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Imagens mostram avanço do garimpo ilegal na Amazônia em 2019

João Fellet e Camilla Costa

Da BBC News Brasil em São Paulo e Londres

25/07/2019 06h43

Imagens de satélite analisadas pela BBC News Brasil revelam uma expansão recente nos focos de garimpo ilegal em terras indígenas da Amazônia ocorrida desde janeiro deste ano.

Indígenas e ambientalistas atribuem o avanço - verificado em diferentes pontos do Pará e de Roraima - a declarações do presidente Jair Bolsonaro em favor da exploração mineral em terras indígenas e ao que consideram um afrouxamento do combate a crimes ambientais pelo governo.

O crescimento dos focos de garimpo ocorre num momento em que o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostra uma alta nos índices de destruição na Amazônia e tem seu trabalho contestado pelo presidente, para quem a divulgação de dados de desmatamento pode prejudicar o país em negociações internacionais.

As imagens avaliadas pela BBC são da Planet Labs, empresa americana que mantém mais de cem satélites em órbita e fazem fotografias diárias de todo o globo.

A atividade foi monitorada em três das terras indígenas brasileiras que mais sofrem com garimpos ilegais de ouro: a Kayapó, a Munduruku (ambas no Pará) e a Yanomami (em Roraima e no Amazonas). Somados, os três territórios ocupam uma área equivalente à do Estado de São Paulo e abrigam alguns dos trechos mais preservados da Amazônia brasileira.

A BBC comparou fotos de garimpos - identificados pela BBC ou por grupos que monitoram a atividade - feitas no início do ano e nas últimas semanas. Nos três territórios monitorados houve um aumento das manchas que indicam a ação de garimpeiros. O fenômeno ocorreu tanto em garimpos antigos, alguns criados há mais de uma década, quanto em garimpos recentes.

Uma ferramenta permite contrastar as fotografias, arrastando para a direita ou para a esquerda as setas no centro da imagem. As diferenças na coloração das imagens se devem a fatores climáticos ou ao uso de fotos feitas por satélites diferentes, com graus distintos de resolução.

As fotografias foram enviadas a dois especialistas em imagens de satélite: o geólogo Carlos Souza Jr., do Imazon, e o geógrafo Marcos Reis Rosa, da Arcplan. Ambos confirmaram se tratar de focos de garimpo em expansão. Algumas frentes de garimpo retratadas ocupam áreas tão extensas quanto dezenas de campos de futebol.

Procurados pela BBC, o Ministério do Meio Ambiente, a Funai e a Polícia Federal não se pronunciaram sobre o avanço da atividade nem sobre as críticas à atuação dos órgãos até a publicação da reportagem.

Ouro yanomami

Em junho, a BBC publicou uma reportagem mostrando que o ouro se tornou em 2019 o segundo produto mais exportado por Roraima, embora o Estado não tenha nenhuma mina operando legalmente.

Autoridades investigam se o metal vem sendo extraído ilegalmente do território yanomami, onde, segundo indígenas, ao menos 10 mil garimpeiros estariam operando atualmente.

Coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sonia Guajajara diz que indígenas de diferentes partes da Amazônia têm relatado "um aumento absurdo nas invasões" de garimpeiros desde o início do governo Bolsonaro.

Ela afirma que declarações do presidente em defesa da extração de minérios em terras indígenas estão estimulando os garimpeiros. Enquanto era deputado federal e quando concorria à Presidência, Bolsonaro disse várias vezes ser favorável à exploração econômica desses territórios para melhorar as condições de vida das comunidades indígenas.

Em abril, ao receber um grupo de indígenas de Roraima favoráveis à mineração, o presidente afirmou que "o índio não pode continuar sendo pobre em cima de terra rica".

A Constituição de 1988 prevê a exploração mineral em terras indígenas desde que ela seja regulamentada por leis específicas. Como as leis jamais foram aprovadas, a atividade é ilegal.

Desde 1996, tramita no Congresso um projeto de lei para regulamentar a mineração em terras indígenas, proposto pelo então senador Romero Jucá (MDB-RR). O governo Bolsonaro tenta agora destravar a pauta.

Segundo Sônia Guajajara, porém, a grande maioria das comunidades indígenas brasileiras é contrária à regulamentação da atividade por temer seus impactos sociais e ambientais.

No fim de 2018, a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg), que reúne oito ONGs ambientalistas latino-americanas, publicou um relatório sobre ameaças à Amazônia. O documento identificou garimpos ilegais em 18 terras indígenas no Brasil.

Em alguns territórios, balsas reviram o leito dos rios em busca de metais preciosos. Em outros, além das balsas, há frentes de garimpo com escala quase industrial, onde retroescavadeiras e dragas cavam crateras na mata. É o caso de boa parte dos garimpos da região do Tapajós, no Pará, onde imagens de satélite mostram grandes "cicatrizes" abertas na floresta. .

Além da derrubada de árvores, a atividade provoca assoreamento de rios, desvia cursos fluviais e cria lagos artificiais que servem como criatórios de mosquitos. Não por acaso, a malária é comum em zonas de garimpo na Amazônia.

Em algumas áreas reviradas pelas máquinas, os danos são permanentes, sem possibilidade de regeneração completa.

Outro problema é a poluição com mercúrio, usado por garimpeiros para facilitar a aglutinação de grãos de ouro. Quando despejado nos rios, o mercúrio contamina peixes e quem se alimenta deles, alojando-se em toda a cadeia alimentar.

A intoxicação pela substância pode provocar danos neurológicos e malformação em bebês. Em 2016, um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Socioambiental (ISA) revelou que, em algumas aldeias yanomami, o índice de pessoas contaminadas por mercúrio chega a 92%.

O garimpo também é associado ao aumento de conflitos, de prostituição e de doenças nas áreas indígenas onde se instala.

Em maio, o líder yanomami Davi Kopenawa afirmou em uma conferência sobre mudanças climáticas na Universidade Harvard (EUA) que Bolsonaro quer "que os garimpeiros continuem até estragar nossos rios".

"Queria que o governo tomasse as providências para a retirada dos invasores do garimpo da terra demarcada e homologada", afirmou.

Fragilização dos órgãos ambientais

Para o engenheiro florestal Paulo Barreto, pesquisador associado do Imazon, o desmatamento na Amazônia tem sido estimulado não só pelas declarações de Bolsonaro, mas também pela fragilização dos órgãos fiscalizatórios.

"Criou-se um clima de vale tudo, e as pessoas acham que não serão punidas se desmatarem", ele afirma à BBC.

Por ordem do ministro do Meio Ambientel, Ricardo Salles, o orçamento anual do Ibama - principal agência ambiental federal - foi reduzido em R$ 89 milhões neste ano, um quarto do valor total.

Salles diz que a redução foi um contigenciamento (suspensão temporária) exigida de vários órgãos do governo, e que o Ibama está remanejando recursos para não prejudicar suas operações em campo.

Em entrevistas, o ministro tem rejeitado a avaliação de que houve um afrouxamento no combate a crimes ambientais.

Para ambientalistas, porém, Salles vem minando o órgão não só com cortes, mas também com seus posicionamentos. No início de julho, madeireiros incendiaram um caminhão-tanque do Ibama em Rondônia. Duas semanas depois, o ministro viajou ao Estado e se reuniu com madeireiros, a quem chamou de "pessoas de bem que trabalham neste país".

"O que acontece hoje no Brasil, infelizmente, é o resultado de anos e anos e anos de uma política pública da produção de leis, regras, de regulamentos que nem sempre guardam relação com o mundo real", disse Salles na reunião, segundo a Folha de S. Paulo. "O que estamos fazendo agora é justamente aproximar a parte legal do mundo real que acontece em todo o país de norte a sul."

Bolsonaro já se queixou várias vezes do Ibama e se comprometeu a acabar com o que considera uma "indústria da multa" promovida pelo órgão.

Em 2012, o próprio Bolsonaro foi multado em R$ 10 mil pelo Ibama por pescar em uma área de proteção ambiental em Angra dos Reis (RJ). A multa foi anulada em dezembro de 2018, poucos dias antes de Bolsonaro assumir a Presidência.

Nesta semana, o presidente voltou a ser criticado por ambientalistas ao contestar práticas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão federal responsável por monitorar o desmatamento na Amazônia.

Segundo Bolsonaro, a divulgação de informações pelo órgão pode dificultar negociações do Brasil com outros países - como as relacionadas ao acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Líderes europeus têm expressado preocupação quanto ao aumento do desmatamento no Brasil e às ações de Bolsonaro no setor ambiental.

Em abril, uma carta publicada na revista Nature e assinada por 607 cientistas e duas organizações indígenas criticou o governo Bolsonaro por "trabalhar no sentido de desmantelar as políticas contra o desmatamento". Segundo o documento, "a nova administração do Brasil ameaça direitos dos indígenas e as áreas naturais que eles protegem".

Aumento do desmatamento

Algumas semanas antes da crítica de Bolsonaro ao Inpe, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general Augusto Heleno, disse que os índices de desmatamento da Amazônia são "manipulados".

No início do mês, o Inpe divulgou que houve um aumento de 88% no índice de desmatamento da Amazônia em junho em comparação com o mesmo mês de 2018.

Um porta-voz do órgão associou o resultado ao aumento nas grilagens de terra e nas atividades agrícolas e minerárias na região.