STF conclui que houve compra de votos e uso de dinheiro público, mas ignora participação de Lula no mensalão
Marina Motomura
Do UOL, em Brasília
Após encerrar a fase de votos do maior julgamento da sua história – foram mais de 40 sessões dedicadas à análise do mensalão –, o STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu que houve compra de parlamentares da base aliada do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) e que houve uso de dinheiro público para tal finalidade.
Agora, os ministros discutem as penas dos 25 condenados. Mas a conclusão do julgamento deixa algumas questões em aberto – uma delas é a participação do ex-presidente no esquema. Veja abaixo as principais conclusões a que chegaram os ministros do STF e as questões que ainda precisam ser respondidas.
O dinheiro do mensalão foi caixa dois? |
NÃO. Os ministros rechaçaram o argumento usado pelas defesas dos réus de que o dinheiro seria oriundo de recursos não contabilizados, normalmente usados nas campanhas eleitorais, prática conhecida como caixa dois. Ayres Britto disse que "se viesse admitir como crime eleitoral o uso do erário (dinheiro público) para financiamento de campanhas, a lei eleitoral cairia no absurdo de facilitar a obstrução de normas penais sobre corrupção, peculato, extorsão e outros delitos contra a administração pública". "Chega a ser redundante falar de caixa dois privado, pois caixa dois público não pode existir jamais", afirmou o presidente do STF. Leia Mais |
De onde veio do dinheiro que alimentou o mensalão? |
Os recursos que pagaram os parlamentares eram provenientes de desvios do fundo Visanet, controlado pelo Banco do Brasil, e de operações fraudulentas junto ao Banco Rural. A maioria dos ministros concluiu que houve desvio de dinheiro em operações que ultrapassam R$ 73 milhões, por meio do fundo Visanet. O dinheiro abasteceu o “valerioduto” (esquema pelo qual contas bancárias das empresas de Marcos Valério eram usadas para a distribuição do dinheiro do mensalão) na forma de adiantamentos que as agências de Valério tiveram junto ao fundo. Já em relação ao Banco Rural, os ministros do Supremo concluíram que houve lavagem de dinheiro e condenaram os dirigentes em razão dos empréstimos considerados fraudulentos entre o Rural e as empresas de Valério. De acordo com o Supremo, os dirigentes do Banco Rural viabilizaram com o publicitário e seus ex-sócios “mecanismos e estratagemas” para omitir os registros no Banco Central dos verdadeiros beneficiários e sacadores dos recursos movimentados. O dinheiro também alimentava o "valerioduto". Segundo laudos citados pelo ministro Gilmar Mendes, as empresas de Marcos Valério movimentaram entre si cerca de R$ 51 milhões em 176 transferências no período de cinco anos. “O fato não era desconhecido dos dirigentes do Banco Rural”, afirmou Mendes. Leia Mais |
Houve dinheiro público envolvido? |
SIM. Os ministros concluíram que parte do dinheiro veio do Banco do Brasil. "O que fizeram com o Banco do Brasil?", questionou o ministro Gilmar Mendes. “Se tira desta instituição R$ 73 milhões sabendo que não era para fazer serviço algum”, completou. Já o ministro Ayres Britto afirmou: “o conjunto probatório deste processo confirma a trama descrita na denúncia (...) como um rematado esquema de desvio de dinheiro público”. Leia Mais |
Houve compra de votos? |
SIM. Sim. A maioria dos magistrados do STF considerou que os recursos do mensalão foram utilizados pelo PT (Partido dos Trabalhadores) para comprar apoio de parlamentares para votar a favor de assuntos de interesse do governo no Congresso Nacional. Os mais enfáticos foram os ministros Ayres Britto, presidente da Corte, e Celso de Mello, além do relator Joaquim Barbosa. "O que houve foi a compra de parlamentares para consolidar a base de apoio do governo", disse Barbosa. "A lealdade, de fato, é uma arma dos parlamentares." Para sustentar a tese de que o dinheiro comprou o apoio de parlamentares na Congresso, Barbosa citou votações na Câmara dos Deputados, como as reformas da previdência e tributária, nas quais os deputados dos partidos votaram quase que integralmente com a base aliada. "Se os parlamentares divergissem das ordens do governo (...), deixariam de receber os milhares de reais em espécie que vinham sendo agraciados", afirmou. "Esses vergonhosos atos de corrupção parlamentar, profundamente lesivos aos ofícios (...) e à respeitabilidade do Congresso Nacional, atos de corrupção alimentados por transações obscuras, (...) implementados em altas esferas governamentais, com o nítido e claro objetivo de fortalecer o apoio político, devem ser condenados com o peso e o rigor da lei", afirmou Celso de Mello. Marco Aurélio também teve o mesmo entendimento do decano: "essa corrupção (passiva) não visou cobrir deficiências de caixa dos diversos partidos envolvidos na espécie, mas sim, a base de sustentação para aprovar-se determinadas reformas, sofrendo com isso a própria sociedade brasileira", disse. Para Luiz Fux, "houve a modificação do comportamento [dos parlamentares] na votação de matérias no Congresso [após o recebimento de propina]." Leia Mais |
O ex-ministro José Dirceu foi o mandante? |
SIM. Ao menos sete ministros consideraram que o ex-ministro da Casa Civil era o chefe do mensalão. Para o ministro Ayres Britto, o ex-ministro "era plenipotenciário", ou seja, tinha plenos poderes. "Ele deixa claro que tudo passava pelas mãos dele". "[O objetivo do esquema era] um projeto de poder quadrienalmente quadruplicado. Projeto de poder de continuísmo seco, raso. Golpe, portanto", acrescentou o magistrado. Ao proferir o seu voto, Celso de Mello afirmou que o mensalão foi "concebido e implementado a partir das mais altas instâncias governamentais", em referência à participação de Dirceu e outras figuras da cúpula petista. "Tais acusados, com hegemonia no plano governamental e partidária, agiram de acordo com uma agenda criminosa muito bem articulada", disse o magistrado. Opinião semelhante têm os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Joaquim Barbosa. O relator disse que Dirceu tinha papel central no esquema do mensalão. "O conjunto das provas coloca o então ministro em posição central (...) como mandante das promessas de pagamentos indevidos aos parlamentares", afirmou Barbosa. "O ex-ministro José Dirceu, que homologava os acordos daquele partido, acordos que vimos (...) extravasaram e muito o campo simplesmente político. Não podemos ante a disputa acirrada partidária imaginar partidos altruístas, que se socorram mutuamente", afirmou Marco Aurélio. Gilmar Mendes citou depoimentos de diversas testemunhas que afirmam que Dirceu não participava das reuniões para negociar o acordo entre o PT e o PTB, mas era contatado por Genoino ou Delúbio logo depois que era fechado algum acerto. “Depois das conversas, sempre havia uma ligação ou do Delúbio ou do Genoino para José Dirceu.” Leia Mais |
Houve formação de quadrilha? |
SIM. Seis dos dez ministros – Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ayres Britto – concordaram com a tese da Procuradoria Geral da República. Para o decano da Corte, Celso de Mello, ficou claro que houve formação de quadrilha no esquema do mensalão. "Em mais de 44 anos de atuação na área jurídica, nunca presenciei caso em que o delito de quadrilha se apresentasse tão nitidamente caracterizado em todos os seus elementos constitutivos", observou. No entender do ministro Marco Aurélio, "ficou comprovada a formação de uma quadrilha das mais complexas, envolvendo o núcleo dito político, o núcleo financeiro e o núcleo operacional. Mostraram-se os integrantes, em número de 13 (...), afinados". Leia Mais |
Os réus condenados vão para a cadeia? |
Não necessariamente. Isso vai depender da pena que for definida para cada um dos 25 réus condenados. As penas até quatro anos não são cumpridas em regime fechado; de quatro a oito anos, são em regime semiaberto, e acima de oito anos são em regime fechado. Leia Mais |
O presidente Lula sabia do esquema? |
A questão não foi respondida em plenário. No início do julgamento, em agosto, a defesa de Roberto Jefferson, sustentada pelo advogado Luiz Francisco Corrêa Barbosa, chegou a pedir para incluir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre os réus do mensalão, mas o pedido foi rejeitado pela Corte. "Eu digo: o presidente Lula não só sabia como ordenou o encadeamento de tudo isso que essa ação penal escrutina", afirmou Corrêa Barbosa. Leia Mais |
Com a punição dos dirigentes do Banco Rural, o banco será punido pelo Banco Central? |
Os dirigentes do Banco Rural Kátia Rabello, ex-presidente da instituição, José Roberto Salgado, ex-diretor, foram condenados pelos crimes de gestão fraudulenta de gestão financeira, formação de quadrilha, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. O ministro Gilmar Mendes citou documentos que constam dos autos sobre irregularidades no Banco Rural, que não comunicava as transações financeiras feitas pela instituição. "Considerando detalhado exame do conjunto probatório, (...) [o crime] encontra-se fartamente demonstrado nos autos", afirmou o ministro Gilmar Mendes. No entanto, a condenação dos dirigentes e a comprovação das irregularidades não necessariamente vai se reverter em punição ao banco. Procurado pela reportagem o UOL, o Banco Central afirmou, por meio de sua assessoria, que "as ações penais estão fora da esfera de atuação do Banco Central. As irregularidades já tinham sido apuradas. O que foi tratado lá foi objeto de processos administrativos". Leia Mais |
Os empréstimos das empresas de Marcos Valério com Banco Rural realmente existiram? |
NÃO. Segundo os ministros do Supremo, o Banco Rural abasteceu o "valerioduto" por meio de empréstimos fraudulentos, nos valores de cerca de R$ 3 milhões para o PT e R$ 29 milhões para agências de Marcos Valério. Ayres Britto disse que os empréstimos "foram efetivamente concedidos a fundo perdido" e que "os descuidos foram em quantidades enlouquecidas". Já o ministro Gilmar Mendes disse ver "uma sucessão de ações e omissões" e "um extenso rol de irregularidades na rotina do Banco Rural". "Várias foram as irregularidades encontradas no processo. Os fatos extrapolam a margem de risco aceitável", disse. Entre as irregularidades, Mendes citou concessões temerárias de crédito, renovações e renegociações sucessivas de empréstimo e manobras contábeis e escriturais. Leia Mais |