'Minha filha foi morta em excursão escolar e passei a investigar sozinho'

Oito anos depois, o caso da morte da estudante Victória Mafra Natalini continua longe de uma solução. Ela tinha 16 anos quando foi encontrada morta na Fazenda Pereiras, em Itatiba, interior de São Paulo, durante excursão com a Escola Waldorf Rudolf Steiner, que fica na capital paulista.

Apesar de três dirigentes e dois professores terem se tornado réus na Justiça em setembro deste ano, a misteriosa morte ainda não foi esclarecida.

Em entrevista ao UOL, o pai de Natália, o engenheiro João Carlos Siqueira Natalini, 58, falou sobre o sofrimento da família e apontou os possíveis erros cometidos pelas autoridades ao longo de quase uma década de investigações —o que o levou a capitanear uma investigação "paralela", que provou que a morte da jovem não tinha ocorrido por causa desconhecida, como atestou a polícia na época.

Graças ao empenho de peritos independentes, comprovou-se que Victória morreu por "asfixia mecânica, na modalidade de sufocação direta". Ou seja, ela foi assassinada.

Confira o depoimento do pai de Natália a seguir:

'Sucessão de erros'

"O caso da minha filha é uma situação ímpar, porque a escola não ofereceu nenhum apoio e nunca buscou pressionar as autoridades para descobrirem o culpado, isentando-se da responsabilidade objetiva que tem por lei.

A polícia, inicialmente, deixou de investigar e perdeu tempo precioso, que, por opinião de diversos peritos, se fosse tecnicamente bem aproveitado, já teria levado ao autor.

Houve uma sucessão de erros: o cenário do crime não foi preservado, o delegado de Itatiba se recusou em investigar o caso e o laudo fantasioso do IML (Instituto Médico Legal) de Jundiaí, que derrubamos com a contratação de uma perícia independente e o parecer de uma junta de legistas do IML de SP, corroborando nossa perícia.

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Depois, o principal órgão de investigação do país, o DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa) de São Paulo, recebeu todo o material e o parecer detalhado, mas perdeu o foco, cometeu diversas falhas e deixou de realizar diversas diligências, pendentes até hoje. Só continuou o trabalho, porque acompanhamos o caso presencialmente durante anos, gerando laudos, juntando provas, criando uma investigação paralela para pressionar as equipes oficiais de investigação.

Tudo que permeou esse caso durante seus quase 3 mil dias é dor, sofrimento, humilhação, frustração e obstinação por amor e em respeito à memória da Victória.

Depois que minha filha teve sua vida ceifada de forma brutal e até agora não se responsabilizou o culpado, a sensação que fica é a de que não há segurança social.

A estudante ao lado do pai, João Carlos, em dois momentos: quando criança, e pouco tempo antes de morrer
A estudante ao lado do pai, João Carlos, em dois momentos: quando criança, e pouco tempo antes de morrer Imagem: Arquivo Pessoal

Se não fosse pela denúncia rigorosa feita pelo Ministério Público e o pronto e corretíssimo acolhimento pelo juiz, que em setembro tornou réus três dirigentes e dois professores da escola, eu estaria cético até com a Justiça.

Não existe superação da perda, apenas uma acomodação. Sinto falta da minha filha todos os dias, sem exceção.

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Peço que todo cidadão se coloque no lugar de um pai que entrega sua filha nas mãos de uma instituição, que se dizia séria e responsável, confia sua guarda inestimável a eles e, após passar momentos de profundo terror, a recebe sem vida, sem qualquer tipo de explicação ou respaldo sobre o ocorrido.

Estamos falando de uma escola que colocou 34 alunos menores em uma fazenda, que as investigações apontaram como sendo um local sem a devida segurança. Sem qualquer planejamento e sem profissionais de monitoramento em número suficiente para a quantidade de alunos. Sequer perceberam a falta de uma aluna durante horas.

Tudo está registrado no inquérito policial, a Justiça foi rigorosa em sua avaliação da negligência e condenou a escola em primeira e segunda instâncias. A acusação formal de 'abandono de incapaz com resultado morte', com agravante por ser em local ermo, é uma conquista importante para fazer desse caso um exemplo, mas apenas o primeiro passo.

A escola nunca afastou os professores e nem os funcionários com responsabilidade direta sobre o ocorrido, que hoje são réus e que também estavam sendo investigados em um inquérito de homicídio. Até onde fomos informados, continuaram a ter contato diário com os alunos da escola.

Victória participava de um trabalho de escola na Fazenda Pereiras, em Itatiba (SP), quando foi encontrada morta
Victória participava de um trabalho de escola na Fazenda Pereiras, em Itatiba (SP), quando foi encontrada morta Imagem: Reprodução/Instagram

Há um procedimento administrativo na Secretaria de Educação de São Paulo, que recebeu em 2016 um relatório completo denunciando as falhas grosseiras da Escola Rudolf Steiner, mas não houve qualquer providência prática, como se fosse uma situação banal.

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O custo de se buscar justiça é um trauma e um sofrimento indescritível que poderia ter sido abreviado se os responsáveis tivessem sido denunciados anos atrás.

Ainda há que se aprofundar as investigações e chegar ao assassino, que pode, muito provavelmente, ter continuado a fazer vítimas durante todo esse tempo.

Agora estamos oferecendo uma recompensa de R$ 50 mil por informações que levem ao autor do crime.

Como a polícia não vem aprofundando as investigações, estamos insistindo com nossa investigação paralela, agora com apoio de outras pessoas, incluindo um conselheiro perito criminal dos EUA e suporte de pessoas de boa vontade que formam uma rede que já desvendou casos semelhantes. Não vamos parar. O assassino irá à Justiça.

Outro lado

Em nota, a Escola Waldorf Rudolf Steiner afirma que está comprometida em contribuir com as autoridades e a justiça desde o primeiro dia das investigações. "A escola lamenta profundamente o falecimento da aluna Victoria Natalini e se mantém solidária aos seus familiares e colegas".

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Também reforça que "todos os procedimentos de segurança necessários foram adotados durante a viagem de estudo" e que, após a constatação da ausência de Victoria, "as autoridades competentes foram contatadas". Esclarece, ainda, que em todas as atividades pedagógicas desenvolvidas —sejam na escola ou em ambiente externo— disponibiliza "equipes de profissionais capacitados para acompanhamento de seus alunos".

Procurada, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) informou, em nota, que o caso foi investigado pelo DHPP, tendo sido relatado à Justiça no dia 12 de setembro, "após a realização de todas as diligências cabíveis". Durante o inquérito policial, "a natureza criminal apurada pode ser modificada, à medida do avanço das investigações", mas todas as medidas de polícia judiciária para esclarecer o caso foram tomadas. "Até o momento, o inquérito não retornou para unidade policial".

Já a Seduc-SP (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo) esclareceu em nota que, na época da morte da estudante, a Diretoria de Ensino Sul 1 "designou um supervisor para averiguar o funcionamento da unidade, segundo as atribuições que competem à pasta, e não foi constatada nenhuma irregularidade".

Entenda o caso

Em setembro de 2015, Victória fazia medições topográficas de um terreno da fazenda para um trabalho de matemática. Ela sentiu vontade de ir ao banheiro, que ficava a 500 metros do local onde estava, mas nunca mais retornou. Os monitores responsáveis pelos alunos só se deram conta do desaparecimento duas horas depois.

Segundo consta do processo criminal, a quantidade de profissionais destacados para o monitoramento era insuficiente para o número de alunos e, por essa razão, a Justiça tornou réus os funcionários da escola.

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O corpo foi encontrado caído em um matagal, virado de bruços. O IML (Instituto Médico Legal) de Jundiaí apontou a causa da morte como "indeterminada". Laudos demonstraram que ela não havia ingerido substância tóxica e não havia traços de violência sexual.

Inconformada com a conclusão, a família contratou uma perícia independente, que comprovou que a jovem havia sido assassinada em outro local e levada para a área onde foi encontrada.

O resultado da perícia, confirmado por peritos do IML de São Paulo, forçou a transferência do caso para o DHPP, em março de 2016.

O MP-SP acusou três dirigentes e dois professores, tornados réus no processo criminal em tramitação na Justiça contra a escola, por suposta negligência. Na ação, eles são acusados por "abandono de incapaz".

A instituição também foi acionada na esfera cível, em um processo de reparação à família, em que acabou condenada em duas instâncias ao pagamento de indenização.

Apesar de o juiz Ezaú Messias dos Santos, do Foro de Itatiba, considerar a acusação do MP plausível para tornar réus os funcionários da escola, ele decidiu pelo arquivamento do inquérito policial com relação ao crime de homicídio sem a identificação do autor da morte. O procedimento poderá ser reaberto se surgirem novas informações.

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