Negacionismo de Bolsonaro é 'quase uma apologia ao crime', diz ex-Ibama
A ex-presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Suely Araújo, criticou hoje a narrativa negacionista adotada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação ao meio ambiente. Para ela, o tom está na origem do aumento do desmatamento verificado em 2020 e não ajuda a resolver o problema.
"A narrativa que se expressa com maior força é a que questiona os órgãos ambientais, a legislação, questionam-se as multas... Quando o presidente, o ministro [Ricardo] Salles e outras autoridades assumem esse discurso, há uma espécie de 'liberou geral' e aumenta o número de infrações ambientais. É quase uma apologia ao crime", disse Suely à CNN Brasil.
Ela avalia que houve um enfraquecimento dos órgãos ambientais sob o governo Bolsonaro, com problemas orçamentários e uma situação "bastante problemática". Independentemente do que diz o presidente, acrescentou Suely, os números comprovam a gravidade da realidade brasileira.
"Não adianta negar o problema, porque ele não vai se resolver, e nem ameaçar as fontes de dados, como o Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais]", afirmou, fazendo referência às críticas do vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) ao instituto. "O problema vai ser resolvido quando o governo atuar para a implementação correta da política e da fiscalização ambiental."
Suely ainda rejeitou a fala de Bolsonaro na 75ª Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), que culpou indígenas e "caboclos" pelas queimadas na Amazônia e no Pantanal. Segundo ela, o fogo é causado, sim, pela ação humana, mas não pelos povos tradicionais, que têm uma "relação de harmonia" com a natureza.
Ela não nega a influência da secura extrema na propagação dos incêndios, mas afirma que o fogo, em si, é provocado por alguém (ou um grupo de pessoas), e não pelas mudanças climáticas.
"Nós temos problemas de incêndios florestais em várias áreas do mundo, temos problemas de aquecimento, mas temos provas concretas de que, na Amazônia e no Pantanal, a origem [do fogo] não é a autocombustão. Alguém, via de regra, provocou esse fogo e esse fogo se propagou. É bastante complicado negar isso, porque se você nega, você não vai atrás dos culpados", alertou.
Greenpeace, IPAM e Cimi também criticam Bolsonaro
As críticas feitas por Suely corroboram com a avaliação de representantes do Greenpeace, do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e do Cimi (Conselho Indigenista Missionário). As três entidades condenam o negacionismo de Bolsonaro e rejeitam a tese de que os povos tradicionais seriam responsáveis pelos incêndios.
"Quando o governo Bolsonaro nega o drama que os brasileiros estão vivendo, um drama óbvio e verificado por satélites do mundo inteiro, ele agrava a situação do país e isola ainda mais o Brasil, prejudicando a economia neste momento em que a gente precisa tanto de bons resultados", disse Mariana Mota, coordenadora de políticas públicas do Greenpeace, à GloboNews.
Já a diretora de Ciência do IPAM, Ane Alencar, apresentou números que comprovam que as queimadas são causadas, em sua maioria, pela ação humana, especialmente de grileiros. Segundo ela, a distribuição das terras indígenas na Amazônia representa cerca de 25% do bioma, mas o número de focos de calor registrados dentro dessa região foi de apenas 7%.
"Os indígenas estão longe de representar o principal foco de queimadas na região", reforçou ela. "Cerca de 42% dos focos de calor ocorreram em florestas públicas não destinadas e terras devolutas, significando um processo altamente grave e acelerado de grilagem e roubo de patrimônio público. Isso, sim, deveria estar sendo foco de políticas públicas e preocupação do governo."
O Cimi emitiu uma nota de repúdio contra o discurso de Bolsonaro: "Não é justo que os povos indígenas no Brasil venham a sofrer mais violência por mais uma acusação sem provas, fantasiosa, do senhor presidente".
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