Fala racista, Lula machista: o que Bolsonaro disse em podcast evangélico
Em um podcast transmitido simultaneamente por sete canais no YouTube ligados ao público evangélico, o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, fez ontem declarações focando no público jovem —ao qual fez apelos durante as quatro horas do programa para que eles compareçam às urnas em 2 de outubro.
Bolsonaro aproveitou a exposição na conversa para dizer que se arrependeu de ter falado que era coveiro na pandemia do novo coronavírus. Ele, porém, ainda sustentou falas falsas em relação ao combate à covid-19.
Ao fazer um aceno para o eleitorado feminino, o presidente também disse que "errou" ao dar declarações machistas, mas relembrou episódios similares de seu principal adversário na disputa, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Bolsonaro falou ainda que, se vencer as eleições, não será "candidato a mais nada" depois.
Iniciada por volta das 20h de segunda-feira (12), o podcast foi encerrado pouco após a meia-noite de hoje, dia 13, número do PT. Para Bolsonaro, porém, é o dia "12 + 1", brincou ele com os apresentadores do podcast —um deles, inclusive, foi alvo de uma fala racista, mas não se importou com a declaração do presidente. A soma da audiência nos canais chegou a cerca de 505 mil acessos simultâneos por volta das 21h30.
Em um tom de conversa recheada de piadas, Bolsonaro também falou que diz "bobagens diferentes", em uma comparação, feita pelos apresentadores, a falas da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) quando estava a frente do Palácio do Planalto. "Eu tenho saudade de contar piada", disse. Para ele, houve uma "potencialização em cima" de falas dele a respeito das mulheres. "Já falei que errei, não falaria de novo... Tem uma virtude de ser sincero. Um dia falei: 'falo palavrão, mas não sou ladrão'."
Bolsonaro abriu mão de ir à posse da ministra Rosa Weber à Presidência do STF (Supremo Tribunal Federal) para dar a entrevista aos youtubers. Ao não ir à solenidade, Bolsonaro se tornou o primeiro chefe do Executivo a faltar a um evento como essa em quase em 30 anos.
"Aloprada". A 20 dias da eleição, Bolsonaro falou pela primeira vez em tom de pesar sobre as falas negacionistas em relação à crise da covid-19. O presidente afirmou que se arrependeu de certas falas dadas ao longo da pandemia e que não as repetiria.
"Eu dei uma aloprada. Os caras [imprensa] batiam na tecla o tempo todo e queriam me tirar do sério", justificou. Depois, demonstrou arrependimento de dizer que não era "coveiro" no início da pandemia, porque ainda não havia vacinas.
No entanto, seguiu defendendo o tratamento precoce, que já foi provado ser ineficaz contra o coronavírus. Bolsonaro também explicou sobre a falsa declaração de que as pessoas que se imunizassem contra o vírus se transformariam em jacaré. Para o presidente, foi apenas uma "figura de linguagem". Mas ele disse que também não a repetiria hoje.
Aceno às mulheres. Questionado se retirava declarações machistas que já externou, Bolsonaro disse que houve uma "potencialização" sobre suas falas, mas que "errou" e não falaria de novo. O presidente disse, por exemplo, que retiraria a afirmação de que teve quatro filhos homens e que o nascimento da filha mulher —Laura, de 11 anos— foi uma "fraquejada".
Ele aproveitou o momento para relacionar declarações machistas a Lula. "Pisei na bola. Simples. É comum nós homens falarmos... Vai nascer uma criança. Vai ser consumidor ou fornecedor? Brincadeira entre homens. Eu não falo mais isso para ninguém. Para mim pega. Agora, o Lula fala que...", disse, citando uma falsa referência do ex-presidente a Rosa Weber. "Sabe o que o Lula falou sobre ela? Perguntou se ela tinha 'grelo duro'", disse.
Contudo, essa afirmação de Bolsonaro é falsa. Ele cita erroneamente uma fala de Lula como se fosse uma referência à atual presidente do Supremo, Rosa Weber, mas na verdade o petista se referia às mulheres de seu partido. Em conversa grampeada pela PF (Polícia Federal) com o ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos Paulo Vannuchi, o ex-presidente Lula questionou "onde estão as mulheres de grelo duro do nosso partido?". O grampo foi divulgado em março de 2016.
Com base no grampo, Bolsonaro também citou o momento em que Lula disse, em tom jocoso, que Clara Ant, sua ex-assessora, teria recebido agentes da PF em sua residência pensando que eram "um presente de Deus". "Foram na casa da Clara Ant. A Clara estava dormindo sozinha quando entraram cinco homens lá dentro", disse Lula à Dilma na época. No áudio, ambos riem da afirmação.
No podcast, Bolsonaro não acerta o nome de Clara, a quem se refere como "Cláudia" ou "Ana". "Falou isso. Ele fala barbaridade. E não tem explicação. Nada cola contra ele", afirmou o presidente.
Racismo. "Você é afrodescendente?", questionou o presidente ao apresentador Felipe Vilela. "Eu sou", respondeu. "Tu é meio escurinho. Ah, isso é crime", retrucou o mandatário, em tom de ironia. "Não ouviu falar que eu era racista, não?", completou.
Essa não é a primeira vez que Bolsonaro se envolve em polêmica com falas de cunho racista. Em 6 de maio, na saída do Palácio do Alvorada, em Brasília, o presidente disse ver uma barata no cabelo crespo de um rapaz que tentava tirar uma foto sua. Em julho, o mandatário chegou a comparar o cabelo crespo de um apoiador que o acompanhava, também no Alvorada, a um "criador de baratas".
Fake news. Durante a transmissão do podcast, os canais exibiram uma mensagem lembrando a quem assistia à entrevista para pesquisar sobre tudo o que era dito naquele programa.
Durante o podcast, porém, Bolsonaro voltou a citar uma série de informações falsas. Entre algumas delas, estão:
- Spray nasal
"Ainda em 2021, eu mandei uma equipe minha para Israel, porque apareceu o spray nasal. O que aconteceu há dois meses? O programa Fantástico [da TV Globo] falando que o spray nasal é uma solução para combater o covid. É ou não é verdade? É verdade."
Não, isso é falso. O spray nasal que Bolsonaro demonstrou interesse em adquirir de Israel não é o mesmo exibido na reportagem do Fantástico em junho de 2022. O spray israelense é o EXO-CD24, desenvolvido pelo Hospital Ichilov de Israel. Já o spray nasal citado pelo Fantástico foi desenvolvido na USP (Universidade de São Paulo). O produto, inédito, é uma vacina.
- Teto de Gastos
"Eu sou o primeiro presidente a pegar teto de gastos", disse o presidente. A afirmação, contudo, é falsa. Bolsonaro não foi o primeiro presidente com o teto de gastos. A PEC 55/2016 foi promulgada em dezembro de 2016 e passou a valer já no ano seguinte, portanto, durante o governo Michel Temer.
- Armas e mortes
O presidente voltou a fazer a falsa relação entre a queda do número de homicídios e o maior acesso às armas de fogo. "O número de mortes violentas tem caído bastante. Eu entendo que nossa política de armamento para cidadão de bem com critérios colaborou nesse sentido", afirmou. Especialistas em segurança pública, contudo, dizem que a queda no índice de assassinatos se deve a outros motivos, como programas de governos estaduais e diminuição de conflitos entre facções criminosas.
Oração antes da entrevista. Bolsonaro e os influenciadores fizeram uma oração antes do início da transmissão. O momento foi registrado e divulgado nas redes sociais. "Abençoa nossos jovens, nós precisamos do coração dos nossos jovens. Precisamos resgatar essa geração que se perdeu e foi roubada pela esquerda. Em nome de Jesus", disse o bispo Robson Rodovalho, aliado do presidente.
Imóveis em dinheiro vivo. O presidente Jair Bolsonaro voltou a criticar a reportagem do UOL que revelou a compra de imóveis em dinheiro vivo por parte da família do governante. Aos influenciadores, disse que não tinha nada a ver com a vida de seus familiares e de Ana Cristina Valle, sua ex-mulher.
Diante das declarações falsas do presidente sobre a reportagem, o UOL mostrou detalhes da apuração jornalística que durou sete meses e que foram consultadas 1.105 páginas de 270 documentos requeridos a cartórios de 16 municípios. Como mostrou a reportagem, metade do patrimônio do clã Bolsonaro foi comprada em dinheiro vivo. Segundo a matéria, 51 das 107 transações imobiliárias realizadas pela família tiveram pagamento parcial ou total de dinheiro em espécie.
Futuro político. Candidato à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro disse que não deve ser "candidato a mais nada". A afirmação surgiu enquanto dizia, mais uma vez, que o valor do Auxílio Brasil será mantido em R$ 600.
Segundo ele, isso será possível pois a Câmara dos Deputados é "sensível" ao tema. "Havendo reeleição, ninguém vai trabalhar contra [o auxílio], até porque não devo ser candidato a mais nada, se Deus quiser", afirmou.
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