Justiça e derrotas tiram Serra e Alckmin da eleição pela 1ª vez desde 1996
Depois de 24 anos, o PSDB terá a primeira eleição municipal na capital paulista sem a influência direta de duas principais lideranças ainda em atividade no estado: o senador José Serra e o ex-governador Geraldo Alckmin. Alguns dos motivos são perda de influência política, avanço de investigações contra ambos e resultados adversos nas urnas.
Hoje, o partido irá confirmar a candidatura à reeleição do atual prefeito paulistano, Bruno Covas. Esta será uma campanha que não contará com Alckmin nem Serra, que dividiram o protagonismo nas últimas seis candidaturas do PSDB na maior cidade do país.
Em 1996, 2004 e 2012, Serra foi candidato a prefeito. Ele venceu apenas na segunda tentativa. Já Alckmin disputou a Prefeitura de São Paulo em 2000 e 2008. Não chegou ao segundo turno nenhuma vez.
Em 2016, o ex-governador não foi candidato, mas foi o principal articulador e incentivador da campanha de uma figura que surgia na política: o empresário João Doria, que abandonou a prefeitura em 2018 para se tornar governador paulista. A relação entre os dois ficou estremecida nesse trajeto, culminando com o "voto de solidariedade" de Doria em Alckmin, que disputou a Presidência da República em 2018.
Naufrágio nacional
Candidato com o maior tempo de televisão, o ex-governador foi engolido pela onda da campanha de Jair Bolsonaro (sem partido) e não chegou a 5% dos votos válidos. No estado de São Paulo, que governou por quatro mandatos entre 2001 e 2018, ficou em quarto lugar, com pouco menos de 10% do eleitorado, resultado que fez com que perdesse capital político.
"Teve um resultado amargo em 2018, inclusive em São Paulo", diz o cientista político Henrique Curi, autor de "Ninho dos Tucanos", que estuda a história recente do PSDB em eleições. "Após a eleição de 2018, ele se afastou do partido. Mas, ainda assim, dentro do PSDB, sua figura é vista como histórica."
Avanço da Justiça
A perda de capital político vem agora acompanhada por investigações e processos, tanto contra Alckmin quanto contra Serra. Em julho passado, o senador foi denunciado pela Operação Lava Jato, apesar de ser investigado desde 2017 com base em delações da Odebrecht. Nesses últimos três anos, Serra ficou menos em evidência no cotidiano político por enfrentar problemas de saúde.
Acusações vindas da empreiteira Odebrecht também atingiram Alckmin, que foi denunciado pela Lava Jato eleitoral dias depois de Serra, em julho. "Penso que, especialmente no caso do Alckmin e do Serra, quando a Lava Jato chegou, ela já estava chutando cachorro morto", diz o cientista político Lucas Câmara. Para ele, "foi na estratégia política que Alckmin e Serra perderam o pé do partido".
Sem coordenação
Alckmin até iria participar da campanha de Covas, coordenando o programa de governo. Ele, porém, preferiu se afastar para trabalhar em sua defesa após a denúncia.
"Na verdade, ele não estava próximo da campanha", diz o ex-deputado federal e um dos fundadores do PSDB Ricardo Tripoli, que atua na campanha de Covas. "Normalmente, programa de governo é algo que você vai coletando, vai juntando, vendo a proposta do candidato. E depois você apresenta. No caso específico do Geraldo, nós achamos que seria até uma homenagem para ele. Ele que resolveu [sair], não foi o Bruno [que pediu]."
Para Tripoli, as questões jurídicas envolvendo Serra e Alckmin não devem respingar na campanha de Covas. "O candidato a prefeito é o Bruno. Não é o Geraldo nem o Serra."
Reflexos do passado
O erro de Alckmin, na visão de Câmara, chama-se Doria. "Acho que foi um erro político de ter lançado alguém que não tinha nenhum compromisso com pautas históricas do partido, alguém que é um eucalipto, não cresce nada em torno dele", diz o cientista político. "Acho que a Justiça foi mais uma pá de cal do que o motor desse processo."
Já para o cientista político e professor do Insper Carlos Melo, Serra ainda vive com glórias de tempos políticos passados. "José Serra mantém o status de senador de uma eleição anterior. Ele se elege senador em 2014. Se a eleição fosse hoje, seria muito pouco provável que ele se elegesse. Olha a mudança pela qual passou o Senado."
Em 2018, nos lugares no Senado da ex-prefeita paulistana Marta Suplicy (Solidariedade) e do ex-ministro Aloysio Nunes (PSDB) entraram os ex-deputados federais Major Olímpio (PSL) e Mara Gabrilli (PSDB), políticos com uma trajetória política mais curta.
Procurados, Alckmin e Serra não quiseram se manifestar à reportagem.
Importa mesmo?
Mas, no fim das contas, os especialistas consultados pelo UOL afirmam que a ausência de um protagonismo maior de Serra e Alckmin não deve fazer diferença na campanha de Covas.
"Qual a importância da Hillary [Clinton] na campanha do [Joe] Biden [candidato democrata na eleição presidencial dos Estados Unidos]? É importante, mas não é determinante", compara a socióloga e professora da Unesp Heloisa Pait. Participações de Serra e Alckmin estão previstas para a convenção tucana, que acontece hoje.
Para Tripoli, por esta ser uma eleição municipal, lideranças históricas não são determinantes para a campanha. "Se esta campanha fosse federalizada, então você diria que o nível de importância de algumas lideranças seria fundamental, porque a campanha é nacional. Mas campanha local é o candidato e ponto."
Ninguém vai votar no Lula, no Geraldo Alckmin, no Ciro Gomes, no [Jair] Bolsonaro. O sujeito vai votar no prefeito que durante quatro anos vai fazer a gestão da cidade dele.
Ricardo Tripoli, ex-deputado federal e um dos fundadores do PSDB
Curi acredita que o fato de o PSDB estar no comando do estado desde 1995 e ter ampliado sua capilaridade pelas cidades paulistas desde então é um fato mais importante do que o protagonismo de lideranças históricas em uma campanha. "A máquina do PSDB permite que você reorganize suas lideranças sem ter um desgaste muito grande, sem precisar ter a figura de Alckmin ou Serra nas eleições."
Já Melo diz que Covas pode ser eleito por outros motivos que não o fato de ele ser do PSDB, "mas por conta das circunstâncias, do cenário".
"Ele não se coloca nem no campo do PT nem no do bolsonarismo. É possível que essa eleição seja a eleição dos 'antis'. Se ele está no campo que ele demonstra ser o anti-PT e o anti-Bolsonaro, ele está somando. Você vai ter a polaridade dos contrários, não dos favoráveis", diz. "Ele pode se valer dessas questões todas, mas não por ser tucano."
Câmara concorda com o cenário de polaridades mostrado pelo professor do Insper. "Ganhar no primeiro turno talvez seja mais fácil para ele [Covas] do que no segundo turno."
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