Por que política ambiental de Bolsonaro afasta ajuda financeira internacional?
Pressionado globalmente a reduzir o desmatamento da Amazônia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) adotou uma estratégia de contra-ataque para participar nesta quinta-feira (22) da Cúpula de Líderes sobre o clima: cobrar dos países ricos apoio financeiro para a preservação ambiental no Brasil.
Para o governo brasileiro, as nações desenvolvidas, sendo as maiores responsáveis pela emissão de carbono e o aquecimento global, têm obrigação de contribuir com a proteção da floresta e a viabilização de iniciativas de desenvolvimento que gerem renda para a população da Amazônia.
No entanto, após dois anos de gestão Bolsonaro, com avanço constante da destruição da floresta, os países ricos não estão dispostos a assinar um "cheque em branco" para o governo brasileiro. A exigência é que o Brasil mostre primeiro resultados concretos de redução do desmatamento, para, num segundo momento, se discutir apoio financeiro.
Esse debate deve ser central na cúpula do clima —um encontro virtual de dois dias promovido pelo presidente americano, Joe Biden, com líderes de 40 países. O evento, que começa na quinta (22), visa recolocar os Estados Unidos como líder da agenda ambiental, após o presidente anterior, Donald Trump, abandonar essa pauta.
A Casa Branca promete anunciar na cúpula novas metas ambiciosas para sua redução da emissão de carbono na atmosfera, com objetivo de conter o aquecimento global, e querem que outras nações façam o mesmo.
O objetivo é ampliar os compromissos firmados no Acordo de Paris, em que 196 países se comprometeram com medidas para evitar que a temperatura do planeta se eleve em 1,5º C em cem anos —meta que ainda está distante de ser cumprida, considerando a evolução atual das emissões globais.
No caso do Brasil, cuja principal fonte de emissão é a destruição da floresta, o governo respondeu à pressão em uma carta recente à Casa Branca prometendo zerar o desmatamento ilegal até 2030 e sinalizando com a possibilidade de antecipar de 2060 para 2050 o compromisso do país de alcançar a neutralidade climática (quando as emissões restantes após a redução são totalmente compensadas com medidas ambientais).
No entanto, na carta, o governo repete três vezes que, para alcançar esses objetivos, depende de "recursos financeiros vultosos", cobrando apoio da comunidade internacional.
"Ao sublinhar a ambição das metas que assumimos, vejo-me na contingência de salientar, uma vez mais, a necessidade de obter o adequado apoio da comunidade internacional, na escala, volume e velocidade compatíveis com a magnitude e a urgência dos desafios a serem enfrentados", conclui a carta, sem detalhar qual seria a quantidade de dinheiro desejada.
Na semana passada, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, traduziu em números a ambição do Brasil junto à comunidade internacional. Segundo ele, o governo promete reduzir o desmatamento da Amazônia entre 30% e 40% em um ano se o Brasil receber US$ 1 bilhão (aproximadamente R$ 5,7 bilhões).
A previsão é que Bolsonaro fará um discurso de cerca de três minutos na primeira sessão da cúpula, na quinta-feira de manhã. A expectativa é que sua fala siga o tom da carta e que o presidente também anuncie genericamente mais recursos para órgãos de proteção ambiental, como Ibama e ICMBio, na tentativa de enviar um sinal concreto de compromisso com a proteção ambiental no curto prazo.
O enviado especial do Clima do governo dos Estados Unidos, John Kerry, reagiu à correspondência de Bolsonaro enfatizando a necessidade de medidas concretas.
"O compromisso do presidente Jair Bolsonaro de eliminar o desmatamento ilegal é importante. Esperamos ações imediatas e engajamento com as populações indígenas e a sociedade civil para que este anúncio possa gerar resultados tangíveis", disse, em sua conta no Twitter, na sexta-feira.
Dados preliminares indicam desmatamento em aceleração
Segundo interlocutores do governo americano, o que a Casa Branca gostaria de ver como "resultados tangíveis" é a redução do desmatamento ainda este ano.
A medição anual da destruição da floresta realizada pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) se dá entre agosto do ano anterior e julho do ano corrente, o que deixa um espaço de poucos meses para uma reversão da alta no desmate.
Levantamento preliminar feito pelo Instituto Imazon registrou em março a maior taxa de destruição da Amazônia para aquele mês em dez anos. Foram 810 quilômetros quadrados de floresta desmatada, alta de 216% na comparação com março de 2020.
O governo Bolsonaro argumenta que o desmatamento tem crescido quase continuamente desde 2012, ainda no governo Dilma Rousseff. Críticos de sua gestão ressaltam que o problema se agravou nos últimos dois anos.
Segundo o Inpe, a destruição da Amazônia somou 10.129 quilômetros quadrados entre agosto de 2018 e julho de 2019, ultrapassando a marca de dez mil quilômetros quadrados pela primeira vez desde 2008. Já no ano seguinte, o desmatamento teve nova alta, de 9,5%, para 11.088 quadrados quadrados.
Para Carlos Rittl, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados em Sustentabilidade de Postdam, na Alemanha, esse aumento reflete medidas concretas do governo Bolsonaro que favoreceram o desmatamento, como redução de operações dos órgãos de proteção ambiental e a tolerância com atividades ilegais, como garimpo em terras indígenas e extração não autorizada de madeira.
O presidente proibiu, por exemplo, que órgãos como o Ibama destruíssem maquinário apreendido de pessoas que estivessem derrubando floresta ilegalmente.
Já na última semana a Polícia Federal abriu uma investigação contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para apurar sua atuação a favor de madeireiros, após ele agir para tentar liberar 43.700 toras de madeiras retidas pela PF na maior apreensão contra a extração ilegal já realizada no Brasil.
Depois disso, o governo decidiu trocar o comando da Superintendência da Polícia Federal no Amazonas, removendo o delegado Alexandre Saraiva, responsável pela operação e pela abertura da investigação contra Salles.
É por atitudes como essa, diz Rittl, que o Brasil terá dificuldade em conseguir dinheiro estrangeiro. "Os números que o governo tem para mostrar em matéria de meio ambiente são péssimos, são terríveis. Se você quer construir uma relação de parceria com outros governos, ainda mais em se tratando de financiamento, você precisa de credibilidade e precisa demonstrar que é merecedor de confiança", ressalta o pesquisador.
Sem confiança também de ambientalistas e lideranças indígenas dentro do Brasil, Bolsonaro tem enfrentado até mesmo oposição doméstica a sua demanda por apoio financeiro. No início de abril, 199 entidades da sociedade civil enviaram ao presidente americano uma carta se opondo a qualquer acordo dos EUA com o governo brasileiro.
Entre os signatários estão a Apib (Associação dos Povos Indígenas do Brasil), a CUT (Central Única dos Trabalhadores), o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o movimento 342Amazonia, a Frente Favela Brasil, a Fundação Tide Setubal e as ONGs Conectas e Greenpeace Brasil.
"Nenhuma tratativa deve ser considerada antes da redução do desmatamento aos níveis exigidos pela legislação brasileira de clima e o fim da agenda de retrocessos encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional. Negociar com Bolsonaro não é o mesmo que ajudar o Brasil a solucionar seus problemas atuais", diz o texto.
Para Carlos Rittl, é difícil confiar no compromisso de Bolsonaro com a redução de desmatamento, na medida que suas propostas vão no sentido contrário. Ele lembra que o presidente tenta aprovar no Congresso a legalização da mineração dentro de territórios indígenas e a flexibilização das regras de licenciamento ambiental.
Além disso, o próprio governo anunciou nos últimos meses metas ambientais mais frouxas.
Enquanto a Casa Branca pretende anunciar na cúpula um aumento no seu objetivo de redução das emissões de carbono, o Brasil divulgou em dezembro sua revisão das metas firmadas no Acordo de Paris que, na prática, significa uma compromisso de corte menor.
Isso porque o governo Bolsonaro manteve a previsão de reduzir em 43% suas emissões de gases-estufa de 2005 a 2030, mas elevou sua estimativa de qual o patamar de emissões em que esse corte incide.
Com isso, o Brasil poderá emitir mais de 300 milhões de toneladas de carbono e ainda assim cumprir a meta, segundo estimativa de cientistas das universidades federais de Minas Gerais e do Rio de Janeiro (UFMG e UFRJ). Isso significaria que o compromisso seria alcançado mesmo com um desmatamento anual superior a 13.000 quilômetros quadrados na Amazônia.
Brasil já recebeu recursos externos que estão parados
Enquanto o governo Bolsonaro insiste por recursos externos para preservação, o Brasil tem R$ 2,9 bilhões repassado por Noruega e Alemanha parados desde 2019 no Fundo Amazônia, segundo o Observatório do Clima.
Além do aumento do desmatamento, o estopim para o congelamento dos recursos aconteceu depois que o Brasil fez mudanças na estrutura de administração do fundo sem ouvir os dois países. Na ocasião, o governo Bolsonaro decidiu pela extinção do comitê orientador do Fundo Amazônia, criado para estabelecer critérios de aplicação do dinheiro na floresta.
Em nota enviada à BBC News Brasil, o ministro do Meio Ambiente da Noruega, Sveinung Rotevatn, reagiu ao pedido de recursos do governo brasileiro cobrando entrega de resultados.
"A Noruega e outros países enfatizaram em conversas recentes com o Brasil que a comunidade internacional está preparada para aumentar o financiamento ao Brasil assim que o Brasil apresentar resultados na redução do desmatamento. Diminuir o desmatamento no curto prazo é uma questão de vontade política, não de falta de financiamento adiantado", disse ele.
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