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Os efeitos alarmantes das mudanças climáticas sobre o mundo, segundo novo relatório da ONU

Aquecimento causado por humanos causou danos irreparáveis à Terra que podem piorar nas próximas décadas - Reuters
Aquecimento causado por humanos causou danos irreparáveis à Terra que podem piorar nas próximas décadas Imagem: Reuters

Matt McGrath

Da BBC

09/08/2021 10h05Atualizada em 09/08/2021 10h38

O impacto adverso da humanidade sobre o clima é a "constatação de um fato", declaram cientistas da ONU (Organização das Nações Unidas) em um estudo histórico.

O relatório diz que as emissões contínuas de gases do efeito estufa podem romper um importante limite de temperatura em pouco mais de uma década.

Os autores também mostram que um aumento do nível do mar de cerca de dois metros até o final deste século "não pode ser descartado".

Mas há uma nova esperança de que reduções profundas nas emissões de gases de efeito estufa possam estabilizar o aumento das temperaturas.

Essa avaliação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) está em um documento de 42 páginas conhecido como Sumário para os Formuladores de Políticas.

É o primeiro de uma série de relatórios que serão publicados nos próximos meses. Também é a primeira grande revisão da ciência das mudanças climáticas desde 2013.

Seu lançamento ocorre menos de três meses antes de uma importante cúpula do clima em Glasgow, na Escócia: a COP-26.

"O Relatório do Grupo de Trabalho 1 do IPCC de hoje é um 'alerta vermelho' para a humanidade", disse o secretário-geral da ONU, António Guterres.

"Se unirmos forças agora, podemos evitar a catástrofe climática. Mas, como o relatório de hoje deixa claro, não há tempo para delongas e nem espaço para desculpas. Conto com os líderes do governo e todas as partes interessadas para garantir que a COP-26 seja um sucesso."

Em um tom forte e seguro, o documento do IPCC afirma "é inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, os oceanos e o solo".

De acordo com um dos autores do relatório, o professor Ed Hawkins, da University of Reading, no Reino Unido, os cientistas não podiam ser mais claros neste ponto.

"É uma constatação de um fato, não tem como ter mais certeza. É inequívoco e indiscutível que os humanos estão esquentando o planeta."

O relatório aponta que incêndios florestais devem aumentar em muitas regiões; na foto, um incêndio no norte da Inglaterra, em 2018 - EPA - EPA
O relatório aponta que incêndios florestais devem aumentar em muitas regiões; na foto, um incêndio no norte da Inglaterra, em 2018
Imagem: EPA

"Usando termos esportivos, pode-se dizer que a atmosfera foi exposta ao doping, o que significa que começamos a observar extremos com mais frequência do que antes", disse Petteri Taalas, secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial.

Os autores dizem que desde 1970, as temperaturas da superfície global aumentaram mais rápido do que em qualquer outro período de 50 anos nos últimos 2 mil anos.

Esse aquecimento "já está causando muitos extremos climáticos em todas as regiões do globo".

Quer sejam ondas de calor como as vistas recentemente na Grécia e no oeste da América do Norte, ou inundações como as da Alemanha e da China, "sua atribuição à influência humana se fortaleceu" na última década.

Fatos-chave do relatório do IPCC

  • A temperatura da superfície global foi 1,09 ºC mais alta na década entre 2011-2020 do que entre 1850-1900;
  • Os últimos cinco anos foram os mais quentes já registrados desde 1850;
  • A recente taxa de aumento do nível do mar quase triplicou em comparação com o período entre 1901-1971;
  • A influência humana é "muito provavelmente" (90%) o principal impulsionador do derretimento global das geleiras desde a década de 1990 e da diminuição do gelo marinho do Ártico;
  • É "praticamente certo" que extremos de calor, incluindo ondas de calor, tornaram-se mais frequentes e mais intensos desde a década de 1950, enquanto os eventos frios se tornaram menos frequentes e menos graves.

O novo relatório também deixa claro que o aquecimento que experimentamos até agora provocou mudanças irreversíveis em escalas de tempo de séculos a milênios em muitos de nossos sistemas de suporte planetários.

Os oceanos continuarão a aquecer e se tornar mais ácidos. As geleiras montanhosas e polares continuarão derretendo por décadas ou séculos.

"As consequências continuarão a piorar a cada pequeno aquecimento", diz Hawkins.

"E para muitas dessas consequências, não há como voltar atrás."

Quando se trata do aumento do nível do mar, os cientistas modelaram uma faixa provável para diferentes níveis de emissões.

Mas um aumento de cerca de dois metros até o final deste século não pode ser descartado. Nem mesmo um aumento de cinco metros até 2150.

Esses resultados, embora improváveis, ameaçariam com inundações muitos milhões a mais de pessoas nas áreas costeiras até 2100.

Um aspecto fundamental do relatório é a taxa esperada de aumento da temperatura e o que isso significa para a segurança da humanidade.

Quase todas as nações da Terra assinaram os objetivos do Acordo climático de Paris em 2015, inclusive o Brasil.

Este pacto visa a manter o aumento das temperaturas globais bem abaixo de 2 °C neste século e buscar esforços para mantê-lo abaixo de 1,5 °C.

O novo relatório diz que em todos os cenários de emissões considerados pelos cientistas, ambas as metas serão descumpridas neste século a menos que grandes reduções de emissões de carbono ocorram.

Os autores acreditam que um aumento de 1,5 °C será alcançado até 2040 em todos os cenários. Se as emissões não forem reduzidas nos próximos anos, isso acontecerá ainda mais cedo.

Isso foi previsto no relatório especial do IPCC em 2018 e este novo estudo agora o confirma a previsão.

"Alcançaremos um grau e meio [de aumento] anualmente muito antes. Já atingimos durante dois meses no El Niño em 2016", disse o professor Malte Meinshausen, um dos autores do relatório do IPCC da Universidade de Melbourne, na Austrália.

"A melhor estimativa do novo relatório é que isso aconteça em meados de 2034, mas a incerteza é enorme e varia entre agora e nunca."

As consequências de superar 1,5 °C num período de anos seriam indesejáveis. O mundo já experimentou um rápido aumento em eventos extremos por causa de um aumento de temperatura de 1,1 °C desde os tempos pré-industriais.

O que é o IPCC?

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas é um órgão da ONU criado em 1988 para avaliar a ciência em torno das mudanças climáticas.

O grupo fornece aos governos informações científicas que eles podem usar para desenvolver políticas sobre o aquecimento global.

O primeiro de seus relatórios de avaliação abrangentes sobre as mudanças climáticas foi lançado em 1992. O sexto desta série será dividido em quatro volumes. O novo relatório — de cientistas do Grupo de Trabalho 1 do IPCC — é o primeiro desses volumes a ser lançado.

"Veremos ondas de calor ainda mais intensas e frequentes", disse outro dos autores do relatório do IPCC, Friederike Otto, da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

"Também veremos um aumento nos eventos de fortes chuvas em escala global, além de mais tipos de secas em algumas regiões do mundo".

"O relatório mostra claramente que já estamos vivendo as consequências das mudanças climáticas em todos os lugares. Mas vamos experimentar mudanças adicionais e simultâneas que aumentam a cada nível maior de aquecimento", disse a professora Carolina Vera, vice-presidente do grupo de trabalho que produziu o documento.

Então, o que pode ser feito?

Embora este relatório seja mais claro e seguro sobre as desvantagens do aquecimento, os cientistas estão mais esperançosos de que, se pudermos cortar as emissões globais de gases do efeito estufa pela metade até 2030 e zerar as emissões líquidas em meados deste século, poderemos interromper e possivelmente reverter o aumento de temperaturas.

Zerar as emissões líquidas envolve a redução das emissões de gases de efeito estufa tanto quanto possível usando tecnologia limpa e, em seguida, enterrando quaisquer liberações restantes usando a captura e armazenamento de carbono, ou absorvendo-as com o plantio de árvores.

O presidente da COP-26, Alok Sharma, em visita à Bolívia - EPA - EPA
O presidente da COP-26, Alok Sharma, em visita à Bolívia
Imagem: EPA

"A ideia anterior era que poderíamos obter temperaturas maiores mesmo após zerar as emissões líquidas", diz outro coautor, Piers Forster, da Universidade de Leeds, no Reino Unido.

"Mas agora esperamos que a natureza seja gentil conosco e se formos capazes de atingir o zero líquido, esperamos não obter nenhum aumento adicional de temperatura. Deveríamos eventualmente ser capazes de reverter parte desse aumento de temperatura e resfriá-la um pouco."

Embora as projeções futuras de aquecimento sejam mais claras do que nunca neste relatório e muitos impactos simplesmente não possam ser evitados, os autores alertam contra o fatalismo.

"Reduzir o aquecimento global realmente minimiza a probabilidade de atingirmos esses pontos de inflexão", diz Otto, da Universidade de Oxford. "Não estamos condenados."

Um ponto de inflexão ou uma limiar de controle se refere a quando parte do sistema climático da Terra sofre uma mudança abrupta em resposta a seu aquecimento contínuo.

Para os líderes políticos, o relatório é mais um em uma longa história de alertas. Com a aproximação da cúpula do clima COP-26 de novembro, ela ganha um peso maior.

Cinco impactos futuros

  • Em todos os cenários de emissões, as temperaturas chegarão, em 2040, 1,5 °C acima dos níveis de 1850-1900;
  • É provável que o Ártico esteja praticamente sem gelo em um setembro, pelo menos em uma ocasião antes de 2050 em todos os cenários avaliados;
  • Alguns eventos extremos "sem precedentes no registro histórico" acontecerão com mais frequência com o aquecimento de 1,5 °C;
  • Eventos extremos relacionados ao nível do mar que ocorreram uma vez por século no passado recente devem ocorrer pelo menos anualmente em mais da metade dos locais onde há medição de marés até 2100;
  • Provavelmente haverá aumentos de incêndios florestais em muitas regiões.