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Covid: Reabertura no Chile mostra sucesso da Sinovac em reduzir casos

Ana Carla Bermúdez

Colaboração para o UOL, em Montevidéu

29/07/2021 04h00

Com a campanha de vacinação contra a covid-19 mais avançada das Américas, o Chile começa a ver os resultados da batalha contra a pandemia com uma forte queda nas infecções pelo vírus. Ontem (28), o país atingiu o menor número de casos diários de covid-19 desde outubro do ano passado. A conquista veio dias após o Chile registrar a menor taxa de positividade nos testes de covid, realizados diariamente desde o início da pandemia.

"Acreditamos, hoje, que essa forte queda nos casos é fruto praticamente exclusivo da vacinação, porque isso não veio acompanhado de maiores restrições, mas sim do contrário. As restrições foram caindo, a vacinação foi aumentando e os casos foram diminuindo", afirma Ignacio Silva, médico infectologista e pesquisador da Universidade de Santiago do Chile.

O Chile tem a vacina da Sinovac (idêntica à CoronaVac, mas importada diretamente da China) como carro-chefe de sua campanha. Até o momento, mais de 63% dos chilenos foram vacinados completamente (isto é, com as duas doses) e mais de 72% já receberam pelo menos uma dose de imunizante, de acordo com dados da plataforma Our World in Data.

percentual que ja tomou duas doses da vacina - Chile - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Entre os vacinados, a maior parte recebeu o imunizante da Sinovac —pesquisadores estimam que pelo menos 75% das injeções foram feitas com esta vacina. As vacinas da Pfizer, da AstraZeneca e de dose única da Cansino também são utilizadas no Chile, mas em menor escala.

No Brasil, a CoronaVac —envasada no Instituto Butantan a partir de insumos vindos da China e, portanto, uma espécie de irmã gêmea da Sinovac— já foi criticada e menosprezada por Jair Bolsonaro (sem partido) e seus apoiadores. Em diferentes ocasiões, o presidente mentiu ao dizer que a vacina não tem comprovação científica.

Também se tornou comum encontrar em postos de vacinação quem prefira receber outro imunizante, como o da Pfizer, argumentando que uma seria mais eficaz do que a outra.

"O desprestígio da eficácia que têm uma ou outra vacina, a meu ver, é um problema político e que não tem nenhuma sustentação científica", diz Gabriel Cavada, epidemiologista da Universidade do Chile.

Todas as vacinas servem para o mesmo fim: prevenir a gravidade das infecções e evitar contágios. E todas têm uma capacidade ao redor de 70% para prevenir contágios.
Gabriel Cavada, epidemiologista da Universidade do Chile

Um estudo publicado em julho no New England Journal of Medicine mostrou que a Sinovac teve 86% de eficácia na prevenção de mortes causadas pela covid-19 no Chile. A eficácia encontrada para a prevenção da infecção pelo vírus foi de 65,9%.

"Na prática, com o exemplo do Chile, vemos que, mesmo vacinando massivamente com a Sinovac, conseguimos diminuir o número de casos. Isso significa que, a nível comunitário, vacina ajuda a diminuir a circulação viral", diz o infectologista Silva.

Chilenos frequentam restaurante em Santiago em 19 de julho; no dia 24, a cidade teve seu primeiro fim de semana sem quarentena desde março - EFE/ Elvis González - EFE/ Elvis González
Chilenos frequentam restaurante em Santiago em 19 de julho; no dia 24, a cidade teve seu primeiro fim de semana sem quarentena desde março
Imagem: EFE/ Elvis González

Da explosão à contenção

Entre março e junho deste ano, o Chile viveu uma explosão de contágios que, alavancada pela variante gamma, marcou o pior momento da pandemia no país. O cenário acabou sendo utilizado por negacionistas para, mesmo sem embasamento científico, pôr em xeque os resultados da vacinação com a CoronaVac.

Isaac Schrarstzhaupt, coordenador de dados da Rede Análise Covid-19, destaca que, à época, a campanha de vacinação no Chile ainda era incipiente. No início de maio, pouco mais de 35% dos chilenos estavam completamente vacinados, percentual que chegou a 50% em meados de junho.

"Houve um aumento na mobilidade lá no começo da imunização. Eles estavam com 20%, 30% de vacinados, e estava aumentando muito a mobilidade. Isso deixa ainda boa parte da população descoberta e acaba gerando mais hospitalizações e óbitos", explica.

media movel de novos casos - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Foi em meados de junho que os indicadores da pandemia no Chile começaram a dar sinais de melhora. A média móvel de casos confirmados diariamente voltou agora a patamares semelhantes aos de novembro do ano passado, com o registro de cerca de mil novos casos por dia.

Para Schrarstzhaupt, a mobilidade também pode ser um ponto-chave para entender a situação atual do Chile. "O que a gente vê nas vacinas é muito mais essa redução de curva de hospitalizações e óbitos", defende. "Além de acelerar a vacinação, essas restrições que o Chile fez também são muito responsáveis pela queda de casos que estamos vendo agora."

Estratégia de vacinação

Ocupação dos leitos de UTI - Chile - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL
Com o êxito em sua campanha de vacinação, o Chile ultrapassou até mesmo países como Estados Unidos e Israel, considerados destaque no combate à covid-19. Para os especialistas, a conquista chilena é resultado de uma soma de fatores como a busca precoce do governo pelas vacinas e a descentralização do processo.

"A vacinação não foi centralizada em grandes centros médicos nem foi feita exclusivamente por meio das autoridades sanitárias. Foram distribuídas vacinas em ginásios, colégios e pequenos municípios. As comunidades se encarregaram da distribuição e administração das vacinas. Isso fez com que elas estivessem ao maior alcance das pessoas", explica Silva.

Para Cavada, o anúncio de um 'Pase de Movilidad', criado pelo governo em maio deste ano para permitir maior facilidade no deslocamento daqueles que já receberam duas doses da vacina pelo país, também incentivou os chilenos a buscarem receber o imunizante.

"Foi um incentivo tremendo para que as pessoas se vacinassem, e esse incentivo se mantém até agora", afirma.

media movel de mortes - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Reabertura e variante delta

Em meio ao cenário de melhora da pandemia, o Chile dá passos mais largos a caminho de uma reabertura. Diversas cidades saíram do confinamento total nos últimos dias, e a capital, Santiago, teve seu primeiro fim de semana sem quarentena desde março.

O governo chileno também autorizou cidadãos e residentes vacinados a viajarem para o exterior —desde que, ao retornar, sejam apresentados testes de PCR e também seja cumprido um isolamento de dez dias.

Para os especialistas, é preciso olhar para as flexibilizações com cautela, principalmente devido à presença da variante delta, associada a uma maior transmissibilidade do coronavírus, em diferentes países pelo mundo.

Apesar de o Chile ter um percentual alto de imunizados, afirma Silva, a variante delta ainda pode levar a um aumento nos quadros leves da doença, já que a vacina da Sinovac tem um perfil mais forte para a prevenção de casos graves e óbitos.

Acho que estamos em uma boa situação epidemiológica, mas ainda muito frágil. Em nível local, a pandemia é mais fácil de ser contida. Com poucos casos, é mais fácil de se realizar um acompanhamento adequado, que inclui identificar os contágios, seus contatos e fazer um bom isolamento.
Ignacio Silva, médico infectologista

Ele defende a necessidade de um olhar mais global para o combate à doença. "É possível haver uma contenção local, em um país. Mas, para controlar a pandemia como um todo, precisamos que todo o mundo alcance essa contenção. E, para isso, o acesso universal às vacinas é fundamental", afirma.

"É importante se fazer a contenção das epidemias locais, mas o conceito de localidade precisa começar a se estender para o continente", concorda o professor Cavada. "É preciso que não só o Chile controle sua epidemia, mas que para a segurança do Chile também o façam a Argentina, Peru, Bolívia, toda a América do Sul. E, é claro, o Brasil também."