'Para onde vou, não sei': população da 'cracolândia' migra sem ter destino
Eram 13h de hoje quando um fluxo formado por mais de 50 pessoas perambulava aos gritos pelas calçadas e por parte do asfalto da rua Helvétia, no centro de São Paulo. Sem destino certo, circulavam em busca de novos pontos de consumo de drogas depois que uma força-tarefa desocupou ontem a região conhecida como "cracolândia", frequentada por dependentes químicos, na praça Princesa Isabel.
"Daqui, a gente vai pra outro lugar. Pra onde, eu não sei", gritou um usuário de drogas, ao perceber que estava sendo observado por moradores e comerciantes da Helvétia. Um rapaz de bicicleta virava para trás e gesticulava, indicando o caminho aos dependentes químicos. "Vem! É aqui!".
A chegada em massa de usuários de droga à rua Helvétia gerou medo em moradores e comerciantes, que fecharam as portas ao ver o fluxo intenso vindo do local onde funcionava a "cracolândia". Cerca de 200 pessoas fecharam a via entre a rua Barão de Campinas e a avenida São João.
Um dos dependentes químicos se aproximou de uma viatura da Polícia Civil, que estacionou na esquina para monitorar a situação.
"Não vai ter roubo. Nós respeita [sic] trabalhador, morador e o comércio. Se tiver roubo aqui, nós vai [sic] cobrar, como nós [sic] cobrava lá [na 'cracolândia']. É isso mesmo, seu. Então, já é!", disse um homem com boné, camisa regata, bermuda, tênis e duas correntes prateadas no pescoço, que advertia quando alguém puxava o celular do bolso para registrar a massa de usuários de drogas.
Sentados na calçada, dois jovens fumavam uma pedra de crack no mesmo cachimbo. Do outro lado da rua, um menino de apenas 6 anos comia salgadinhos sentado em uma cadeira em um bar de esquina com a família.
Uma idosa que mora em um prédio em frente ao local de concentração de usuários de drogas ainda tentava assimilar o que estava presenciando. "Eu moro aqui há 30 anos. E nunca tinha visto o que eu tô vendo agora".
"Já chegaram arrancando os fios de energia e fazendo baderna durante a madrugada. São os novos vizinhos da rua", comentou a autônoma Susana Pereira, 50, que almoçava em um restaurante a apenas um quarteirão do novo "endereço" dos usuários de drogas. "Jesus amado! E tá vindo mais gente! Olha ali! Uma menina tá bonita, tá só pele e osso", espantou-se
Cerca de 30 minutos após a chegada do fluxo, uma viatura da Polícia Militar parou na esquina da avenida São João para prevenir incidentes.
Aos gritos, um homem demonstrava euforia ao se aproximar da aglomeração. "A 'cracolândia' é o maior lugar do mundo! A 'cracolândia' tá famosa no mundo inteiro!".
'Só vão se espalhar mais'
O UOL ainda mapeou outros três pontos de concentração de usuários de drogas, em um raio de apenas 2 km. Entre o fim da manhã e o começo da tarde de ontem, mais de 150 pessoas permaneciam na avenida Duque de Caxias, a 50 m da praça Princesa Isabel, antigo endereço da "cracolândia". No dia anterior, a reportagem já havia registrado a presença de uma massa de pessoas nas imediações.
A desocupação do local, preservado por viaturas da GCM (Guarda Civil Metropolitana), não garantiu o fim do fluxo de dependentes químicos da região. "E vai continuar. Eles [usuários de drogas] não vão sair do centro de São Paulo. Só vão se espalhar mais", lamentou o vendedor Alex Possani, 43, que trabalha há dez anos na região.
Perto dali, Veronica Matamoros, 42, passava com a filha de 4 anos entre cerca de 20 dependentes químicos sentados na calçada. "Dá medo. Eu passo segurando firme na minha bolsa, porque não quero ser assaltada. Agora, eles [usuários de drogas] estão por todos os lugares do centro de São Paulo. Mas também é muito triste ver a situação dessas pessoas".
No primeiro fluxo migratório, ocorrido ainda ontem, os dependentes químicos que saíram da "cracolândia" se instalaram na praça Marechal Deodoro.
Hoje à tarde, havia apenas cerca de 30 pessoas instaladas em barracas montadas no local.
Segundo a Polícia Civil, dependentes químicos saíram em direção à favela do Moinho, embaixo do viaduto Orlando Murgel, a 900 m da antiga "cracolândia". No local, a reportagem flagrou usuários consumindo drogas e foi orientada por um assistente social a sair de lá devido ao risco.
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