Sem escolta, entrega de armas vira alvo de assaltos após flexibilização
Sem escolta, empresas encarregadas pelo transporte de armas de fogo e munições entraram na mira do crime. Em dois ataques a transportadoras na Grande São Paulo neste ano, criminosos levaram cerca de 120 armas que abasteceriam lojistas de um setor em alta em meio à política armamentista defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
Alavancados pela política do governo federal, os novos registros de arma dobraram no país em 2020, aponta o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum de Segurança Pública. Pela primeira vez, há mais armas registradas por CACs (Caçadores, Colecionadores e Atiradores) do que com policiais militares para uso próprio —foram mais de 186 mil registros no ano passado, diz o anuário.
Em setembro deste ano, um motorista e um ajudante de uma transportadora de Osasco, na Grande São Paulo, foram rendidos por homens armados quando se preparavam para sair da empresa com 52 pistolas em uma carga avaliada em mais de R$ 370 mil. A Polícia Civil investiga se há envolvimento do PCC (Primeiro Comando da Capital) no roubo, informou Josmar Jozino, colunista do UOL.
Em março, ao menos 67 pistolas foram levadas de dentro do galpão de uma transportadora em Cajamar, também na Grande São Paulo. O UOL foi ao local, onde havia dois seguranças a cerca de 50 m de um portão de entrada que dá acesso aos galpões. Mas os responsáveis pela empresa não quiseram se manifestar.
A reportagem teve acesso às fotos de duas caixas contendo material bélico com descrição legível na sua parte externa e selo da CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos).
Em uma delas, entregue em 25 de novembro deste ano no endereço de um colecionador, está escrito: "Munição 7.62x51 [calibre do cartucho de fuzil]". Em outra caixa, deslocada pela mesma empresa em 30 de novembro, está escrita a descrição da mercadoria, onde se lê: "arma/munição".
'Só percebi que era arma na hora da entrega'
As entregas de material bélico estão sendo feitas sem qualquer tipo de reforço na segurança para evitar a ação de criminosos.
Na transportadora, localizada no km 24 da Rodovia Anhanguera, zona norte de São Paulo, caminhoneiros que aguardavam na parte externa da empresa confirmaram que a prática de transportar armamento e munição é comum.
O motorista Geraldo Dias confirmou já ter transportado material bélico de São Paulo a Jundiaí (SP). Contudo, disse não ter sido informado sobre o conteúdo. "Na verdade, só fiquei sabendo quando fui descarregar a carga em um galpão. Quando vi a caixa, pensei que fosse um amortecedor de carro. Só percebi que era arma na hora da entrega", lembrou.
'Arriscado': o que dizem os colecionadores
Colecionadores e empresários do ramo se queixam da falta de segurança, já que as entregas são feitas sem o monitoramento de escolta armada.
Os funcionários também não possuem treinamento adequado para manusear o armamento. Com esse aumento da demanda ocasionada pela flexibilização das armas, também aumentou a preocupação com extravios. Já passou da hora dessas empresas trabalharem com escolta e treinamento. É muito arriscado seguir do jeito que está"
Wallacy Jacomini Moreira, dono de uma loja de armas em Bom Jesus do Itabapoana (RJ)
"A gente não sabe como é feito o recrutamento desses funcionários das transportadoras. Eles sabem o que está sendo transportado. Quem garante que não podem ser os informantes dos responsáveis por esses roubos?", questionou Jacomini.
Evando Luiz Fernandes, instrutor de tiro em Natividade (RJ), criticou a forma como é feita a entrega de munição na sua residência. "Desceram duas pessoas de um caminhão-baú para fazer a entrega. Seria muito mais seguro se as transportadoras fossem monitoradas por uma escolta armada", argumentou.
'Desvio de armas para a criminalidade tende a aumentar'
Pesquisador e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o advogado Ivan Marques critica a falta de um monitoramento no transporte de material bélico após o aumento de circulação desse tipo de carga.
"Parece que as autoridades brasileiras ainda não reconheceram a gravidade do problema causado com a maior circulação de armas e munições após as liberações feitas pelo governo federal. Nesse cenário, o desvio de armas para a criminalidade tende a aumentar. É natural que isso aconteça", analisa.
O especialista diz que esse tipo de problema se agrava em meio à flexibilização das armas no país.
"O Brasil tinha pouco problema de interceptação de armas, porque a circulação era menor. Agora, começam a surgir casos do tipo. É a consequência dessa liberação desenfreada e descontrolada, que gera um comércio pouco cuidadoso com a segurança. As transportadoras têm a falsa ideia de que estão carregando um objeto comum".
"A política do 'liberou geral' do Bolsonaro não é apoiada nem pelos próprios policiais. Porque são eles que vão ter que lidar com o problema", complementou Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
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