Conselhos tutelares: conservadores são maioria em posse após polêmica em SP

Os novos membros dos 52 conselhos tutelares da cidade de São Paulo tomam posse hoje. Realizada em outubro, a eleição para os cargos foi objeto de denúncias que não foram para frente.

O que aconteceu

260 membros tomam posse, após eleição para Conselho Tutelar com participação recorde em outubro. A cerimônia acontece pela manhã no Teatro da Universidade Paulista, em Indianópolis, na zona sul paulistana.

Uma análise identificou perfil conservador em 55% dos novos membros dos conselhos. O estudo do Instituto de Cooperação Pública e Social (Icoops) mostrou que há ligações de 143 eleitos com a Igreja Universal e o partido Republicanos, entre outras organizações associadas ao conservadorismo.

Mais da metade dos 260 membros que tomam posse hoje não integravam conselhos. O mandato dos novos integrantes terá duração de quatro anos.

Denúncias e polêmicas nas eleições

Pessoas que tiveram candidaturas indeferidas pela prefeitura receberam votos na eleição. Uma denúncia enviada ao Ministério Público de São Paulo elenca casos assim no Capão Redondo, Santo Amaro e Vila Mariana. No Sacomã, um homem com candidatura deferida afirma que seu nome não apareceu em algumas das urnas usadas no pleito.

A eleição foi alvo de 450 denúncias em São Paulo. Votos trocados por cestas básicas e boca de urna nos locais de votação foram algumas das queixas registradas junto à prefeitura. Mais de 50 nomes foram impugnados por conta de irregularidades — 18 deles, de pessoas que haviam sido eleitas.

No Tremembé, todos os eleitos tiveram as candidaturas impugnadas. A situação se deu após denúncias de distribuição de panfletos com os números desses candidatos em um templo da Universal no bairro, às vésperas da votação — o que era ilegal. À época, a igreja negou irregularidades (veja nota mais abaixo).

Para organizadores, eleição foi "transparente". O presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Esequias Marcelino, disse que os problemas ocorridos "estavam dentro do esperado" e que a Prefeitura de São Paulo não contava com os meios para investigar todas as denúncias.

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Procurado, o Ministério Público não se manifestou sobre o caso.

O que é um conselho tutelar?

Há mais de 30 mil conselheiros tutelares em atuação no país. O Brasil tem cerca de 6,1 mil conselhos tutelares, com pelo menos um instalado em todos os 5.570 municípios e também no Distrito Federal.

É um órgão de atuação municipal, composto por cinco pessoas, que fiscaliza a garantia de direitos previstos em lei para crianças e adolescentes. A criação deles foi prevista em 1990, pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

São órgãos que servem para garantir, às crianças e adolescentes, direitos à segurança e acesso à saúde, à educação e ao ambiente saudável, entre outros. As decisões do órgão são sempre tomadas em conjunto, porque um conselheiro não tem o poder de agir sozinho.

A lei não dá poder de polícia aos conselhos, mas eles podem intervir nas famílias por meio da Justiça ou do Ministério Público. Segundo o ECA, os órgãos podem notificar as autoridades sobre casos de negligência, abuso ou violência cometidos pelos pais ou responsáveis.

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Os conselhos podem pedir até a perda do poder dos pais sobre as crianças ou o afastamento de um agressor da casa, mas a autorização dessas medidas cabe à Justiça. Nesses casos, os conselhos devem encaminhar as crianças para serviços especializados de saúde, por exemplo.

Como trabalham os conselheiros tutelares

Os membros dos conselhos recebem salário de R$ 3.400 em São Paulo. Com jornada entre 8h e 17h de segunda a sexta, eles têm direito a R$ 472 de vale-alimentação, R$ 525 de vale-refeição, além de férias remuneradas, décimo terceiro e contribuição previdenciária.

Conselhos tutelares sofrem com falta de estrutura. De acordo com Paulo Cesar de Oliveira, sociólogo e presidente do Icoops, o acesso à internet e a bons computadores ainda não é realidade em várias regiões. Ele também diz que não há oferta de cursos e outras iniciativas para qualificação dos membros.

"As decisões dos conselhos deixaram de ser colegiadas", reclama especialista. Segundo Oliveira, são cada vez mais comuns iniciativas tomadas por apenas um dos membros dos conselhos — o que as torna passíveis de invalidez e outros questionamentos.

Adesão a sistema nacional seria importante para aprimorar o trabalho dos conselhos tutelares. O Sipia (Sistema de Informação para a Infância e Adolescência) padroniza e consolida dados sobre violações dos direitos da criança, o que facilita a avaliação e implementação de políticas públicas.

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O que dizem os envolvidos

Houve o fortalecimento dos setores mais conservadores e ligados às igrejas neopentecostais nas eleições. Foi um processo difícil para se obter informações, inclusive sobre o currículo dos candidatos e sobre onde votar. Isso favoreceu os candidatos que já tinham estruturas e comunicação organizada com seus eleitores
Ariel de Castro Alves, ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e ex-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

Todas as denúncias que geraram impugnações envolviam flagrantes no próprio dia da eleição ou traziam provas das irregularidades cometidas. Aquelas que não prosperaram não incluíam isso e foram descartadas.
Esequias Marcelino, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

A Igreja Universal faz o papel de orientar que o cristão exerça a cidadania, que é um dever e direito de todos.
Igreja Universal, em nota ao UOL

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