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Ataque ao Capitólio é inédito nos Estados Unidos desde guerra no século 19

Arthur Stabile

Colaboração para o UOL, em São Paulo

06/01/2021 21h24Atualizada em 06/01/2021 22h18

A imagem de apoiadores de Donald Trump reunidos após invadir o Capitólio, sede do Congresso dos Estados Unidos, nesta quarta-feira (6), é um capítulo inédito. Nunca antes houve um ataque tão forte à democracia, conforme análise do doutor em Relações Internacionais Carlos Gustavo Poggio.

Professor da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), Poggio classifica como "sem precedentes" o episódio dos trumpistas, munidos com bandeiras dos Estados Unidos e outras com o nome do presidente derrotado por Joe Biden no pleito em 3 de novembro de 2020.

Segundo o especialista, a única comparação possível envolve a Guerra Anglo-Americana, iniciada em 1812, quando a Inglaterra invadiu o país norte-americano. Em agosto de 1814 ocorreu a Batalha de Washington. Tropas europeias invadiram a capital Washington, ocupando o Capitólio e a Casa Branca, sede do presidente da república dos EUA.

"A última vez que o Capitólio foi invadido como hoje, se queremos achar algum paralelo, é a invasão dos britânicos. A Casa Branca foi incendiada parte do acervo foi perdido. Não há paralelos, é algo absolutamente inédito", afirma Carlos Gustavo.

A invasão do Capitólio ocorreu durante sessão que confirmaria oficialmente junto aos congressistas a vitória de Joe Biden. Antes, Trump discursou para apoiadores e, ao fim do ato, parte do grupo se mobilizou até o prédio do Congresso e deu início à invasão.

Congressistas evacuaram o prédio, assim como o vice-presidente de Trump, Mike Pence, que criticou a invasão ocorrida durante a sessão que ele comandava. Policiais usaram bombas de gás e spray de pimenta para evitar a tomada do local, sem sucesso. Uma mulher morreu.

Dentro do prédio, parte dos invasores tiraram fotos com os policiais que estavam dentro do local. Uma mulher foi baleada na invasão.

Eleito em novembro, Joe Biden cobrou que Trump fosse à televisão nacional "para cumprir seu juramento e defender a Constituição e exigir o fim deste cerco". Em fala oficial, Biden disse que a democracia norte-americana "está sob ataque sem precedentes".

Fernanda Magnotta, PhD em Relações Internacionais e senior fellow de Estados Unidos, analisa que o contexto atual é totalmente diferente do que aconteceu na Guerra de 1812. Segundo ela, o momento atual envolve uma "eleição com transição de poder ".

"São mais de 200 anos [entre uma ação e outra] e um contexto totalmente diferente, de uma disputa interna e, lá atrás, de uma disputa entre colônia e metrópole. Agora, é totalmente novo", avalia.

A especialista classifica como normal a existência de manifestações nos arredores do Capitólio ao longo da democracia americana. "O fato de ter uma manifestação não é novidade, mas não com agressão à Casa Legislativa", diz, definindo a invasão como um ato "semelhante a um golpe".

As consequências da invasão envolvem desde o descrédito do processo democrático no país até impactos na política externa, conforme analisado pelo doutor Carlos Gustavo Poggio. "Pega mal para os Estados Unidos perante o mundo, que está assistindo [às cenas]. Imagino o que os russos estão pensando", diz o professor da Faap. Para ele, Trump "certamente" motivou o ataque ao criar uma agitação social grave. "Faz totalmente parte do script".

Questionado se é possível prever as ações nos Estados Unidos com a futura eleição presidencial do Brasil, em 2022, o professor de relações internacionais considera real a chance de vermos cenas parecidas em 2022.

"[Jair] Bolsonaro gosta muito de copiar o modus operandi do Trump. Faz algum sentido, sim", define. Para embasar a fala, usa como exemplo o pleito municipal, em que o capitão reformado do Exército tentou ventilar fraudes em cidades nas quais seus apoiadores perderam.

"Ali ficou claro que Bolsonaro está disposto a copiar o manual do Trump. Podemos ter [ações como a invasão do Capitólio], sim, mas não sei se Bolsonaro tem a mesma competência do Trump em conseguir destruir a democracia do país".

Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas) de São Paulo, também comparou a mobilização de apoiadores de Trump com bolsonaristas.

"Do ponto de vista brasileiro, vendo a loucura em Washington se desenrolar, é muito difícil não pensar em ter uma prévia da transição de 2022 se o Bolsonaro perder", defende, em análise publicada na rede social Twitter. "O presidente do Brasil, que gosta de se considerar um 'Trump dos Trópicos', provavelmente não reconheceria o resultado".

Stuenkel vê similaridades estratégias entre os dois políticos de extrema-direita ao citar ações de Bolsonaro: "suas alegações infundadas de fraude na eleição de 2018 (embora ele tenha vencido), seu esforço para reduzir a confiança no sistema de votação até dois anos antes, que qualquer coisa, menos uma repetição dos eventos nos EUA [em 2022], será uma surpresa", afirma.