O que é o pentagrama, que surgiu por confusão em protesto bolsonarista?

Um dos sinais mais claros de que um produto está em alta é sua presença no mercado informal dos vendedores ambulantes. Sejam bandas gringas, séries de TV ou times do futebol europeu, se tem no camelô é porque tem público.

Essa sabedoria popular esteve presente, mais uma vez, no último domingo (25), em São Paulo, no ato em homenagem ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Em plena Avenida Paulista, ambulantes vendiam bandeiras de Israel por um preço superior ao da bandeira do Brasil, outro hit entre bolsonaristas.

Não é de hoje que a bandeira alviazul do país no Oriente Médio é usada como um dos símbolos do bolsonarismo. Essa é a (inusitada) mistura do Brasil com Israel, fruto da influência dos setores mais conservadores do neopentecostalismo nos eleitores mais convictos de Bolsonaro.

É algo que incomoda entidades judaicas. Para o Instituto Brasil-Israel, o ato faz parte da "instrumentalização da bandeira de Israel pela extrema-direita brasileira baseada na perspectiva imaginária de um país conservador, branco e cristão".

Ato pró-Bolsonaro na Paulista teve bandeiras de Israel
Ato pró-Bolsonaro na Paulista teve bandeiras de Israel Imagem: Rafael Neves/UOL

Dessa vez, o símbolo israelense na Paulista - turbinada também como uma resposta às declarações recentes do presidente Lula, que comparou a ação israelense na Faixa de Gaza ao extermínio de judeus por Hitler - ganhou ares ainda mais típicos de produto de camelô. Isso porque algumas das bandeiras vendidas estavam erradas.

Em vez da Estrela de Davi no centro, as flâmulas ostentavam um outro símbolo: um pentagrama. Eles são bem parecidos, mas a simbologia de ambos, no mundo contemporâneo, é bastante diferente, o que acabou rendendo memes.

Pentagrama é satânico?

Tanto o pentagrama quanto a Estrela de Davi são símbolos usados há milhares de anos, em diversos contextos. Em sua essência geométrica, a diferença entre eles é o número de pontas: o pentagrama tem cinco e a Estrela de Davi, que é um hexagrama, tem seis.

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Pentagrama em lápide de 1284, em Portugal
Pentagrama em lápide de 1284, em Portugal Imagem: Prisma/UIG/Getty Images

O hexagrama começou a ser usado como símbolo dos judeus no século 14, mas a ligação só ganhou força para valer, a ponto de acabar na bandeira de Israel, no fim do século 19.

O pentagrama e a conexão mais comum que se atribui a ele hoje, com o ocultismo, também é recente. É algo que criou forma no século 19.

Mas a estrela de cinco pontas é muito antiga. Já aparecia na Mesopotâmia, um dos berços da civilização, há cinco milênios.

"Pentagramas foram encontrados em cerâmicas sumérias", explicou E.A. Wallis Budge, um dos mais famosos egiptólogos e orientalistas britânicos do começo do século 20, em "Amulets and Talismans" ("Amuletos e talismãs", sem edição brasileira). No livro, o especialista deu exemplos de usos antigos em amuletos judaicos e cristãos.

No cristianismo, o pentagrama já foi usado para representar uma porção de assuntos, como as cinco chagas de Cristo, a Estrela de Belém e a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos. Na Idade Média, ele era um amuleto contra espíritos malignos e os efeitos de bruxarias.

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Pentagrama em vitral da Catedral de Amiens, na França
Pentagrama em vitral da Catedral de Amiens, na França Imagem: Vassil

Foi na Inquisição que o símbolo ganhou sua primeira conotação negativa, explica a especialista em design gráfico Maria Urma em um artigo na publicação acadêmica "Anastasis", dedicada à cultura medieval. O pentagrama era usado para identificar os acusados de heresia.

Ocultismo

Aleister Crowley
Aleister Crowley Imagem: Keystone/Getty Images

No século 19, a simbologia do pentagrama começou a ganhar os contornos que tem hoje. O esotérico francês Éliphas Lévi, em "Dogma e Ritual da Alta Magia", tratado de magia publicado nos anos 1850, definiu o pentagrama invertido (com duas pontas projetadas para cima em vez de uma) como um símbolo maligno que atrai forças sinistras.

"Subverte a ordem adequada das coisas e demonstra o triunfo da matéria sobre o espírito. É o bode da luxúria atacando os céus com seus chifres", escreveu.

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A obra do ocultista francês teve grande impacto em Aleister Crowley, que chegou a afirmar que Lévi reencarnara nele. O britânico Crowley, por sua vez, foi um dos ocultistas mais influentes do século 20 - sua vida e obra tiveram grande repercussão nos meios esotéricos e na contracultura dos anos 1960.

Crowley dizia que o pentagrama invertido era uma representação do plano espiritual se manifestando no material. Ele e outras duas figuras ajudaram a implantar essa figura geométrica no imaginário popular: Gerald Gardner e Anton LaVey.

Gardner é considerado o pai da religião wicca. Já LaVey fundou, em 1966, a Igreja de Satã.

Na wicca, o pentagrama é usado para indicar, entre outras coisas, níveis de iniciação. No satanismo, o pentagrama invertido simboliza a supressão do espiritual pelo carnal.

Laurie Cabot, líder da comunidade wicca de Salem, nos Estados Unidos, em 2001
Laurie Cabot, líder da comunidade wicca de Salem, nos Estados Unidos, em 2001 Imagem: Louise OLIGNY/Gamma-Rapho via Getty Images

Outras aglomerações modernas usam a estrela de cinco pontas, como a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e o bahaísmo, explica a pesquisadora de culturas religiosas Alicia Charles D'Avalon em um artigo a respeito. Mas foi sua penetração no ocultismo que aguçou a curiosidade popular.

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"Na wicca e na bruxaria modernas, o pentagrama representa muitas coisas", escreveu. "Os cinco elementos e suas associações, os ciclos das estações e da vida, a união da deusa tríplice e o deus dual, um talismã de proteção, uma chave para invocar ou banir espíritos ou para abrir portais espirituais."

Devido a seu uso corriqueiro em filmes de terror, desenhos animados, capas de discos de heavy metal e outras mídias, o pentagrama invertido virou um ícone da cultura pop. Mas sua simbologia segue tão diversa quanto ao longo dos últimos milênios.

Ele, simultaneamente, tem significados de maldade, satanismo, magia e bruxaria, proteção, humanidade, unidade, equilíbrio e perfeição, resume D'Avalon.

É um símbolo que abarca uma porção de interpretações, a depender do contexto. Só não cabe na bandeira de Israel.

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