'Aos 76 anos, processei meu país por aquecimento global e ganhei'
A antropóloga e ativista suíça Elisabeth Stern, 76, venceu, ao lado de 2 mil idosas, uma ação contra o governo suíço pela crise climática. Ela provou que a falta de iniciativas pelo clima na Suíça "prejudica sua saúde" e viola os direitos humanos —uma decisão histórica e que abre espaço para pressionar governos por ações contra o aquecimento global.
Essa mudança não aconteceu por uma resolução na ONU e não veio do parlamento europeu. Veio de um monte de mulheres idosas na Suíça. Isso por si só é alguma coisa.
Elisabeth Stern
Ao UOL, Elisabeth relata a conquista e narra sua trajetória como ativista climática.
Impacto da decisão
A decisão, de abril, tem efeito de longo prazo: revela o entendimento de que a Suíça deve proteger a saúde das mulheres idosas das consequências do aquecimento global. E considera que o governo violou esta obrigação por exercer uma política climática inadequada.
O julgamento abre jurisprudência em países membros do Conselho da Europa, a organização internacional à qual pertence o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, onde a ação tramitou. E coloca a emergência climática como uma questão de direitos humanos. Pessoalmente, para o grupo de idosas envolvido, não há previsão de indenização.
Essa vitória apoia uma mudança na lei ambiental. Mas são mudanças que estão por vir, não acontecerão do dia para a noite. Se serei beneficiada por isso, tenho minhas dúvidas. O que importa é que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos aceitou que a proteção do clima é um direito humano. E isso, esperançosamente, servirá para as próximas gerações.
Elisabeth Stern, ao UOL
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos não tem poder de punir governos que não cumprem suas decisões, mas o julgamento pode ser usado em processos nas cortes nacionais que peçam a responsabilização das autoridades que falham em seguir as determinações.
As 'Senhoras pelo Clima'
O grupo KlimaSeniorinnen (Senhoras pelo Clima, em tradução livre) que entrou com ação contra a Suíça começou por iniciativa do Greenpeace. "Só podemos entrar com ação contra o governo se somos pessoalmente afetados. Então, o Greenpeace, acompanhando a situação das mulheres mais velhas nas ondas de calor, começou apoiar o desenvolvimento do grupo em 2016."
No início, eram poucas mulheres —que não recebiam atenção. "Eram primeiro ativistas políticas, cerca de 60 pessoas. Hoje, somos mais de 2 mil. No começo, ninguém levava essas idosas a sério, riam da cara delas. Somos uma geração de mulheres que tivemos de viver sem alguns direitos, como o voto, então sabemos como é não ser levada a sério."
Hoje, o Senhoras pelo Clima é formado por mulheres com mais de 64 anos e longa trajetória no ativismo. "Quando as encontrei, pensei: 'elas são do meu tipo. Têm a minha idade'. Nós conseguimos nos entender facilmente. E isso dá uma coesão muito legal ao grupo."
São mulheres ativas durante toda a vida. Não é como se tivessem começado agora a reclamar do aumento de temperatura da Terra: elas estão lutando pelos direitos delas, sozinhas, como eu, há muitos anos. E isso dá uma sensação de estar em casa.
Elisabeth Stern
'Pensei que era algo por vir'
Elisabeth luta pelo clima há pelo menos três décadas —e tudo começou no Zimbábue. "Vivi 2 anos no Zimbabué. Um dia, em uma zona rural, um homem mais velho me mostrou o reservatório que enchia todo ano na época de chuva e não estava mais recebendo tanta água. 'Não chove há 3 anos, o tempo está mudando', ele me disse. Não falou sobre clima, até porque ninguém falava sobre isso naquela época, mas aquilo me marcou."
Newsletter
DE OLHO NO MUNDO
Os principais acontecimentos internacionais e uma curadoria do melhor da imprensa mundial, de segunda a sexta no seu email.
Quero receberPerceber que estamos vivendo uma emergência climática foi um processo lento. Quando me dei conta do problema no Zimbábue nos anos 1990, pensei que era algo que ainda estava por vir, e não que já estava acontecendo. Às vezes, tem dias em que me esqueço: olho para a neve nas montanhas e é tão lindo que só quero aproveitar a visão e não pensar sobre isso. Mas é claro que sempre tenho esse problema em mente. É difícil negar que estamos vivendo uma emergência climática.
Elisabeth Stern
'Há pessoas pagando com a vida'
Para a ativista, há desigualdades nos impactos dos danos climáticos. "Fico um pouco envergonhada quando minha vida é comparada com a da população indígena, por exemplo. Vivo em um país desenvolvido, com recursos financeiros. Alguém pode dizer que é ótimo que ganhamos essa ação [contra o governo da Suíça], mas há pessoas pagando por isso com suas vidas."
Ela lembra que um mesmo problema pode causar impactos diferentes. "Na Suíça, vemos as geleiras derretendo, mas com uma diferença muito grande que se ocorrer uma inundação, um suíço terá um seguro para reconstruir a casa dele. Em outros países, isso não acontece."
Acredito que os que mais sofrem com as mudanças climáticas são normalmente aqueles que menos contribuíram para esse problema. Não há justiça nisso.
Elisabeth Stern
Para ela, a vitória contra o governo suíço é só parte de um movimento que deve continuar. "Chamamos o governo a fazer algo, o que é uma medida drástica. Mas não tivemos escolha porque ninguém nos escutava."
Litigância climática
Depois da Suíça, o tema também será debatido por aqui, na OEA (Organização dos Estados Americanos). Em janeiro, Colômbia e Chile submeteram um pedido de opinião consultiva à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre a ligação entre emergência climática e direitos humanos.
Além de guiar um consenso sobre o tema, as audiências deverão pontuar os deveres dos países. Se a CIDH der um parecer favorável, isso servirá para embasar ações de litigância climática nos países pertencentes à OEA, como o Brasil.
A corte interamericana vai recolher opiniões de grupos de pesquisa e de entidades. Muitas delas entendem que o Acordo de Paris [tratado internacional sobre ações diante da emergência climática] tem o status de tratado de direitos humanos e seria supralegal -- ou seja, estaria acima das leis editadas por Congressos ou normativas de decretos presidenciais. Se a corte emitir um parecer nesse sentido, teremos mais uma fundamentação jurídica para argumentações que ligam os impactos das mudanças climáticas à violação de direitos humanos.
Juliana Chermont Pessoa Lopes, pesquisadora do Juma (grupo de pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno) e mestre em direito pela PUC-Rio
O clima é tema de ações na Justiça desde 1990, mas o movimento tem ganhado força nos últimos anos. A litigância climática —-conjunto de ações que tramitam no Judiciário e abordam o clima como tema central— começou nos EUA e na Austrália, primeiramente com o objetivo de estabelecer regulamentos ambientais.
Agora, as ações começam a relacionar a preservação do meio ambiente como uma maneira de garantir direitos humanos. No Brasil, a maior parte das ações são de mitigação de danos, mas o debate está sendo ampliado.
O que se discute hoje é uma tese de responsabilidade civil do dano climático. Quando alguém desmata uma área em desconformidade com a legislação ambiental, também está causando impacto para o clima por emitir gases de efeito estufa.
Juliana Chermont Pessoa Lopes
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.