Voto dos católicos nunca foi tão importante nas eleições americanas

David Alandete

Em Cincinnati (EUA)

Em poucas ocasiões Roma teve tanta influência em uma campanha eleitoral americana. É verdade que em 1960 John Kennedy se transformou no primeiro presidente católico dos EUA. Mas até estas eleições as bases católicas nunca tinham sido tão ativas, nem se haviam dividido tanto na defesa ou rejeição da ortodoxia vaticana.   

Eleições 2012 nos EUA
Eleições 2012 nos EUA

Os aspirantes a vice-presidente são ambos católicos e ilustram perfeitamente essa divisão. Joe Biden, democrata, defende o direito à interrupção da gravidez e ao casamento gay.  

Seu adversário, Paul Ryan, que foi coroinha quando criança, é protegido por alguns bispos, apesar de sua defesa de cortes nos programas de ajuda social.

Nos EUA há 77 milhões de católicos. Nem todos comungam com seus bispos. "Minha fé católica me diz que os mandamentos de Deus se resumem a dois: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo", explica Mike Harnon, 71, advogado aposentado que protesta antes de um comício de Paul Ryan em Cincinnati. "Não creio que devamos nos transformar em juízes morais de nada. Não vejo, por exemplo, em que parte da Bíblia Jesus Cristo trata do assunto dos gays. E é um fato que a reforma da saúde de Barack Obama, ao dar mais opções às mulheres, reduzirá o número de abortos. Por tudo isso, como católico sinto-me mais perto de Biden."

Harnon representa a maioria dos católicos dos EUA. Segundo uma recente pesquisa do Centro de Estudos Pew, 51% deles se identificam como democratas, contra 39% que afirmam ser republicanos. Além disso, 48% consideram que o aborto deveria ser legal, contra 45% que opinam o contrário. Outra pesquisa, da Gallup, afirma que 82% dos católicos creem que os anticoncepcionais são "moralmente aceitáveis". Finalmente, 43% consideram que o casamento gay deveria ser legal, segundo outra pesquisa, do Instituto Público de Pesquisas de Religião.

Outros católicos, um grupo menor, consideram que a reforma da saúde aprovada por Obama em 2010 atenta contra a liberdade religiosa, pois obriga que as apólices de seguros-saúde cubram métodos anticoncepcionais. A Conferência dos Bispos americanos se opôs a essa reforma e reclamou contra ela do púlpito. Esses católicos se alinham politicamente com o protestantismo mais puritano e apoiaram em seu nascimento o movimento ultraconservador Tea Party. Nesses esforços são apoiados por vários padres afiliados à Opus Dei, que operam no Centro de Informação Católica de Washington.

Entre esses católicos da linha-dura, as lealdades não estão tanto com Romney, que é mórmon, como com seu número 2, Ryan. E antes de Ryan estavam com um ex-senador que se apresentou nas primárias republicanas e perdeu. "Como católico, eu gostava de Rick Santorum", explica Larry Rosenbeck, outro eleitor de Ohio, de 66 anos. "Ele representava os católicos e protestantes que sentimos que estão nos roubando as bases cristãs desta sociedade. Ao ver as posições de Obama quanto ao aborto, ao casamento gay e outros assuntos sociais, sinto vergonha de ter que admitir que é nosso presidente. É uma vergonha em todos os sentidos. Quer até tirar Cristo do Natal."

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As igrejas nos EUA não podem apoiar abertamente um candidato ou outro se quiserem desfrutar da isenção de impostos. Em abril, a Conferência Episcopal enviou uma carta ao Congresso na qual criticava o orçamento de austeridade proposto pelo próprio Ryan, e pedia a todos os congressistas que "resistam por razões morais e humanas a aprovar cortes inaceitáveis nos programas de alimentação e contra a fome". Ia contra a doutrina católica o ímpeto de cortes de Ryan? Talvez. Mas melhor isso que as heterodoxias de outros católicos, como o vice-presidente Biden.  

Por via das dúvidas, quando Ryan foi eleito nº 2 de Romney, em agosto, o arcebispo de sua diocese em Washington, Paul Morlino, enviou uma carta pastoral a seus fiéis na qual defendia o bom nome do legislador e o definia como "um bom irmão na fé". "Aqueles assuntos em que não há males intrínsecos, as opções e estratégias políticas específicas cabem às missões laicas católicas", escreveu Morlino. Queria dizer que para alguns bispos dos EUA é mais importante proibir o aborto ou o casamento gay que os cortes draconianos que a direita defende.

O grosso das bases católicas, porém, não demonstrou tanta tolerância para com as políticas de austeridade extrema de Ryan. A irmã Simone Campbell, que preside o lobby de justiça social Network, dedicou os últimos meses a percorrer os EUA de ônibus, com outras freiras, explicando aos eleitores os males do orçamento de Ryan e como o legislador respeita pouco o catecismo. "As propostas do congressista Ryan não passam no exame moral mais básico em matéria de doutrina católica", explica a freira. "Ryan acredita que o catecismo ensina individualismo, e não é verdade. Os evangelhos transmitem a ideia de comunidade, de grupo, de solidariedade." São duas visões afiliadas a uma mesma fé, mas separadas por abismos de ideologia política.   

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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