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Polícia do RJ matou mais em uma operação do que em todo 2021 na Penha

11.fev.2020 - Operação na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, zona norte carioca - JOSE LUCENA/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDO
11.fev.2020 - Operação na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, zona norte carioca Imagem: JOSE LUCENA/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDO

Lola Ferreira

Do UOL, no Rio

12/02/2022 04h00

As forças de segurança do Rio de Janeiro mataram ontem oito pessoas em uma única operação policial na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha.

O número é maior do que as mortes em ações das polícias durante todo o ano de 2021 na mesma região —nesse período, cinco pessoas morreram em operações na Penha. As informações são do Instituto Fogo Cruzado —plataforma que coleta dados sobre violência armada no Rio a partir de relatos oficiais, de moradores e da imprensa.

Com 13 favelas, o Complexo da Penha é considerado reduto dos chefes do CV (Comando Vermelho) e esconderijo de Adriano Souza Freitas, o Chico Bento —apontado como líder do tráfico na comunidade do Jacarezinho —, que teria fugido após a implantação do projeto Cidade Integrada.

Segundo a PM, ele foi o alvo da operação de ontem na Vila Cruzeiro, mas não foi encontrado.

Maior e principal favela do Complexo da Penha, a Vila Cruzeiro foi palco da maioria das operações policiais no ano passado (12) —as demais ações ocorreram no Morro da Fé (5), Merendiba (5), Sereno (3) e Chatuba (1). Só neste ano, o Complexo da Penha já soma três operações —todas na Vila Cruzeiro.

Dos cinco mortos no ano passado, três foram baleados na Vila Cruzeiro. Os outros dois morreram na Chatuba e em área não identificada do complexo, de acordo com o Fogo Cruzado.

Um deles era o adolescente Thiago Santos Conceição, 16, morto em 18 de junho. Ele foi baleado na cabeça dentro de casa durante uma operação chamada de Coalizão pelo Bem —com o objetivo de encontrar chefes de organizações criminosas de outros estados que fugiram para a Vila Cruzeiro.

11.fev.2022 - Policiais do Bope apreendem armas e drogas em ação que terminou com oito mortos na Vila Cruzeiro - Reprodução/PMERJ - Reprodução/PMERJ
11.fev.2022 - Policiais do Bope apreendem armas e drogas em ação que terminou com oito mortos na Vila Cruzeiro
Imagem: Reprodução/PMERJ

Lideranças do CV se escondem na região

Além de Chico Bento, outras lideranças do CV que estariam escondidas na Penha são: Wilton Carlos Rabello Quintanilha, o Abelha, e Pedro Guedes, o Urso. Abelha foi solto do Presídio Vicente Piragibe em 27 de julho em episódio que culminou na prisão temporária e exoneração do então secretário de Administração Penitenciária, Raphael Montenegro.

Segundo a Polícia Federal, uma investigação demonstrou a existência de "negociações espúrias" entre a cúpula da secretaria e lideranças do CV, que envolviam viabilizar retorno de presos do Paraná para o Rio e permitir a entrada de pessoas e itens proibidos nas cadeias.

A Vila Cruzeiro é apontada pelas polícias como reduto de produtos de roubo de cargas e de joalherias. Após a operação que matou Thiago Conceição, em junho, o delegado Rodrigo Oliveira, subsecretário da Polícia Civil, afirmou que na favela havia criminosos do Pará e do Amazonas.

Marcos Aguiar, porta-voz da PRF (Polícia Rodoviária Federal), afirmou ontem que a comunidade serve de esconderijo de produtos de roubo de carga.

"Ele [Chico Bento] é conhecido por liderar facção e tem como principal objetivo, através do fortalecimento do tráfico, fomentar o roubo de cargas. Roubo de cargas fortalece os criminosos", disse Aguiar.

O balanço da operação de ontem indica a apreensão de sete fuzis, quatro pistolas e 14 granadas, "além de carros, motocicletas e carga recuperada de cigarros".

Chico Bento é suspeito de ser o chefe do tráfico do Jacarezinho em maio, quando a Polícia Civil realizou a operação mais letal da história do RJ —28 pessoas foram mortas. Na ocasião, a justificativa das forças de segurança foi de impedir o aliciamento de menores pelo tráfico de drogas.

STF proibiu operações

Em 2020, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu por confirmar a liminar dada em junho do mesmo ano pelo ministro Edson Fachin, proibindo a realização de operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia de covid-19, sob pena de as corporações e o governo serem responsabilizados civil e criminalmente.

Na liminar, Fachin havia dito que as operações policiais nessas localidades só podem ocorrer em hipóteses "absolutamente excepcionais". Nesses casos, as ações devem ser "devidamente justificadas por escrito" pela autoridade competente com a comunicação imediata ao Ministério Público do Estado do Rio, responsável pelo controle externo da atividade policial.

Na semana passada, o STF determinou que o RJ detalhe as medidas a serem adotadas para reduzir a letalidade policial. Entre elas, está a determinação de que o governo fluminense elabore um plano objetivo para conter a letalidade policial, no prazo de 90 dias, e a instalação de equipamentos com GPS e gravação de áudio e vídeo acoplados às fardas dos policiais, no prazo de 180 dias.

"O sistema precisa realmente de uma correção de rumos que proteja a vida e a saúde de todos, ou seja, dos integrantes das comunidades e dos policiais", disse o presidente do STF, Luiz Fux. "É necessária a intervenção do Judiciário", afirmou.

Onde fica a Vila Cruzeiro

A Vila Cruzeiro é uma favela que pertence ao Complexo da Penha —bairro da zona norte do Rio conhecido pela famosa Igreja da Penha. A construção fica no alto de uma rocha e conta com uma grande escadaria que atrai fiéis de todos os cantos do Rio.

A favela é também onde cresceu e morou o jogador de futebol Adriano, que mantém relações com a comunidade até hoje.

Em 2012, o Complexo da Penha ganhou a 27ª UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), que também foi responsável pelo patrulhamento da Vila Cruzeiro e está em funcionamento até hoje.

O conjunto de favelas fica a menos de 10 minutos da avenida Brasil —uma das principais vias expressas do Rio e a 20 minutos do Galeão, o Aeroporto Internacional Tom Jobim, na Ilha do Governador, também na zona norte.