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Homem grava tiro de PM na Vila Cruzeiro: 'Poderia ser mais um dos mortos'

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

25/05/2022 13h37Atualizada em 27/05/2022 22h07

Pelo celular, um homem gravou o momento em que é possível ouvir um disparo atribuído aos policiais militares do Bope (Batalhão de Operações Especiais) na ação que matou ao menos 25 pessoas nesta terça-feira (24) na Vila Cruzeiro, zona norte do Rio de Janeiro.

Segundo ele, o episódio ocorreu por volta das 11h30, quando um grupo com cerca de 30 moradores se envolveu em uma discussão com os agentes. Os vizinhos tentavam preservar o local onde estava o corpo de um jovem negro.

A deputada Renata Souza (PSOL), que teve acesso às imagens, cobrou providências das autoridades. "A chacina é uma amostra perversa do que o governo do estado tem implantado dentro das favelas. As imagens são contundentes e ilustram a política pública de Segurança. É fundamental que o Ministério Público investigue."

Mapa Rio de Janeiro - Folhapress - Folhapress
Imagem: Folhapress

Levantamento do UOL com base em estudo feito em conjunto pelo Instituto Fogo Cruzado e pelo Geni (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos) da UFF (Universidade Federal Fluminense) indicou 182 mortes em 40 chacinas em apenas um ano da gestão do governador Cláudio Castro (PL). As pesquisas na área de segurança pública consideram como chacina todas as ações com ao menos três assassinatos.

Procurada, a Polícia Militar não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem. O espaço está aberto para manifestações.

Vídeo registra ameaças

No vídeo, é possível ver o momento em que um policial se aproxima do local onde estão ao menos três mulheres aos gritos. "Falou o quê? Eu sou o quê? Repete aí!".

"Tá tranquilo, irmão! Tá tranquilo!", diz o homem responsável pela gravação, que logo é intimidado pelo agente. "Fica quieto aí".

Outros dois policiais armados com fuzis aparecem nas imagens e retiram o colega do local. "É o mesmo cara que eu discuti", diz uma mulher. Em seguida, é possível ouvir um disparo, seguido de correria.

Obrigado a comer cocaína antes de ser morto, relataram moradores

24.mai.2022 - Homem grava som de disparo após discussão entre moradores e policiais militares em ação que matou ao menos 25 pessoas na Vila Cruzeiro, zona norte do Rio de Janeiro - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
24.mai.2022 - Homem grava som de disparo após discussão entre moradores e policiais militares em ação que matou ao menos 25 pessoas na Vila Cruzeiro, zona norte do Rio de Janeiro
Imagem: Arquivo pessoal

Em entrevista ao UOL, o homem responsável pelo vídeo se identificou como ativista social e assessor parlamentar. Contudo, a reportagem optou por preservar a sua identidade para minimizar riscos de represálias em decorrência da denúncia.

Ele afirmou estar no local para acompanhar integrantes da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Eles teriam se dirigido a uma parte alta da Vila Cruzeiro.

Lá, o grupo encontrou o corpo de um jovem negro com marcas de perfuração pelo corpo e o rosto sujo de pó branco retirado de uma área de mata. Segundo relatos de moradores, os agentes teriam o obrigado a ingerir substância semelhante à cocaína antes de matá-lo a facadas.

"Os moradores contaram que os policiais o obrigaram a comer cocaína como forma de castigo antes de matá-lo. De fato, o rosto estava com um pó branco. Havia sinais de vômito perto do corpo. A cena era muito bizarra", relatou.

'Seria mais uma morte na conta da polícia'

O homem responsável pela gravação disse que decidiu começar a registrar a cena quando foi informado por moradores que agentes do Bope estavam a caminho. "A gente estava sozinho no meio de um tiroteio em um local onde não havia ninguém", afirma.

Em seguida, relatou, houve discussão entre um dos policiais e uma moradora, registrado no próprio vídeo.

"Do nada, um dos policiais atirou na minha direção. O tiro passou perto e eu saí correndo. Senti medo, mas o maior sentimento foi de raiva pelo descaso com a vida daquelas pessoas. Eu poderia ser mais um dos mortos. Seria mais uma morte na conta da polícia."

Após o episódio, disse ter auxiliado os moradores a descer com o corpo até o Hospital Getúlio Vargas, na Penha.