Alter: Fogo foi para vender lotes que têm 'policial por trás', diz prefeito
Resumo da notícia
- Prefeito disse a governador que fogo seria parte de ação de loteamento
- Segundo ele, invasores da região contariam com o apoio de policiais
- Gravação indica que havia ciência de que local é uma "área de invasores"
- No áudio, prefeito diz que "tem policial por trás, o povo lá anda armado"
- Nélio Aguiar (DEM) e Helder Barbalho (MDB) confirmam conversa
- Quatro brigadistas haviam sido detidos por iniciar incêndio e foram soltos
Em áudio inédito obtido pela Repórter Brasil, o prefeito de Santarém, Nélio Aguiar (DEM), afirma ao governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que o incêndio em Alter do Chão foi causado por "gente tocando fogo para depois fazer loteamento, vender terreno" e que essas pessoas contam com o apoio de policiais.
A gravação indica que Aguiar e Barbalho tinham ciência de que o local atingido, na região do Lago Verde conhecida como Capadócia, é "uma área de invasores".
No áudio, Aguiar diz que "tem policial por trás, o povo lá anda armado" e pede a intervenção não só do Corpo de Bombeiros mas também da Polícia Militar para "identificar esses criminosos".
O contato teria sido feito no dia em que um incêndio de grandes proporções atingiu a Área de Proteção Ambiental de Alter, em 15 de setembro.
Leia a fala do prefeito completa:
Governador, bom dia. A Sema (Secretária Municipal de Meio Ambiente) municipal já tá envolvida, mas essa área é uma área de invasores, [ininteligível] Tem policial por trás, o povo lá anda armado, o bombeiro só tá com a brigada, o bombeiro não tá indo lá, já falei pro Coronel Tito que precisa ir o bombeiro e combater o fogo, logo, imediatamente, tá muito seco, muito sol e a Polícia Militar, a companhia ambiental, tem que ir junto, armada, para identificar esses criminosos, isso é gente tocando fogo para depois querer fazer loteamento, vender terreno, prender uns líderes desses, esses criminosos aí e acabar com essa situação, mas a gente precisa de apoio do Corpo de Bombeiros?"
A fala do prefeito coloca em xeque o inquérito da Polícia Civil que prendeu na última terça-feira (26) quatro voluntários da Brigada de Incêndio Florestal de Alter do Chão, acusados de terem iniciado o fogo. Além disso, o áudio confirma a linha de investigação do Ministério Público Federal, que aponta que o incêndio em Alter do Chão foi provocado por grileiros interessados em vender lotes —e não pelos brigadistas.
Prefeito e governador confirmam áudio
Procurado pela Repórter Brasil neste domingo (1º), Aguiar confirma o envio do áudio a Barbalho e diz que "o governo respondeu prontamente, ainda pela manhã do domingo [15 de setembro], quando estava ocorrendo o incêndio. Chegou Polícia Militar, chegou Corpo de Bombeiros e à tarde chegaram soldados do Exército". Ele, no entanto, faz a ressalva de que, como prefeito, não pode fazer prejulgamento e nem dizer quem é culpado pelo incêndio, já que isso é um papel da polícia ou da Justiça.
O governo do Pará confirmou que recebeu o áudio de Aguiar.
"Assim que recebeu a solicitação [do prefeito], o governador Helder Barbalho determinou que o Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar dessem suporte à operação de combate ao incêndio - o que foi feito. Todos os recursos foram disponibilizados, inclusive aeronave de combate a incêndios florestais da PM", diz a nota, destacando que a troca do delegado ocorreu porque o atual é especializado em crimes ambientais, o que não ocorria com o anterior. "É fundamental que o Estado chegue aos autores, que devem pagar pelos crimes cometidos", ressalta.
Aguiar argumentou sobre o conteúdo do recado ao governador. "Não afirmei que alguém teria tocado fogo no áudio que mandei para o governador, falei que é uma área de conflito desde 2015 e que tem uma pessoa foragida. Uma área perigosa, uma área de conflito e que a suspeita do incêndio era criminoso. Eu não sou polícia, sou prefeito, não tenho poder de investigação nem de mandar na polícia", afirmou.
Quando questionado sobre a prisão dos brigadistas, Aguiar afirma que como prefeito não poderia interferir em um inquérito da polícia, destacando que a ordem de prisão partiu do Judiciário. "Executivo não tem que interferir no Judiciário."
Aguiar também afirmou que foi um dos primeiros a chegar ao local das queimadas.
Fui o primeiro a chegar na área, encontrei os brigadistas, estavam só eles, umas 10 pessoas. E fomos lá ver se estavam precisando de ajuda, e acionei todo mundo para ajudá-los, sempre mantendo informado o governador, mandando áudios para ele."
O prefeito diz que também pediu que a Polícia Federal e a Polícia Civil investigassem a grilagem de terras e a especulação imobiliária em Alter do Chão.
Brigadistas foram presos e dias depois liberados
A prisão dos brigadistas gerou reações de organizações da sociedade civil e também de autoridades. Dois dias após a prisão, o governador do Estado trocou o delegado da Polícia Civil responsável pelo caso e o Ministério Público pediu acesso ao inquérito.
Na quinta-feira (28), os quatro brigadistas foram soltos a pedido do mesmo juiz que havia autorizado a prisão, Alexandre Rizzi. No passado, Rizzi atuou como advogado de uma madeireira da família e, em 1994, chegou a criticar ação do Greenpeace na região.
Mesmo soltos, Rizzi determinou que os quatro brigadistas devem comparecer mensalmente à sede da Justiça em Santarém, não podem sair às ruas entre 21h e 6h, não podem deixar a cidade sem autorização por mais de 15 dias e terão que entregar os passaportes à Justiça.
O inquérito da Polícia Civil que levou à prisão dos brigadistas foi criticado por não trazer evidências de crime, levar a conclusões sem provas, tirar frases de contexto e citar correlações que não se sustentam. A Polícia Civil acusou os quatro brigadistas de "dano direto à unidade de conservação e associação criminosa".
Grileiro foragido
Quando pediu acesso ao inquérito da Polícia Civil, o Ministério Público Federal emitiu nota afirmando que, na investigação federal, nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil.
"Ao contrário, a linha das investigações federais, que vem sendo seguida desde 2015, aponta para o assédio de grileiros, ocupação desordenada e para a especulação imobiliária como causas da degradação ambiental em Alter", diz a nota.
A investigação do MPF aponta que os incêndios teriam começado em uma área invadida pelo grileiro Silas da Silva Soares, condenado pela Justiça Federal em 2018 e atualmente foragido. Soares foi condenado a seis anos e dez meses de prisão além de receber uma multa por instalar um loteamento urbano privado e promover desmatamento ilegal na região do Lago Verde.
Além da denúncia criminal contra o grileiro, tramita um processo civil iniciado pelo Ministério Público do Estado do Pará e enviado à Justiça Federal para obrigar a Prefeitura de Santarém a fiscalizar e evitar a instalação de ocupações irregulares nas margens do Lago Verde.
O presidente Jair Bolsonaro, que em agosto acusou ONGs de "estarem por trás das queimadas na Amazônia", usou a prisão dos brigadistas para voltar a culpar organizações da sociedade civil pelos incêndios.
Na sexta-feira (29), Bolsonaro acusou o ator Leonardo DiCaprio de "dar dinheiro" para "tacar fogo na Amazônia" -o ator negou qualquer financiamento. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também usou politicamente o episódio dos brigadistas. No Twitter, Salles postou trechos de diálogos dos brigadistas interceptados pela Polícia Civil.
O fogo em Alter do Chão consumiu uma área equivalente a 1.600 campos de futebol e levou quatro dias para ser controlado por brigadistas e bombeiros.
"Dia do Fogo": prisão também foi questionada
A cerca de 700 quilômetros de Alter do Chão, um ataque organizado para incendiar áreas de reserva ambiental em Novo Progresso —que ficou conhecido como o "Dia do Fogo"—, também contou com uma operação da Polícia Civil que foi questionada pelo Ministério Público Federal.
Em 3 de setembro, três trabalhadores rurais sem-terra foram presos, a mando da delegacia de Castelo dos Sonhos, em operação que também ia na contramão da principal linha investigativa conduzida pela Polícia Federal, que apontava como principais suspeitos fazendeiros, madeireiros e empresários de Novo Progresso.
Conforme revelou a Repórter Brasil, a investigação federal concluiu que os organizadores do 'Dia do Fogo' compraram combustível e contrataram motoqueiros para incendiar a floresta —ação que demanda investimentos que não condizem com o perfil dos sem-terra detidos. Os responsáveis pelo ataque racharam os custos de combustível e se articularam por meio de grupos de WhatsApp.
Os três sem-terra ficaram detidos durante 50 dias e foram soltos após publicação de reportagem da Repórter Brasil ter revelado que os articuladores das queimadas eram pessoas poderosas da cidade.
A soltura foi determinada pela juíza Sandra Maria Correia da Silva, do Tribunal Regional Federal, atendendo a um pedido do Ministério Público Federal.
"Não entendo o motivo de estar presa", disse Silvanira à Repórter Brasil em 23 de setembro, quando ainda estava na prisão de Novo Progresso.
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