governo é acoplar câmeras a, no máximo, dois batalhões que figuram entre os mais letais.

O professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Rafael Alcadipani, pesquisador de segurança pública, afirma que "a compra não é uma notícia nova, já havia sido anunciada pelo governador de São Paulo. Por um lado, é bom e bem-vindo: é bom que a polícia tenha esse tipo de tecnologia. Agora, não vai resolver todos os problemas. Quem são os policiais que vão utilizar? Quais unidades vão utilizar?", questiona.

Teria que ser selecionada quais as unidades mais letais da Polícia Militar e esses policiais deveriam receber esse tipo de equipamento. Além disso, estudos internacionais mostram que não é conclusivo que esse tipo de equipamento vá reduzir violência policial e uma série de coisas. É preciso tomar cuidado para esse tipo de iniciativa não ser uma mera marketagem do governo."
Rafael Alcadipani, pesquisador da FGV

O pesquisador Dennis Pacheco, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reafirma que "as câmeras corporais são tratadas como solução tecnológica e mágica para a brutalidade policial. Elas podem, de fato, contribuir para transparência e para produção de provas, contanto que sejam alocadas nos batalhões de maior letalidade, aos policiais de maior letalidade".

Os resultados de pesquisas internacionais não são animadores, e o fato de o assassino de George Floyd estar usando uma no momento em que o matou comprova que essa tecnologia não inibe ações seletivas, racistas e abusivas enquanto vidas negras não importarem e os órgãos de controle externo da atividade policial, como Ministério Público e Ouvidoria, não atuarem com o devido rigor."
Dennis Pacheco, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Promessa para o 1º trimestre

Segundo o governo de São Paulo, as imagens das câmeras serão captadas durante o turno de trabalho dos policiais. Os PMs podem interromper a filmagem para manter a privacidade no banheiro, por exemplo. Sempre que desligada, os oficiais terão conhecimento. Ao final do expediente, as evidências digitais serão armazenadas em nuvem. E o conteúdo poderá ser usado para auditoria, pesquisa, controle e custódia.

A juíza Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, avalia a tecnologia como positiva. "Vejo como modernização de importante controle no policiamento ostensivo no nosso estado", avalia, destacando a geolocalização.

[A tecnologia] poderá ser usada como meio de obtenção de prova e, assim, esclarecer várias situações levantadas nas investigações e ações penais."
Ivana David, juíza do TJ-SP

A previsão do governo é que as novas câmeras entrem em operação no primeiro trimestre de 2021. O contrato de prestação de serviço terá duração prevista de 30 meses e a estimativa é que o Governo do Estado invista cerca de R$ 1,2 milhão ao mês na operação e gestão completa do sistema. No início do próximo ano, será lançado um novo edital para a contratação de mais 7.000 câmeras, segundo o governo.

Pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança em São Paulo, Francine Ribeiro relembra que, em São Paulo, menos de 35% da população é negra. "Mas 62,8% dos mortos pela polícia em SP têm essa cor de pele. O número que é quase o dobro dos mortos brancos em intervenção policial revela uma face do racismo estrutural manifestado pela instituição policial", diz.

De acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2019 apenas 35% dos policiais brasileiros, em média, se identificavam como negros. Mas o número de policiais mortos é maior entre negros: no ano passado, 65% dos policiais assassinados no país eram negros.

"A partir do monitoramento diário feito pela Rede de Observatórios das ações policiais, é possível notar que esses números se estendem ao proceder policial, já que é constatado que a abordagem policial tende a ser mais violenta quando o indivíduo é negro, seja na periferia ou em áreas nobres, seja do gênero feminino ou masculino", diz a pesquisadora.