Repúdio a armas químicas é uma das maiores vitórias da diplomacia, diz autor canadense
Embora 100 mil pessoas já tenham sido mortas na guerra civil que assola a Síria há mais de dois anos, foi o suposto uso de armas químicas que configurou o que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chamou de cruzar a “linha vermelha”.
Para o cientista político canadense Richard Price, autor do livro “The Chemical Weapons Taboo” (O Tabu das Armas Químicas, em tradução livre), o repúdio da comunidade internacional ao uso de armas químicas é “um dos esforços mais bem sucedidos de controle dos horrores de guerra”. Segundo Price, o êxito foi obtido graças à combinação de uma série de fatores: acordos internacionais, opinião pública contrária às armas de destruição em massa e, principalmente, tradição de não uso.
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“Acordos internacionais foram firmados a partir da constatação de que as armas químicas representam uma ameaça indiscriminada a civis”, disse Price ao UOL, em entrevista por e-mail, citando a Declaração de Haia de 1899, o Protocolo de Genebra de 1925 e a Convenção Sobre Armas Químicas de 1993 --que entrou em vigor em 1997.
“Mas a tradição de não uso contribui para seu status quase único de controverso e abominável. O que aconteceu na Segunda Guerra Mundial foi muito importante nesse sentido: poucos líderes se arriscaram a fazer o que nem mesmo Hitler fez. Apesar do uso de gás em grande escala nos campos de concentração, Hitler não usou agentes químicos como arma de combate”, completou.
O suposto ataque químico contra civis sírios ocorreu no último dia 21 de agosto, na periferia da capital Damasco, matando 1.429 pessoas, sendo 426 crianças, segundo um relatório da Casa Branca. Tanto o regime do ditador Bashar Assad quanto a oposição síria negam que sejam responsáveis pelo ataque. Para o pesquisador Price, a postura de ambos os lados só reforça o estigma moral conferido às armas químicas.
“É lamentável o que ocorre na Síria, mas, por outro lado, é a confirmação do tabu, ou seja, a confirmação de que, apesar da violação das normas, o uso de armas químicas é moralmente inaceitável. É um contraste com o que houve no governo Bush, por exemplo, que desafiou abertamente o tabu da tortura ao defender a simulação de afogamento como ‘técnica de interrogatório’”, afirmou Price, que também é professor da University of British Columbia, em Vancouver (Canadá).
"CONFIRMAÇÃO DO TABU"
Os acusados de usar armas químicas negam sua utilização e sequer tentam justificar seu uso como aceitável
Richard Price, autor do livro "The Chemical Weapons Taboo", sobre o conflito na Síria“Desde a Segunda Guerra Mundial que os acusados de usar armas químicas negam sua utilização e sequer tentam justificar seu uso como aceitável. O Iraque, por exemplo, nunca admitiu, mesmo quando usou armas químicas contra o Irã, na década de 1980. Hoje, na Síria, tanto o regime quanto a oposição não admitem o uso”, completou.
De acordo com Price, assim como as armas químicas, as armas nucleares estão incluídas na categoria de armas de destruição de massa, mas “não há tratados que proíbam seu uso, apesar dos esforços”. “O que há são regras banindo testes e posse de armas nucleares, mas o fato de China, Rússia, EUA, França e Reino Unido estarem autorizados a manter seus arsenais é um obstáculo na busca da proibição completa”, afirmou.
EUA x Síria
A denúncia do uso de armas químicas levou Obama a ameaçar o regime sírio com uma intervenção militar, que seria votada no Congresso dos EUA nesta semana. O anúncio de Obama foi feito no último dia 31 e, desde então, esforços têm sido feitos por todas as partes a fim de encontrar uma solução diplomática para o conflito.
A última movimentação nesse sentido ocorreu ontem (12), quando a Síria enviou à ONU um documento no qual se compromete a assinar a Convenção Sobre Armas Químicas. Esse seria o primeiro passo da proposta feita pela Rússia, país aliado da Síria, que prevê ainda a entrega e destruição do arsenal sírio --Obama chegou a admitir que suspenderia o ataque caso a Síria entregasse seu arsenal.
A ONU deve divulgar, na próxima segunda-feira (16), o relatório de seus inspetores sobre a investigação do suposto ataque com gás na periferia de Damasco. O documento poderá confirmar ou desmentir a acusação de Estados Unidos, França e Reino Unido de que houve uso de armas químicas na região.
Para Price, a investigação independente da ONU é fundamental. “O relatório elaborado pela equipe da ONU é muito importante, já que muitos países não vão confiar em relatórios de inteligência dos EUA ou de outros países, especialmente após as alegações capciosas que justificaram a guerra contra o Iraque em 2003”, afirmou Price, para quem Obama poderia ter “aprendido mais” com a lição do Iraque.
“Obama preferiu insistir nas suas ameaças públicas sobre a tal ‘linha vermelha’, que o colocaram em uma posição desagradável, no sentido de ter que dar uma resposta, ou, então, de ter sua credibilidade questionada, como tem acontecido”, afirmou o pesquisador.
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