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Ar amazônico perde água mais rápido que o esperado, e Nasa vê 'ação humana'

Desmatamento e expansão agrícola estão entre os fatores que corroboram a queda da umidade no ar da Amazônia - Getty Images
Desmatamento e expansão agrícola estão entre os fatores que corroboram a queda da umidade no ar da Amazônia Imagem: Getty Images

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

19/11/2019 04h01

Resumo da notícia

  • A Nasa analisou umidade atmosférica Amazônica e imagens de satélite
  • E concluiu que o ar na região está se tornando mais seco ano a ano
  • Velocidade do fenômeno, diz o estudo, é incompatível com ação da natureza

Um estudo elaborado pela Nasa (Agência Espacial dos Estados Unidos) e publicado no último mês na revista científica Nature indica que a ação humana influencia a seca da atmosfera da Amazônia, deixando-a mais suscetível a queimadas.

A Nasa analisou imagens do satélite Aqua, que calcula precipitações, evaporações e analisa o ciclo da água e cruzou com dados referentes à umidade e à temperatura do ar na região amazônica. A agência concluiu que a variação da seca registrada nas últimas décadas "está muito além" do esperado se só houvesse ação da natureza — como a radiação emitida pelos raios solares sobre a atmosfera.

A conclusão é, portanto, que o homem está potencializando a perda de umidade do ar amazônico.

O estudo foi desenvolvido pelos pesquisadores Armineh Barkhordarian, Sassan S. Saatchi, Ali Behrangi, Paul C. Loikith e Carlos R. Mechoso e levou em consideração os meses de seca da região.

"Ao comparar essa tendência aos dados de modelos que estimam a variabilidade climática ao longo de milhares de anos, determinamos que a mudança na aridez atmosférica está muito além do que seria esperado da variação natural do clima", afirmou em nota Barkhordarian, pesquisadora que liderou a análise e se dedica ao estudo da ciência atmosférica há pelo menos seis anos.

Desmatamento e expansão agrícola são apontados como causas

Entre as comparações feitas pelos pesquisadores, está o nível de água presente na atmosfera amazônia entre os anos de 1987 e 2016.

No período, aumentou o que os cientistas chamam de déficit de pressão do vapor (VPD, na sigla em inglês), ou seja, queda na umidade do ar da Amazônia, principalmente nas regiões sul e sudeste do bioma, "onde está ocorrendo a maior parte do desmatamento e expansão agrícola."

Os cientistas também encontraram vestígios da seca na região noroeste da Amazônia, parte do bioma que não costuma ser atingida pela estiagem.

"O aumento previsto [no estudo] da demanda atmosférica por água por conta do aquecimento global fará com que as secas se tornem mais difusas e severas", diz o estudo da Nasa.

Partículas das queimadas absorvem o calor

Os cientistas subdividem as causas externas para o aumento da seca na região amazônica entre forças antropogênicas (causadas pelo homem) e naturais (como o lançamento de gases na atmosfera por meio de erupções vulcânicas). Segundo a pesquisadora Armineh Barkhordarian, aproximadamente metade desse nível elevado de seca na Amazônia deve-se ao aumento da emissão de gases estufa, e o restante está atrelado principalmente às queimadas, que se intensificam durante o período de seca.

"Além da consolidação global no aumento de gases de efeito estufa (GEE), os fatores externos mais importantes da mudança climática sobre a América do Sul tropical são os efeitos dos aerossóis de carbono preto liberados pela queima de biomassa nas regiões da Amazônia e Savana [Cerrado] e as mudanças no uso da terra / vegetação nativa devido à expansão das atividades agrícolas", diz o estudo.

Quando a floresta queima, explica a Nasa, partículas chamadas de aerossóis — em especial o carbono preto, ou fuligem — são lançadas na atmosfera. A fuligem das queimadas absorve o calor emitido pelo sol e faz com que a atmosfera fique mais quente; as partículas também podem influenciar na formação de nuvens e, consequentemente, nas chuvas.

Vegetação nativa

Também citada no estudo norte-americano, a mudança na vegetação nativa — o conjunto florestal originário de cada local — foi alvo de uma extensa pesquisa por outro órgão: o Observatório do Código Florestal, no Brasil. A organização diz que há no país pelo menos 150 mil imóveis rurais que não cumprem as leis de reserva legal. Este saldo negativo na vegetação original atinge uma cerca de 90 mil quilômetros quadrados em todo o país, área que corresponde à soma do estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.

O estudo abrangeu dados até 2016, mas números mais recentes mostram que as agressões à Amazônia seguem.

2019 registrou 48% mais focos de incêndio em comparação ao mesmo período no ano passado. Foram 182.843 focos, conforme análise do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) até 17 de novembro. Destes, 81.407 (44,5%) foram na Amazônia e 61.173 (33,5%) no Cerrado, os dois biomas citados pelo estudo da Nasa. Alguns estados da chamada Amazônia Legal registraram aumentos exponenciais de queimadas. É o caso do Mato Grosso, onde os focos de incêndio aumentaram 421% em relação a 2018.

Mato Grosso também lidera o ranking de propriedades com déficit de vegetação nativa. São 10.207 propriedades e 23.260 quilômetro de área com saldo negativo de reserva legal. O problema deve se agravar com o Projeto de Lei aprovado em outubro no Congresso que acaba com os prazos para os proprietários rurais regulamentarem suas terras por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Em suma, os donos de terra que têm problemas com a legislação, incluindo o desmatamento ilegal, não têm uma data-limite para fazer o registro e, consequentemente, não podem ser multados ou sofrer sanções do governo.