Manter o moral e justificar liderança: Por que Zelensky continua em Kiev?
Vinte e quatro dias após o início da invasão russa à Ucrânia, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky continua estabelecido na capital Kiev, mesmo diante do cerco cada vez mais apertado sobre a cidade. Os motivos, segundo especialistas consultados pelo UOL, envolvem a necessidade de manter o moral das tropas e demonstrar liderança para reafirmar a soberania do país.
"Acredito que seja fundamentalmente para sustentar o moral elevado das suas tropas, incentivando elas a resistir. Fora que estando em Kiev ele reforça a imagem de resistente, o que contribui para o seu prestígio entre países ocidentais", avalia Augusto Teixeira, cientista político e professor de Relações Internacionais da UFPB (Universidade Federal da Paraíba).
Teixeira acrescenta que Zelensky se manter em Kiev pode ser, também, uma forma de forçar outros países a enviar auxílio à Ucrânia, seja por meio do envio de tropas, armas ou mesmo dinheiro.
"Ele se coloca em uma situação desesperadora e força, fazendo um apelo moral, a continuação de mais apoios, especialmente materiais."
Mariana Kalil, professora de geopolítica na ESG (Escola Superior de Guerra), observa que o presidente busca marcar território enquanto líder, para evitar que o auxílio de outros países conceda muito poder às milícias e descentralize o seu controle sobre a Ucrânia.
"É importante lembrar que, quanto mais o Ocidente arma forças paramilitares na Ucrânia, mais fragilizada fica a liderança de Zelensky e das Forças Armadas nos teatros de batalha. Zelensky sabe disso e busca manter sua legitimidade como governante do país, ainda que a situação no terreno eventualmente aponte em outra direção", afirma.
Por que a capital é importante numa guerra?
"Simbolicamente, a capital é o coração político do país, o que está diretamente associado ao moral das tropas, da população e da opinião pública internacional. Isso tem sido fundamental na estratégia ucraniana ao longo de toda essa guerra; materialmente, a capital de um país tende a reunir distritos militares importantes, bem como, em alguns casos, forte atividade econômica, como é o caso de Kiev", explica Kalil.
Autoridades ucranianas acusam a Rússia de não reconhecer o governo da Ucrânia como legítimo e alegam que esse é um dos principais motivos para a invasão.
"Ele [Zelensky] fica em Kiev, porque sair de lá poderia simbolizar o enfraquecimento da liderança e a entrega da capital, dois elementos fundamentais do centro de gravidade", diz Kalil.
Zelensky tem visitado hospitais, circulado pelas ruas e divulgado vídeos nas redes sociais. As aparições públicas também são apontadas como calculadas para enviar uma mensagem de simplicidade. Na visão da colunista do UOL Fernanda Magnotta, o presidente aparece sempre de moletom, roupas caseiras e barba por fazer para demonstrar vulnerabilidade.
"Trata-se de um exercício para induzir alteridade, de uma forma de contrastar a ideia de "opressores" e "oprimidos", de demarcar a vulnerabilidade da Ucrânia. Do ponto de vista da semiótica, é uma estratégia para retratar os ucranianos como "homens comuns" que resistem a agressores frios e austeros", escreveu ela em coluna publicada nesta quinta-feira (17).
Os russos alegam que o conflito teve início diante da aproximação da Ucrânia com a União Europeia e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), e também porque, na visão deles, regiões separatistas vinham sendo fortemente reprimidas pelos ucranianos.
Seis dias após o início do confronto, o governo russo anunciou ter passado a reconhecer Zelensky como presidente da Ucrânia. Augusto Teixeira reforça que, mesmo em uma capital sitiada, Zelensky deve permanecer no local para justificar o seu posto de líder de uma nação atacada.
"Ele poderia ter saído do país e ido para Polônia ou Estados Unidos e fazer um governo no exílio, mas isso ocorreria após perder o controle do país ou da capital. Como isso ainda não aconteceu, é mais razoável, na perspectiva da liderança, continuar no país."
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