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Brasil exportou dinâmica criminal ao Paraguai, diz especialista sobre o PCC

Penitenciária de Pedro Juan Caballero, no Paraguai - Divulgação
Penitenciária de Pedro Juan Caballero, no Paraguai Imagem: Divulgação

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

21/01/2020 12h03

Resumo da notícia

  • Camila Nunes Dias, uma das principais especialistas do Brasil sobre o PCC, analisa relação entre Brasil e Paraguai
  • Para ela, Brasil exportou aspectos essenciais, os quais as facções de base prisional desempenham papel fundamental

Em uma ação que teria sido organizada, planejada e financiada pelo PCC (Primeiro Comando da Capital), 75 homens que estavam detidos em Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia que faz fronteira com Ponta Porã (MS), fugiram na madrugada de domingo (19). Dentre eles, 40 brasileiros.

Segundo uma das principais pesquisadoras do Brasil sobre a facção, a ação demonstra que o Brasil exportou ao Paraguai aspectos essenciais da sua própria dinâmica criminal, "na qual as facções de base prisional desempenham um papel fundamental".

A análise é da socióloga Camila Nunes Dias, professora da UFABC (Universidade Federal do ABC), pesquisadora do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da USP), conselheira do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) e autora do livro "A Guerra", sobre a facção criminosa paulista.

Pode-se dizer que o Brasil exportou para o Paraguai aspectos essenciais da sua própria dinâmica criminal, na qual as facções de base prisional desempenham um papel fundamental nos contornos assumidos pelo fenômeno da violência.
Camila Dias Nunes

A pesquisadora escreveu seu ponto de vista sobre o que ocorreu no Paraguai no Fonte Segura, uma newsletter semanal distribuída pelo FBSP. Para ela, o que ocorreu no Paraguai teve grande repercussão e merece ser aprofundado.

06.ago.2018 - Socióloga Camila Nunes Dias - 06.ago.2018 - Carine Wallauer/UOL - 06.ago.2018 - Carine Wallauer/UOL
Socióloga Camila Nunes Dias em entrevista ao UOL
Imagem: 06.ago.2018 - Carine Wallauer/UOL

Segundo ela, há um processo de expansão menos visível e quase sempre silencioso: o crescimento do PCC dentro das prisões paraguaias.

Considerando as semelhanças com as condições das prisões brasileiras e a capacidade de expansão já demonstrada no Brasil, especialmente em São Paulo, é possível afirmar que o crescimento de dentro das prisões para fora é a possibilidade mais segura e consistente de encrustamento do PCC na dinâmica criminal paraguaia.

"A prisão é o seu 'habitat' original e as condições de encarceramento são o solo propício ao enraizamento do discurso e das práticas do grupo", afirma Camila Nunes Dias.

"Articuladas com o universo prisional, as dinâmicas econômicas criminais externas se entrelaçam ao discurso ideológico da luta contra o estado opressor e se constroem relações comerciais cuja base de confiança e lealdade assumem uma lógica supra-individual, aumentando os custos da traição", complementa.

Para a especialista, tem-se, aí, a vantagem crucial da rede crime-prisão para assegurar a lealdade e os compromissos assumidos. O controle das prisões permitiria assegurar o cumprimento dos contratos.

Histórico

"Desde o final da década de 90, tem-se observado a migração de criminosos brasileiros para o Paraguai. A principal motivação reside na redução de agentes intermediários nas transações comerciais envolvendo mercadorias ilícitas, principalmente a maconha e a cocaína", explica a socióloga.

De acordo com ela, se durante os anos 1990, e início dos anos 2000, o fluxo criminal do Brasil para o Paraguai consistia, em geral, em empreendimentos individuais, a partir de 2005 observou-se um processo mais planejado e coordenado de dentro dos presídios de São Paulo, com o PCC.

Em 2010, a facção lançou o "Projeto Paraguai", que, em suma, delineava ações necessárias para que o PCC assumisse o controle do crime no país vizinho, especialmente, das dinâmicas criminais relacionadas ao mercado de drogas, segundo a pesquisadora.

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"Nos últimos anos, inúmeros eventos nos permitem acompanhar o 'Projeto Paraguai'. Dentre esses eventos, destacamos a execução de Jorge Rafaat em 2016 (na qual o PCC é um dos atores); o assalto à empresa Prossegur em 2017 (executado por um consórcio criminal do qual o PCC era parte); e, em 2019, rebelião na penitenciária de San Pedro que culminou com 10 presos mortos", relembra.

A socióloga afirma que a violência na fronteira entre o Brasil e o Paraguai tem um espaço historicamente marcado pelos conflitos relacionados às diversas economias ilícitas que ali se desenvolvem.

"Contudo, os contornos específicos de uma dinâmica criminal já bastante conhecida pelos brasileiros apresenta-se como uma novidade histórica no Paraguai, com efeitos políticos e sociais importantes: a conexão crime-prisão estabelecida através da atuação de grupos de base prisional", diz.

Para ela, "enquanto o processo de expansão em solo paraguaio ocorreu a partir dos espaços fronteiriços, não se pode afirmar que o PCC logrou êxito em se estabelecer como ator hegemônico em quaisquer destes territórios".

A importância estratégica destas áreas para inúmeros grupos criminais, além de questões econômicas, sociais e culturais, podem explicar essa dificuldade, diz.

Ouça também o podcast Ficha Criminal, com as histórias dos criminosos que marcaram época no Brasil. Este e outros podcasts do UOL estão disponíveis em uol.com.br/podcasts, no Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e outras plataformas de áudio.