Provocações, prisão: por que México e Equador abriram crise diplomática?

Mesmo não sendo vizinhos e estando quase 4 mil km distantes, México e Equador protagonizam a mais recente crise diplomática da América Latina.

O início do conflito

A polícia do Equador prendeu o ex-vice-presidente equatoriano Jorge Glas durante invasão à embaixada do México no país na última sexta-feira (5). O político estava lá desde dezembro e havia recebido asilo político do México horas antes da ação.

O México, inclusive, já havia rejeitado uma solicitação do Equador para permitir a captura de Glas na embaixada. Também na sexta, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, fez uma defesa ferrenha do instituto do asilo no México apontando que, no passado, salvou a vida de muitos latino-americanos perseguidos por ditaduras. Nos últimos anos, o país concedeu asilo ou refúgio a outros ex-colaboradores do ex-presidente equatoriano Rafael Correa (2007-2017).

Glas, que atuou no governo de Correa, cumpriu pena pelo escândalo de propinas da Odebrecht, mas enfrenta outro mandado de prisão por supostamente desviar fundos destinados a trabalhos de reconstrução após um terremoto em 2016.

O Equador classificou o asilo concedido a Glas como "ilegal". Agora preso, Glas foi transferido para uma penitenciária de segurança máxima do país. Ele está detido no CPL (Centro de Privação de Liberdade) nº3 de Guayas, mais conhecido como prisão La Roca.

Provocações mútuas. O conflito começou com um comentário do presidente mexicano, na quarta-feira passada (3), sobre a violência política no Equador e a suposta manipulação da mídia nas últimas eleições presidenciais. O Equador respondeu expulsando a embaixadora Raquel Serur e o México aumentou a tensão ao conceder asilo a Glas.

O presidente do Equador, Daniel Noboa, exibe uma característica linha-dura às vésperas de um referendo proposto por seu governo para conceder maiores poderes à força pública na luta contra a criminalidade. Os equatorianos votarão a iniciativa em 21 de abril.

Crise diplomática

O México anunciou que rompeu relações diplomáticas com o Equador. A situação entre os dois países iniciou uma crise diplomática porque coloca em perigo as relações equatorianas não somente com o próprio México, mas também com o restante da América Latina.

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Diplomatas mexicanos deixaram o Equador ainda ontem. A Ministra das Relações Exteriores, Alicia Bárcena, disse que o pessoal diplomático volta para casa com a "cabeça erguida".

O ex-embaixador equatoriano em Londres Mauricio Gándara disse à AFP que a situação é um "escândalo internacional". As imagens de policiais escalando as grades da embaixada mexicana e do chefe da missão, Roberto Canseco, sendo contido pelos agentes de segurança deram a volta ao mundo.

Gándara acrescentou que "será muito difícil que isso se reconstitua sem a intervenção de países amigos". No entanto, os governos de esquerda do Brasil, Colômbia, Venezuela e Chile, assim como os governos de direita do Peru e Argentina, rejeitaram energicamente a ação da polícia equatoriana.

Por meio do Itamaraty, o Brasil rechaçou o ato "nos mais firmes termos" e o presidente Lula (PT) prestou solidariedade ao presidente mexicano. "A medida levada a cabo pelo governo equatoriano constitui grave precedente, cabendo ser objeto de enérgico repúdio, qualquer que seja a justificativa para sua realização", diz o comunicado do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

A Nicarágua foi mais longe e imitou o México ao romper relações com o Equador. Já a Bolívia retirou seu embaixador em Quito.

A ruptura tem implicações "econômicas, diplomáticas e culturais", comentou também à AFP Roberto Beltrán, professor de gestão de conflitos da Universidade Técnica Particular de Loja.

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Ainda assim, outros países devem intervir para pedir um desescalada do conflito. Embora as relações diplomáticas não se restabeleçam imediatamente, é possível evitar uma escalada maior.

Repercussões econômicas

A ruptura com o México poderia levar o Equador a uma condenação regional ou geral. Isso afetaria consideravelmente a balança comercial do país com o México e provavelmente com outros países.

Tratativas pausadas. As negociações para um tratado de livre comércio entre México e Equador, requisito para que o país sul-americano possa ingressar na Aliança do Pacífico e, assim, ter acesso ao mercado asiático, já foram colocadas em "pausa", informou o Ministério das Relações Exteriores mexicano ontem.

Denúncia no Tribunal Internacional de Justiça

Após romper relações com o Equador, o presidente mexicano antecipou uma denúncia contra Quito na Corte Internacional de Justiça (CIJ), que será apresentada hoje, segundo seu governo.

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O Tribunal Internacional de Justiça é o mais alto órgão judicial das Nações Unidas. Fundado em 1945 com sede no Palácio da Paz, em Haia, nos Países Baixos, ele é responsável por julgar casos que envolvem Estados que compõem a ONU.

Invadir uma embaixada é — pelo menos na teoria do direito internacional — como invadir outro país. No entanto, o direito internacional não permite que um criminoso comum se refugie em uma embaixada. Sendo assim, o Equador pode argumentar que a embaixada mexicana deu abrigo a um criminoso comum, não a um perseguido político.

*Com AFP

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