Direita compara acidente a Chernobyl ao tentar colocar brancos contra Biden
Uma fake news que circula nos Estados Unidos diz que o presidente Joe Biden deixou uma cidade inteira à própria sorte mesmo depois de um acidente ambiental comparável ao desastre nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. O motivo, diz a notícia falsa, é que Biden despreza a população da pequena East Palestine, no estado de Ohio, porque ela é branca.
A teoria da conspiração virou munição da extrema direita depois que um trem carregado de gás tóxico descarrilou em East Palestine em 3 de fevereiro. De olho nas eleições presidenciais do ano que vem, o ex-presidente Donald Trump se aproveita para colocar os eleitores locais contra Biden, que até hoje não visitou o local.
Para provar o desprezo do presidente por East Palestine —onde Trump venceu na eleição passada—, os conspiracionistas dizem que Biden tira o foco do acidente criando factoides, como o abatimento de óvnis (objetos voadores não identificados) e a visita à Ucrânia, invadida pela Rússia há um ano.
"A principal característica do acidente é onde ele aconteceu", diz o professor de relações internacionais da Universidade LaSalle, Fabricio Pontin.
A região operária, entre Ohio e Pensilvânia, há três eleições trocou os democratas pelos republicanos. "É por isso que Trump insiste em falar sobre o desastre e os democratas tangenciam o assunto."
"Biden quer transformar o problema político em administrativo, da alçada da Secretaria do Transporte, para esvaziar a relevância do assunto na mídia", diz. "Se ele vai para a cidade, vira uma crise presidencial. Ele prefere dar visibilidade à política externa, como a guerra na Ucrânia, porque presidentes durante conflito tendem a se reeleger."
"Guerra contra o povo branco"
Depois do descarrilamento, autoridades do governo queimaram parte da carga, gerando uma nuvem de fumaça no céu. Os moradores foram retirados de suas casas, mas voltaram depois que a agência de proteção ambiental afirmou que o problema estava controlado.
Trata-se de uma "guerra contra o povo branco", chegou a dizer o ativista de direita Charlie Kirk, que organizou um evento com o ex-presidente Jair Bolsonaro no começo do mês.
O assunto receberia maior atenção do governo e da mídia se o acidente não fosse em uma cidade "esmagadoramente branca e politicamente conservadora", disse Tucker Carlson, apresentador do canal conservador Fox News.
A viagem de Biden à Ucrânia foi "um tapa na cara", disse à imprensa o prefeito de East Palestine, Trent Conaway, aliado de Trump. "Ele não se importa com a gente", afirmou. "Estava na Ucrânia dando milhões de dólares para as pessoas de lá, não para nós."
Trump aproveitou para aterrissar em East Palestine. Ele deu ares de visita oficial ao aparecer ao lado do prefeito da cidade, do senador de Ohio JD Vance e de líderes do estado para cobrar "respostas e resultados".
Sem desmentir a fake news, Trump afirmou que "a bondade e perseverança" da população local "foram recebidas com indiferença e traição", e ironizou Biden ao dizer que espera que o atual presidente "tenha algum dinheiro sobrando" para East Palestine depois da visita à Ucrânia.
Gás é inflamável e cancerígeno
Embora incomparável ao desastre de Chernobyl, o acidente em East Palestine foi sério. "Talvez o mais grave desde o vazamento da British Petroleum, no Caribe, em 2010", diz Pontin.
O trem descarrilou quando um eixo da locomotiva quebrou no momento em que atravessava a cidade com destino a Illinois. O acidente derramou cloreto de vinila, um gás incolor inflamável e cancerígeno usado na fabricação de produtos plásticos.
"Tudo ocorreu conforme planejado", afirmou à Reuters Sandy Mackey, da Agência de Gerenciamento de Emergências. Já a dona do trem, a Norfolk Southern, prometeu drenar o material tóxico, enquanto a Agência de Proteção Ambiental garantiu não haver níveis preocupantes do gás no ar da cidade e que a água potável não foi contaminada.
Apesar da garantia do governo, "existem muitas incógnitas", afirmou ao The New York Times Donald Holmstrom, ex-diretor do Conselho de Investigação de Riscos e Segurança Química dos EUA.
O vazamento contaminou 12 quilômetros de um rio e matou cerca de 3.500 peixes em seis dias. Além de contaminar o solo e a água, o cloreto de vinila pode penetrar nas paredes das casas. Inalado, causa dor de cabeça, sono, tontura e até câncer se a exposição for longa.
"Algumas autoridades dizem que, quando voltarem, as pessoas devem abrir as janelas e limpar as superfícies", afirmou o diretor do Conselho de Defesa de Recursos Naturais, Erik D. Olson. "Elas sabem que ainda há alguma contaminação."
Nada que se compare a Chernobyl, no entanto. O professor diz acreditar que a comparação exagerada é sinal de que as fake news não darão trégua na eleição do ano que vem.
Elas consolidam o discurso e disciplinam a militância: todos falam de forma organizada e homogênea, o que ajuda o candidato a transitar sobre esses temas de um jeito simples
Fabricio Pontin, professor de relações internacionais
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