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Chuvas deixam ao menos 53 mortos em MG e SP no começo do ano

Lucas Borges, Nathan Alves e Rodrigo Scapolatempore

Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL, em Belo Horizonte

01/02/2022 11h00

Após causar mortes e destruição na Bahia no fim do ano passado, as chuvas castigaram São Paulo e Minas Gerais ao longo de janeiro. Somente nestes dois estados, pelo menos 53 pessoas morreram em decorrência das cheias e deslizamentos no primeiro mês de 2022.

Até o momento, Minas Gerais registrou o maior número de óbitos. Foram 29, mas o número não inclui as vítimas da queda de uma rocha em Capitólio. O incidente deixou dez mortos, que só serão incluídos no cálculo de mortes do estado após o fim das investigações.

Entre as tragédias marcantes com as chuvas, cinco pessoas da mesma família foram encontradas mortas após serem soterradas por um deslizamento de encosta no Retiro do Chalé, em Brumadinho, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte.

No estado, há 410 cidades em situação de emergência por causa das chuvas. Segundo a Defesa Civil, até esta segunda-feira (31) foram contabilizadas 8.109 pessoas desabrigadas e 57 mil desalojadas em função dos temporais.

Em São Paulo, as chuvas deixaram ao menos 24 mortos até o último balaço da Defesa Civil do estado, mas entre oito e dez pessoas continuam desaparecidas no município de Franco da Rocha (Grande São Paulo) desde o domingo, o que deve elevar o número total de óbitos.

Dez municípios da região metropolitana decretaram situação de emergência. Uma das áreas mais afetadas é o noroeste da Grande São Paulo, que compreende, além de Franco da Rocha, as cidades de Caieiras, Francisco Morato e Várzea Paulista.

Em várias regiões do estado, houve "alagamentos, queda de árvores, quedas de muros e deslizamentos de terra; além de interdições totais ou parciais em rodovias", segundo a Defesa Civil estadual.

Além de Minas e São Paulo, outros estados brasileiros enfrentaram problemas por causa das chuvas neste início de ano. Três deles sofreram com a cheia do rio Tocantins: Maranhão, Pará — com a pior enchente dos últimos 20 anos em Marabá —, e Tocantins, que decretou situação de emergência em todo o estado.

SP gastou 60% do previsto em prevenção

O estado de São Paulo cumpriu apenas 60% do orçamento de combate a enchentes previsto para 2021. Segundo dados da Secretaria da Fazenda e Planejamento, no ano, foram empenhados R$ 958,1 milhões de R$ 1,6 bilhão previsto para a área de "Infraestrutura Hídrica e Combate a Enchentes".

Ao UOL, o governo estadual afirmou que a ater-se à porcentagem é uma "leitura simplista" e que teve de cobrir gastos do governo federal.

Os gastos foram feitos com obras, compra de materiais, serviços, consultorias, entre outros. Na planilha disponibilizada pela secretaria, há a indicação de ter sido gasto menos da metade (45,4%) do orçamento previsto com obras: R$ 452 milhões de R$ 994 milhões.

Ao UOL, o governo estadual afirmou que os dados destacados forneceriam uma "leitura simplista", embora eles tenham sido retirados integralmente da tabela de execução orçamentária da própria Secretaria da Fazenda e Planejamento.

Segundo a gestão de João Doria (PSDB), a conta não leva em consideração gastos que deveriam ter sido cobertos pelo governo federal, que teria descumprido promessas de ajuda. A administração estadual alega ter investido R$ 985 milhões "em obras, ações, programas e serviços de combate a enchentes", o equivalente a 99% do previsto apenas para gastos com obras - embora não tenha explicado por que este valor é diferente do indicado na execução orçamentária.

A gestão cita como exemplo o empenho de R$ 238 milhões para a construção do Piscinão de Jaboticabal, na zona sul da capital paulista, iniciada em dezembro de 2021, e de dois piscinões em Franco da Rocha, na Grande São Paulo, uma das cidades mais atingidas pelas enchentes, que começaram a ser construídos neste mês.

"A dotação orçamentária para as obras era inicialmente de R$ 661 milhões, mas depois foi suplementada pela falta de repasses federais para obras de grande porte", argumentou a gestão de João Doria (PSDB).

O estado argumentou ainda que o pagamento "é feito por etapas, conforme prestação periódica de contas". Dessa forma, os R$ 307 milhões somados dos piscinões de Jaboticabal e Franco da Rocha, "serão pagos pelo estado conforme a execução dos serviços avançar". No entanto, o governo paulista não discriminou quanto deste valor foi utilizado em 2021 e o quanto entra no orçamento de 2022.

Procurado pelo UOL, o Ministério do Desenvolvimento Regional disse que o projeto dos piscinões foi selecionado em 2010 pelo então Ministério das Cidades, e previa repassar R$ 89 milhões ao estado. A pasta afirma que o contrato foi cancelado após o governo paulista perder o prazo de vencimento para conseguir autorização para iniciar as obras.

O ministério também diz que a gestão estadual o procurou em 2019 pedindo alternativas para financiar o projeto — e alega ter mencionado ser possível conseguir recursos por meio de empréstimos do FGTS. "No entanto, até o momento, não foi verificado nenhum cadastramento de proposta pelo governo do estado de SP com esse objeto", disse a pasta em nota.

"Desde 2019, foram repassados R$ 352 milhões para ações no Estado de São Paulo para obras de drenagem. Desse total, R$ 84 milhões foram investidos em 2021. Foram repassados, também, desde 2019, R$ 167 milhões para grandes obras de urbanização no estado, que contemplam ações de drenagem e contenção", diz outro trecho da resposta enviada pelo Ministério do Desenvolvimento.

MG usou 99% do orçamento com chuvas

Na contramão, Minas Gerais gastou quase todo o orçamento de prevenção a desastres de 2021, embora 410 de seus 853 municípios estejam em estado de emergência.

Dados enviados ao UOL pela ALMG (Assembleia Legislativa de Minas Gerais) indicam que o valor aprovado na LOA (Lei Orçamentária Anual), relativo ao exercício de 2021, para o combate a desastres e prevenção de desastres naturais, incluindo as enchentes, foi de R$ 246,5 milhões. A quantia foi enquadrada no quesito "Gestão da prevenção, mitigação e preparação de desastres".

De acordo com o governo estadual, o valor gasto superou a previsão orçamentária para prevenção de desastres e ficou em R$ 272,7 milhões. Deste total, 99,6% (R$ 271,6 milhões) já foram pagos.

No dia 18 de janeiro, a gestão de Romeu Zema (Novo) lançou um plano de recuperação que promete R$ 603 milhões em recursos estaduais para obras de infraestrutura e suporte a pessoas e cidades afetadas pelas chuvas. Ainda segundo a administração, cada pessoa desalojada pelos temporais receberá R$ 1.200.

Falta pensar em longo prazo, diz especialista

Para a cientista política Josiara Diniz, assessora de orçamento público no Senado Federal, os governos em geral carecem de planejamento futuro, em longo prazo, quando tratam de áreas como combate a enchentes.

"Infelizmente, dado os vários contextos políticos, a parte de infraestrutura e combate a enchentes acaba tendo o orçamento muito mais para danos presentes e pouco para a prevenção de desastres futuros", afirma Diniz.

Segundo ela, há, no geral, mais foco em "gastos presentes" do que em obras de longo prazo. "Isso coloca o recurso orçamentário em um ciclo imediatista e parece que os problemas são sempre os mesmos apesar de ter sempre dinheiro sendo direcionado", argumenta.

O impacto é o desperdício de recurso público e a falta total de uma construção de política pública efetiva.
Josiara Diniz, assessora de orçamento público no Senado