'Sensação de alívio': ucraniana foge da guerra e encontra família no Brasil
Eram 17h50 desta quinta-feira (17) quando o avião onde estava a ucraniana Iryna Uzhyk, 60, pousou no aeroporto de Guarulhos (na Grande São Paulo). Mas ainda foi preciso lidar com a ansiedade de uma espera de 50 minutos até o momento em que ela cruzou pela porta do desembarque e, enfim, pôde abraçar o filho, os dois netos e a nora, que moram em Atibaia, no interior do estado.
Sensibilizada pelo neto Nicollas, que em duas semanas irá completar 9 anos e pediu a vinda da avó ao Brasil como presente de aniversário, Iryna decidiu deixar para trás Kharkiv, umas das cidades mais atingidas pela guerra, e o marido para salvar a própria vida.
O pequeno Nicollas convive com a angústia ao longo dos 23 dias de conflito. Com dificuldades para dormir e até para se alimentar, temia que a avó fosse atingida pelas bombas que deixaram Kharkiv em ruínas. Enquanto Iryna pisava em solo brasileiro, uma nuvem escura com fumaça tóxica cobria o céu da sua cidade de origem após um ataque aéreo russo que destruiu o principal mercado local.
Com um buquê de flores nas mãos, Nicollas não desgrudava os olhos da porta de desembarque do avião e abordava quem passava por ali, perguntando pela avó. O pai dele, o ucraniano Anton Uzhyk, 34, segurava uma faixa com as cores da Ucrânia para receber a mãe —nos primeiros dias de conflito, ele disse ao UOL que os pais estavam à espera da morte em uma zona de guerra.
Ucraniana foge da guerra para reencontrar família no Brasil
"O coraçãozinho dele [Nicollas] parecia que ia sair pela boca. Quando a avó chegou, ele correu para os braços dela. Foi uma sensação de alívio", relatou Luciana Cosin Ukhyk, nora de Iryna.
Mas o alívio ainda não era completo. Assim que chegou, Iryna conversou por apenas dois minutos com o marido Serhii Uzhyk, 56, proibido de sair do território ucraniano por três meses de acordo com a lei marcial, que altera as regras de um país, sob vigência de leis militares. A medida, em vigor desde o primeiro dia de invasão, impede a fuga de homens de 18 a 60 anos, que podem ser obrigados a se alistar.
A minha sogra agora está em segurança, mas ainda está muito preocupada porque o marido ficou. A gente percebe que ela está muito feliz por ter conseguido chegar ao Brasil. Mas tem aquele sentimento de que ele [Serhii] também queria estar aqui. Deve ter sido difícil ter ficado"
Luciana Cosin Uzhyk
Hoje de manhã, Iryna falou mais uma vez com o marido, preocupada com o agravamento dos ataques. "Ele está em casa sem luz, sem água e preocupado por causa do bombardeio ao mercado. Durante a ligação, ele diz que evita ficar perto da janela, com medo de ser atingido. É possível ouvir o tempo inteiro o barulho de tiros ou bombas", completa Luciana.
Agora ao lado da família no Brasil, Iryna deu um relato ainda mais preocupante sobre a realidade na Ucrânia.
Ela fala que as coisas são piores do que aparecem nas reportagens. Ela escutava tiros e bombardeios o dia inteiro. A comida está escassa nos mercados e as pessoas saem para fazer compras sem saber se vão voltar para casa com vida. Os ucranianos estão vivendo um terror sem saber quando isso vai acabar"
Luciana Cosin Uzhyk
Kharkiv já teve 48 escolas destruídas desde o começo da invasão das tropas russas, disse o governo ucraniano. Civis também ficaram sem aquecimento em temperaturas abaixo de zero na segunda maior cidade ucraniana, que tem 1,4 milhão de habitantes. Um reator nuclear foi atingido por bombas no município.
Iryna se despediu do marido e saiu da casa em Kharkiv na última segunda-feira (14). De lá, pegou um trem que seguiu em direção a Lviv, perto da divisa com a Polônia, em uma viagem de 16 horas.
Depois, se encontrou com um voluntário brasileiro, encarregado de atravessar o corredor humanitário e cruzar a fronteira no dia seguinte. Em solo polonês, foi de ônibus à capital Varsóvia, onde obteve visto humanitário e embarcou em direção ao Brasil.
E, agora, mesmo em meio às memórias de guerra, a família teve um breve momento de descanso ao entrar no carro que os levaria do aeroporto de Guarulhos para Atibaia. No banco traseiro, o pequeno Nicollas encostou a cabeça no ombro de Iryna e fez algo que não fazia há dias: dormiu com a certeza de que a avó sobreviveu à guerra.
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