'Acordei com muitos gritos': ela sobreviveu à queda de candelabro humano
Stefany Neves vivia um sonho em 2014: trabalhava para uma das maiores companhias de circo do mundo e, mesmo tão nova, com 19 anos, era peça-chave de uma performance cobiçada.
Tudo mudou em maio daquele ano quando, com apenas três segundos de espetáculo, ela caiu de uma altura de 12 metros e sofreu um acidente que mudou sua vida para sempre.
Dez anos depois, a jovem carioca, que mora no Texas (EUA), segue em frente. Ela está casada com o namorado da época, trabalha com investimentos e escreve um livro sobre tudo que passou. Ao UOL, ela conta sua história.
Sonho de infância
"O circo foi uma grande surpresa na minha vida. Desde pequena sou bailarina, e fui muito determinada. Eu tinha combinado com meus pais que ia tentar passar em audições para fora do Brasil e, quando tinha 17 anos, me inscrevi na da Ringling Bros.
Me formei no ballet aos 16 anos, tinha meu DRT, mas ainda era menor de idade e estudava. Eu fiz a audição para treinar, nem imaginava que poderia passar. Menti minha idade, porque precisava ter 18 anos, e fui com alguns amigos da academia que eu dançava.
A audição acontecia em dois dias, tinha por volta de 200 meninas e acontecia por fases. Quando descobri que fui selecionada, fiquei desesperada. As coisas eram tão rápidas que eu já precisava assinar o contrato no dia seguinte se quisesse ir. Foi muito emocionante para mim.
É aquela vida que todo mundo queria viver, morar no trem, conhecer muitas cidades dos EUA porque cada semana estávamos em uma. Era uma coisa muito mágica.
Para a minha mãe, foi muito difícil. Meus pais me apoiaram muito e investiram — os custos eram altos. Mas ainda assim eu tinha 17 anos e nenhuma mãe está preparada para ver a filha morar sozinha em outro país. Ela falou que não poderia me dizer não por que eu nunca a perdoaria, e a vida muda a todo instante. Eu poderia tentar no ano seguinte e não passar.
Assinei o contrato em agosto de 2012 e embarquei em janeiro de 2013. Deu tempo de me formar no ensino médio e de os meus pais me emanciparem. Já nos EUA, fiquei oito meses como bailarina.
Três segundos mudaram tudo
Depois desse tempo, me fizeram uma proposta para fazer parte deste número, que é o candelabro humano, em que as meninas ficam penduradas pelo cabelo. Era para ser algo muito grande. Já era um número conhecido, mas sempre feito com menos pessoas — nunca oito.
Eu sempre fui do lema de aceitar as oportunidades que aparecem. Prefiro me arrepender de algo que fiz do que algo que não fiz. Aceitei e comecei a treinar como acrobata — o fato de eu ser bailarina e ter flexibilidade ajudava.
Estava maravilhada, o meu salário dobrou e estava vivendo um sonho. A gente estreou o número em dezembro, e o acidente foi em maio.
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Quero receberNo candelabro humano, eram seis meninas nas laterais, uma no meio e eu enganchada nela pelo cabelo. Eu era a menor, a mais magrinha, e por ser mais leve eu ficava nessa posição, que me deixava mais para baixo que as outras meninas.
No momento do acidente, o número tinha acabado de começar. Nós entrávamos com truques, o aparelho subia e, quando começava, a cortina caía. A cena de oito meninas penduradas dava um choque na plateia.
Foram três segundos entre cair a cortina e cair a estrutura por conta de um mosquetão mal colocado.
Socorro foi imediato
Na minha cabeça, foi muito rápido. Lembro de um flash, de pensar que algo não estava normal e cair. No momento da queda, eu apaguei. Acordei no chão com muitos gritos: do público, das crianças, de amigos, das meninas que também estavam no chão. Mas os paramédicos chegaram muito rápido.
Eu não conseguia gritar porque mal conseguia respirar. Tentei me levantar, mas nada no meu corpo respondia. Minha consciência ia e voltava.
A dificuldade para respirar foi ficando pior. Lembro de o socorrista falar comigo e me pedir para ficar acordada, mas eu não conseguia responder: não saía em inglês, não saía em português, não saía em nenhuma língua. Eu fui a primeira a ser retirada do chão e ser colocada na maca, e foi quando eu comecei a sentir dor.
O hospital ficava bem perto de onde a gente fazia o show, e isso foi crucial para que eu sobrevivesse. Quando cheguei ao hospital, eu entrei em parada cardíaca. Fui direto para a sala de cirurgia e tenho uma cicatriz enorme na barriga.
Na queda, eu quebrei duas costelas, que perfuraram o meu fígado e causaram uma hemorragia interna. Tive uma lesão na coluna, quebrei os dois pés, quebrei o fêmur direito, desloquei a tíbia.
Infecção grave
Cerca de um mês depois, já iniciada a fisioterapia, eu comecei a me sentir muito mal e a ter febre. Descobriram uma infecção de uma bactéria muito resistente, sem uma causa exata.
Primeiro, eu fui tratada com antibióticos na veia, mas cada dia tentavam alguma coisa. Eu não conseguia comer, porque tudo me fazia vomitar, e cheguei a pesar 26 quilos. Os remédios não faziam efeito, e meus rins começaram a falhar.
Toda hora eu achava que estava indo embora, porque essa é a sensação: parece que você vai morrer a qualquer momento.
Todos os dias eram difíceis. Um dia, os médicos entraram na sala e eu tive que traduzir o que ele dizia para a minha família. Ele mostrou a infecção nas imagens de um exame, falou que estávamos em um momento muito difícil e que precisavam tomar uma decisão ali: ou continuavam com os antibióticos, que já não faziam mais efeito, ou eu entrava em uma cirurgia que poderia ser de risco.
Chorei para os meus pais, para o meu noivo. Tive que falar para eles: os médicos acham que eu não vou sobreviver. Minha mãe disse que eu iria fazer a cirurgia e iria voltar. Eu, Stefany, tinha certeza de que ia morrer — mas não podia falar para ela.
Meu corpo estava cansado. Muita gente fala: 'você é muito forte'. Mas, não é um processo em que você é forte o tempo todo, há muitos altos e baixos.
Quando você está falando de chegar neste estado, você tem que lutar com a sua mente e o seu corpo. E o meu corpo não estava lutando: eu não fazia xixi como qualquer pessoa, eu não fazia cocô como qualquer pessoa, eu não conseguia comer — eu era dependente para tudo.
Já estava cansada e entregando os pontos. Eu entrei na cirurgia e me despedi de coração, dizendo: 'agora é o momento e eu não volto'. Para a minha surpresa, eu sobrevivi. Só conseguia agradecer. Graças à cirurgia, meu corpo começou a reagir.
'Se tenho dor, estou viva'
Fui transferida para um hospital de reabilitação e aprendi a minha nova realidade. Naquele momento era a cadeira de rodas, e eu aprendi a ser independente usando ela. Foram etapas.
Hoje eu tenho sequelas, tomo remédios e faço fisioterapia. Tive trombose no hospital e há dois anos descobri que tenho doença arterial periférica. Uma das minhas pernas ficou bem comprometida. Também tive uma paralisação da escápula devido ao acidente.
Eu faço exercícios físicos e, em oito anos, consegui recuperar parte do meu peso.
Há três anos comecei a fazer terapia e minha vida mudou. É essencial, me fez abrir os olhos para muita coisa dessa história com carinho e aceitação. Não é um processo rápido, e me veio a vontade de escrever um livro.
Eu precisava escrever, eu precisava falar, porque é um processo de cura. Quando eu escrevo, me lembro da minha história, e não quero esquecer dela. Eu sou orgulhosa de quem eu sou hoje, e acho que não mudaria nada. O acidente tinha que acontecer, eu tinha que passar por isso.
Eu me perguntava: por que eu, por que agora, por que não depois? Por que Deus não me deixou viver mais um pouco do meu sonho para depois acontecer o acidente?
Tem gente que chega aos 35 anos e ainda não realizou um sonho. Eu realizei com 17 anos: cheguei onde eu queria e ainda fui mais alto. Comecei a agradecer por isso e ficou mais fácil. Não posso reclamar.
Dá saudade? Não posso negar. Mas eu dou a mão para ela e caminho para frente. O que eu levo para minha vida hoje é que, sim, eu tenho dores e sequelas. E isso significa que estou viva.
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