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Salles questiona eficácia de fundo bilionário para preservação da Amazônia

14.jan.2019 - O Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em evento do Secovi-SP - Marcelo Chello/Estadão Conteúdo
14.jan.2019 - O Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em evento do Secovi-SP Imagem: Marcelo Chello/Estadão Conteúdo

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

17/05/2019 12h38Atualizada em 17/05/2019 20h29

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (Novo), questionou hoje em São Paulo a eficácia dos projetos do Fundo Amazônia para o combate ao desmatamento. Bancado por doações da Noruega, Alemanha e Petrobras, o fundo é gerido pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e já destinou R$ 1,8 bilhão em dez anos para iniciativas tocadas por entes públicos e do terceiro setor.

Salles reconheceu que o fundo ajudou a "reduzir ou segurar" em algum grau o desmatamento na Amazônia, mas disse também que não há "nenhum indicativo" que leve a essa conclusão. "Essa correlação vai ter que ser construída", afirmou.

O último relatório anual do Fundo Amazônia, referente a 2017, diz que o monitoramento dos indicadores regionais relacionados à ação do fundo mostraram uma redução de 11% da taxa de desmatamento na Amazônia Legal entre 2009 e 2017. A Amazônia Legal compreende todos os estados da região Norte, mais Mato Grosso e parte do Maranhão.

Segundo o relatório, os indicadores regionais monitorados "se relacionam com as políticas públicas para as quais visa contribuir por meio dos projetos que apoia". Um deles é o desmatamento anual na Amazônia Legal, medido pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

"Pela análise do indicador 'Desmatamento anual na Amazônia Legal', conclui-se, portanto, que o objetivo geral do Fundo Amazônia (redução do desmatamento com desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal) vem sendo atingido no que tange à dimensão de redução do desmatamento, quando comparada à média do desmatamento anual no período de 2010 a 2017 com a taxa de desmatamento de 2009 (uma redução de 17%). E ainda, quando se compara a taxa medida em 2017 com a taxa verificada em 2009, constata-se que houve uma redução de 11%", diz o documento.

Segundo o ministro, no entanto, não há indicadores que permitam fazer tal afirmação. Para ele, "entender que houve um resultado direto é interpretativo".

Ministro quer análise de contratos

As declarações de Salles foram dadas em entrevista coletiva na qual o ministro também listou contratos de projetos do Fundo Amazônia que, segundo ele, merecem uma "análise mais rigorosa" por apresentarem "indicativos de disfuncionalidades."

Salles evitou falar em irregularidades. Disse que os contratos questionados --um quarto dos 103 projetos apoiados ao longo da história do fundo-- serão encaminhados para a CGU (Controladoria-Geral da União), o TCU (Tribunal de Contas da União) e o BNDES.

O ministro não citou quais são os contratos, nem os contratados, mas afirmou que a análise foi feita com contratos com entidades do terceiro setor e "por amostragem". Os projetos do terceiro setor bancados pelo Fundo Amazônia estão concentrados na região da Amazônia Legal, com foco no desenvolvimento sustentável de assentamentos, terras indígenas e unidades de conservação. Alguns dos problemas citados pelo ministro nos contratos foram:

  • Alto percentual de contratos sem licitação (82% nos contratos analisados)
  • Falta de comprovação das atividades
  • Folhas de pagamento que consomem a maior parte do valor dos contratos
  • Prestações de contas incompletas
  • Contratos com entidades impedidas de fechar contratos com o Estado

Para Salles, é necessário "melhorar as escolhas e contratações" feitas pelo fundo, cujos projetos "não conversam entre si" e teriam "objetivos pouco mensuráveis". O ministro sugeriu que os recursos sejam destinados a "temas tangíveis" como monitoramento e resultados das operações de fiscalização.

O TCU realizou uma auditoria no Fundo Amazônia no ano passado, a pedido do Congresso, para "verificar a conformidade na gestão dos recursos". Em seu voto, o relator do caso, ministro Vital do Rêgo, disse que, "apesar da necessidade de pequenos ajustes pontuais, o Fundo Amazônia tem sido satisfatoriamente gerido, sem indícios, considerando o escopo da auditoria realizada, de irregularidades graves que deponham contra o bom atingimento dos objetivos ou a boa aplicação dos recursos a ele atinentes".

Todo ano, o fundo passa por dois tipos de auditorias externas, uma contábil e outra para verificar se está cumprindo sua finalidade. As auditorias são feitas por empresas privadas e, em 2018, não constataram irregularidades.

Salles defendeu que o Cofa (Comitê Orientador do Fundo Amazônia), presidido pelo ministro do Meio Ambiente e que define os critérios para a aplicação do dinheiro, tenha uma "representatividade mais específica" e um "funcionamento mais adequado", mas não detalhou como isso aconteceria. "Isso vai ser discutido oportunamente", disse. O Cofa conta também com outros ministérios, governos estaduais e organizações da sociedade civil.

Segundo o ministro, o governo já conversou sobre estes assuntos com os embaixadores de Noruega e Alemanha. "Todos entendem que as mudanças são necessárias", afirmou.

Doadores dizem não ter informações sobre mudanças

Após a entrevista coletiva de Salles, a Embaixada da Noruega no Brasil divulgou nota na qual diz não ter recebido "nenhuma proposta das autoridades brasileiras para alterar a estrutura de governança ou os critérios de alocação de recursos do fundo".

"A Noruega está satisfeita com a robusta estrutura de governança do Fundo Amazônia e os significativos resultados que as entidades apoiadas pelo fundo alcançaram nos últimos dez anos", diz o comunicado, no qual o fundo é tratado como "uma das melhores práticas globais de financiamento com fins de conservação e uso sustentável de florestas".

Em dezembro, o Fundo Amazônia recebeu uma doação de R$ 270 milhões da Noruega. O país colocou um total de R$ 3,1 bilhões no fundo desde 2008 -- mais de 90% dos valores recebidos desde sua criação.

Procurada pelo UOL, a Embaixada da Alemanha no Brasil informou que ainda não houve conversas sobre quais mudanças "em detalhes" o governo está propondo. Assim, ainda não há como "formar uma opinião sobre o assunto". O país já doou R$ 192 milhões para o Fundo Amazônia.

"Já solicitamos reuniões com o MMA [Ministério do Meio Ambiente] para obter mais informações, mas estamos ainda aguardando uma resposta", diz a resposta da embaixada, enviada por email.

A embaixada alemã também afirma que considera eficaz o papel do Fundo Amazônia no combate ao desmatamento na região. "E, até o presente, as auditorias e relatórios anuais têm sempre confirmado essa avaliação", diz.

O UOL também procurou a Petrobras, que doou R$ 17 milhões ao fundo, para comentar as declarações do ministro e aguarda resposta.

Entidades com projetos rebatem ministro

Na tarde de hoje, o UOL procurou várias organizações do terceiro setor que têm contratos de projetos bancados pelo Fundo Amazônia para comentar as declarações do ministro.

Adriana Ramos, do ISA (Instituto Socioambiental), disse que o Ministério do Meio Ambiente "não apresentou nenhum relatório, não demonstrou que critérios utilizou e fez sua avaliação sem nenhuma motivação ou denúncia justificada".

"A inadequação é uma opinião do ministro, tanto em relação ao que é aceitável em um projeto, quanto em relação à eficácia do fundo no combate aos desmatamentos na região", afirmou Ramos.

Segundo ela, "o tom adotado na divulgação da análise dos projetos pelo MMA [Ministério do Meio Ambiente] indica uma evidente perseguição política às ONGs, coerente com a promessa de campanha do presidente [Jair Bolsonaro] de 'acabar com o ativismo ambiental'".

Por meio de sua assessoria de imprensa, a FAS (Fundação Amazônia Sustentável) informou que seu projeto foi avaliado de forma positiva pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), contratada pelo governo alemão para a tarefa. O relatório de atividades da própria FAS diz que o projeto "teve eficácia de 30% de redução do desmatamento no período de 2008 a 2012, e de 43% no período de 2013 a 2017".

Tanto o ISA quanto a FAS tiveram projetos auditados pelo TCU em 2018. Nos dois casos, o tribunal "identificou nível satisfatório de desempenho".

O do ISA, voltado para a exploração econômica sustentável da bacia do Rio Xingu, recebeu R$ 8 milhões do Fundo. A FAS recebeu R$ 31,5 milhões para apoiar o "desenvolvimento de pequenos empreendimentos e arranjos produtivos florestais sustentáveis" dentro de unidades de conservação no Amazonas, entre outras atividades. As iniciativas envolveram populações ribeirinhas e indígenas.

Observatório do Clima: Salles criminaliza ONGs

As declarações do ministro motivaram críticas do Observatório do Clima, rede de entidades da sociedade civil voltada para a discussão da mudança climática. Em nota, a coordenação da organização afirma que Salles tenta "criminalizar as organizações da sociedade civil".

"Salles montou um teatrinho para acusar ONGs de 'indícios de irregularidades' no gasto de verbas do fundo. Por tabela, sugere que o BNDES, gestor do fundo, é incapaz de cumprir as tarefas básicas de controle sobre o dinheiro que gere", diz a instituição.

O Observatório do Clima também afirma que "as regras rígidas do Fundo Amazônia foram criadas pelo BNDES para dar segurança aos doadores de que não haveria ingerência política no fundo, que é justamente o que o ministro planeja fazer ao propor mudar suas regras para controlá-lo e abrir os projetos à iniciativa privada".

"A ironia maior é que essa ação parta de um homem que foi condenado pela Justiça paulista por fraude ambiental e que é, no fim das contas, o único personagem com histórico de irregularidades nesta história", diz a organização. Salles foi condenado em primeira instância e tem direito a recurso. Na época do julgamento, ele declarou que a condenação foi ilegal e que o juiz "deixa claro que não houve crime ambiental".

Entenda o que é o Fundo Amazônia

Criado em 2008 por meio de decreto do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Fundo Amazônia tem como objetivo reduzir o desmatamento e promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal. Os projetos são orientados por políticas públicas federais e estaduais.

O fundo é mantido por doações que são repassadas para a gestão de áreas protegidas, ações de fiscalização ambiental e exploração econômica sustentável, entre outras atividades.

Os recursos são administrados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que contrata e monitora os projetos apoiados, mas os critérios para a aplicação do dinheiro são dados pelo Cofa (Comitê Orientador do Fundo Amazônia), presidido pelo ministro do Meio Ambiente. O Cofa conta também com outros ministérios, governos estaduais e organizações da sociedade civil.

O Fundo Amazônia já apoiou 103 projetos, no valor total de R$ 1,8 bilhão. Segundo dados disponíveis no site do fundo, o terceiro setor tem mais projetos (58) e recebeu a maior fatia dos recursos (R$ 706 milhões), seguido pelos estados (R$ 586 milhões) e a União (R$ 521 milhões). O restante ficou com municípios (R$ 15 milhões), universidades (R$ 16 milhões) e projetos em outros países (R$ 24 milhões).

No entanto, se somados os 38 projetos da União, estados e municípios, os valores destinados a eles chegam a R$ 1,1 bilhão, ultrapassando os repassados ao terceiro setor.

Ao longo de sua história, o fundo cancelou 11 projetos no valor total de R$ 147 milhões. O site do fundo não esclarece por que os projetos foram cancelados.