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Nas redes, falas e mentiras prejudicam Bolsonaro, e Janones impulsiona Lula

Do UOL, em Uberlândia (MG) e em São Paulo

27/10/2022 04h00

As redes sociais dos presidenciáveis viram uma mudança significativa nesta reta final do segundo turno. O grupo ligado ao presidente Jair Bolsonaro (PL) tem perdido o protagonismo para apoiadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Com destaque nas redes sociais pelo menos desde 2018, os bolsonaristas estavam habituados a pautar as polêmicas no meio digital —geralmente escolhendo o assunto da vez. Nas últimas semanas, no entanto, a campanha do presidente foi para o lado da defesa, tendo de responder a ataques e provocações.

Há dois diagnósticos principais:

  • Os dois lados reconhecem que a mudança é consequência das falas, mentiras e gafes de Bolsonaro, como as que envolveram as adolescentes venezuelanas e o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), e,
  • Também concordam que a campanha petista soube aproveitar os casos, usando o empenho digital do deputado André Janones (AV-MG) e de outros influenciadores, como Felipe Neto.

Novos tempos nas redes. Acostumada a nadar de braçadas nas redes sociais, a máquina digital de Bolsonaro enfrenta desafios não experimentados na eleição deste ano. A campanha do presidente percebeu, ainda no primeiro turno, que o time digital de Lula era capaz de produzir conteúdos que viralizavam nas redes sociais —inclusive aqueles que, dizem os bolsonaristas, eram difamatórios. Este novo contexto foi definido por um integrante da equipe em uma frase: "A esquerda aprendeu a jogar este jogo".

No segundo turno, a situação ficou ainda mais complicada para o grupo do presidente. Em pelo menos dois episódios, a campanha precisou deixar de atirar para centrar todos os esforços na defesa. Foi assim no segundo fim de semana pós-2 de outubro, quando Bolsonaro declarou, em podcast, que encontrou meninas venezuelanas com cerca de 14 anos e "pintou um clima".

De pedra a escudo. Era véspera de debate na televisão e o presidente abriu uma live na madrugada de sábado (15) para domingo (16) para se explicar. Quando o dia amanheceu, a máquina digital precisou entrar com tudo para difundir a versão do presidente por meio de perfis ligados ao bolsonarismo e assim dar armas para militância rebater ataques.

Mas havia uma diferença muito grande neste acontecimento específico. Acostumada a acuar adversários, a máquina comandada pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos) se viu na berlinda. Em vez de cumprir a tarefa de pedra, a equipe atuou como escudo. O entendimento no QG é que os danos conseguiram ser contidos, mas a muito custo.

Outro aspecto relevante é que, na campanha presidencial, o tempo é um ativo escasso. Ao usá-lo para conter prejuízos, os estrategistas de Bolsonaro deixam de atuar para aumentar a rejeição a Lula e ajudar a melhorar a aprovação do presidente, ou de combater a abstenção e virar voto.

Das redes para a TV. Dentro da campanha petista há um entendimento que o estrago do lado bolsonarista escalou rapidamente —e foi, de fato, aproveitado. O presidente teve que pedir desculpas. Nas redes, com ajuda e impulsionamento de Janones, o caso pegou e menções negativas dominaram as citações a Bolsonaro por pelo menos dois dias.

A campanha petista entrou na onda e acrescentou a fala sobre as venezuelanas não só na propaganda eleitoral da TV como em incursões na internet. Recortes de discursos de Lula, que também citavam o caso, foram distribuídos como virais.

PT faz golaço, Bolsonaro faz gol contra. O mesmo cenário de parar tudo que as redes estão fazendo para defender Bolsonaro se repetiu no último domingo (23) com o episódio Roberto Jefferson —aliado de Bolsonaro que atirou e jogou granadas em policiais federais que foram à casa dele cumprir uma ordem de prisão. Rapidamente, o PT espalhou pelas redes informações vinculando Bolsonaro ao ex-deputado.

A repercussão negativa ao candidato à reeleição foi amplificada por uma declaração do próprio presidente. Ao final de uma longa live no mesmo dia, o ministro das Comunicações, Fabio Faria, discursava para afastar Bolsonaro de Jefferson quando o Bolsonaro disse: "não tem uma foto [de Jefferson] comigo".

Em poucas horas, a internet recuperou imagens da dupla —impulsionadas ou não pela campanha e por aliados petistas. Mais uma vez, surgiu o grito de "parem as máquinas" na equipe digital bolsonarista e todos se voltaram a conter os danos. A situação foi ainda mais complicada por faltar uma semana para a votação e porque o episódio aconteceu no fim de uma agenda considerada muito positiva.

Quando soltou a frase, o presidente encerrava uma live de 22 horas que teve a presença de Neymar, Gusttavo Lima e outros famosos. Foram 22 milhões de visualizações e crescimento de 20% no número de inscritos no canal do YouTube de Bolsonaro.

Bola levantada. Esse episódio foi ainda mais explorado pelo PT. Lula dava uma coletiva no momento em que os primeiros vídeos de Jefferson —em que o ex-deputado confirmava os ataques— começaram a circular pelas redes e já aproveitou a deixa para lembrar sobre a relação entre os dois opositores.

Na manhã seguinte, menos de 24 horas depois do ocorrido, a campanha petista mostrou vídeos de agressões de bolsonaristas misturados a fotos da dupla abraçada legendadas por manchetes de jornais.

Na avaliação do PT, o grande mérito desta semana foi saber aproveitar a divulgação orgânica. Diferentemente de outras polêmicas, quando houve impulso do partido, o caso Jefferson chegou de bandeja, com fotos, apurações por jornais e antigos laços com Bolsonaro. Tudo isso estimulado pela negativa do concorrente na live.

Quando o passado condena. Para o círculo bolsonarista, o desempenho digital da equipe de Bolsonaro também foi prejudicado por fogo amigo. Partiram do próprio governo questões como o reajuste do salário mínimo, o corte de 59% na Farmácia Popular e o contingenciamento de verbas para universidade —todos aproveitados pelo PT em suas redes e materiais de televisão.

Na avaliação da campanha de Bolsonaro, a dificuldade em continuar mandando nas redes passa por essas ações governamentais e pelo histórico de frases polêmicas do presidente. Vídeos com ele dizendo que comeria a carne de um indígena durante um ritual e o em uma visita à maçonaria também criaram situação de prejuízo potencial. A partir do momento em que a esquerda aprende a viralizar esse material, resta aos bolsonarista se defender.

Janonismo cultural. É consenso entre a campanha petista que a entrada de Janones, no meio de agosto, foi fator decisivo para a mudança nas redes. Institucionalmente, o principal conselheiro do ex-presidente para as redes sociais trouxe especialmente a expertise de massificação e popularização de conteúdos já produzidos.

Para além dos palpites na campanha, Janones voltou suas redes sociais particulares para o que ele chama de "guerra de narrativa" ou "combater o bolsonarismo com o próprio veneno". O deputado tem usado suas contas no Twitter e no Facebook, onde é mais popular, para rebater fake news geradas pela campanha adversária e para gerar conteúdos próprios.

No início do segundo turno, foi ele o grande responsável pela viralização do vídeo antigo de Bolsonaro na maçonaria, que desagradou o eleitorado evangélico do presidente. O material acabou não sendo usado pela campanha oficial de Lula por ser de 2017, mas, para o deputado, o objetivo foi cumprido.

Naquele período, a campanha de Bolsonaro estava mais animada com o resultado do primeiro turno enquanto os petistas esboçavam desânimo. A primeira enxurrada de críticas online ao presidente ajudou a trazer o ânimo que os lulistas buscavam.

Com a ajuda dos influencers. A campanha petista também se amparou na expertise de criadores de conteúdos digitais. Foram duas reuniões —uma no fim de setembro, às vésperas do primeiro turno, no Rio, e outra online no último domingo (23).

Com nomes fortes como Felipe Neto —que soma mais de 15 milhões de seguidores apenas no Twitter—, Lula ouviu opiniões e dicas diferentes de como crescer no meio digital, enquanto a campanha fazia anotações. Como ocorre com Janones, o papel deles não parou por aí.

Neto, por exemplo, não voltou a fazer reuniões com o ex-presidente, mas passou a dedicar quase toda sua produção de conteúdo a desmentir fake news bolsonaristas, fazer vídeos explicativos sobre democracia e tentar convencer indecisos —principalmente entre os jovens.

Só neste segundo turno, de acordo com a assessoria, foram mais de 200 milhões de visualizações com gravações desmentindo notícias falsas nos canais de Instagram, TikTok e Twitter do influencer.

Como a máquina digital bolsonarista age. O general da equipe digital do presidente é Carlos Bolsonaro. Ele continua prestigiado por todos na campanha —para a equipe, ele acerta muito mais que erra. A partir de decisões que saem do quartel-general comandado por ele, perfis em diferentes redes sociais são abastecidos e chegam ao bolsonarista raiz.

Estes posts podem conter fotos, memes e vídeos e têm embutidos os argumentos que a campanha de Bolsonaro deseja passar adiante. Tudo deve caber no WhatsApp e Telegram, aplicativos com inúmeros grupos com apoiadores do presidente. Esta engrenagem abastece a militância com a versão dos acontecimentos que mais interessa a Bolsonaro.

Até o começo do segundo turno, não havia ninguém com capacidade de fazer frente para esta máquina.