Pedaladas foram 'cheque especial' para fraudar contas públicas, diz procurador
O procurador do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) Júlio Marcelo de Oliveira afirmou que o governo Dilma Rousseff utilizou os bancos federais como um "cheque especial" e que o contingenciamento público (corte de gastos do governo) foi “fraudado” por meio das pedaladas fiscais.
Oliveira foi ouvido nesta segunda-feira (2) na comissão especial do impeachment do Senado, junto com outros dois especialistas convidados pelos senadores da oposição.
O procurador defendeu que o atraso nos repasses do governo aos bancos para o pagamento de programas federais, medidas que ficaram conhecidas como "pedaladas fiscais", configuram empréstimo de bancos públicos ao Tesouro, o que é ilegal.
"Houve realmente a utilização da Caixa como cheque especial e que isso não era prática de governos anteriores. Isso acontece realmente em 2013 e 2014", afirmou Oliveira.
Questionado por senadores da base governista se a prática se manteve no ano seguinte, o procurador disse que o governo efetuou o repasse no final de 2014, e em 2015 não deveu mais à Caixa.
A afirmação gerou reclamações dos governistas, que afirmaram que as acusações do pedido de impeachment se referiam apenas ao mandato atual, a partir de 2015. Além disso elas não se refeririam à Caixa, mas aos repasses ao Banco do Brasil, relativos ao Plano Safra.
"Isso não entrou na denúncia", afirmou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), ao que o presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), respondeu: "Todos nós aqui sabemos disso".
A oposição reclamou da interrupção dos governistas à fala do procurador. "Interrompe a linha de pensamento do expositor, desestabiliza emocionalmente, como aconteceu com a doutora Janaína (Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment, que falou na quinta-feira à comissão). É uma tática clara de quem não quer a apuração", afirmou o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB).
O procurador no TCU fez uma espécie de histórico sobre as investigações das pedaladas fiscais.
Segundo Oliveira, em 2014, ano eleitoral, o governo usou as pedaladas para “fraudar” o contingenciamento de gastos públicos que deveria ser feito para cumprir a meta fiscal (economia para pagar juros da dívida pública). Naquele ano, com a piora na economia, o governo já sofria com queda na arrecadação de impostos e cortou despesas para cumprir a meta.
Oliveira afirma que o contingenciamento deveria ter sido maior do que o que foi feito e que, na prática, o governo manteve gastos com programas federais por meio do atraso nos repasses aos bancos públicos.
“O governo, então, ele frauda o decreto de contingenciamento, ele ignora dados oficiais que ele não poderia ignorar. Esta fraude permitiu que despesas que deveriam ter sido bloqueadas não fossem bloqueadas e ficassem livres pra execução”, disse.
“Mas não bastava ter orçamento livre, precisava ter dinheiro e de onde vem o dinheiro, exatamente do uso dos bancos púbico. Ele usa o banco como um cheque especial. Então há fraude engendrada para fazer gasto público insustentável em ano eleitoral, e obviamente com objetivo de vencer as eleições”, afirmou Oliveira.
A comissão também ouviu nesta segunda-feira o professor de direito financeiro da USP (Universidade de São Paulo) José Mauricio Conti afirmou que os decretos de abertura de crédito do governo Dilma Rousseff foram editados de forma ilegal e discordou de um dos principais argumentos da defesa da presidente, de que a mudança da meta fiscal ao final do ano daria regularidade aos decretos.
A edição de seis decretos presidenciais que teriam ampliado a autorização de gastos do governo em R$ 2,5 bilhões é um dos pontos da denúncia do impeachment contra a presidente Dilma. A acusação diz que a presidente cometeu crime de responsabilidade por ter publicado os decretos de aumento de despesas sem a autorização do Congresso Nacional e num momento em que havia dificuldade para cumprir a meta fiscal (economia anual para pagamento de juros da dívida pública).
O professor da USP afirmou que a mudança da meta fiscal, autorizada pelo Congresso em dezembro do ano passado, configurou uma “manobra” para dar aparência de legalidade à edição dos decretos.
“Isso configura uma manobra que inequivocamente teve a clara função apenas de tentar afastar formalmente a ilegalidade dos decretos, que embora editados sem observar os requisitos legais à época da sua publicação, ao final do exercício passaram a estar de acordo com as metas que foram fixadas posteriormente”, disse Conti.
A defesa de Dilma tem afirmado que, como a meta fiscal só é medida ao fim do ano, não houve ilegalidade na edição dos decretos, pois a meta, alterada com o aval do Congresso Nacional, foi de fato cumprida.
Conti porém afirmou que, para que a abertura de crédito seja legal, é preciso que haja condições financeiras adequadas no momento em que os decretos orçamentários são publicados.
Fábio Medina Osório, presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado, afirmou que a presidente Dilma Rousseff, ao chamar o processo de impeachment de golpe, estaria praticando um crime de responsabilidade. "Constitui um crime de responsabilidade da presidente ir ao cenário internacional para dizer, em ofensa às instituições, que há uma conspiração. Que este parlamento, ao exercer a sua soberana missão, de acordo com o rito estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal, estaria praticando um golpe".
Comissão do Senado entra em semana final
Na terça-feira (3), serão ouvidos os três convidados pelos senadores que defendem o governo: o ex-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Marcello Lavenère, um dos autores do pedido de impeachment contra o ex-presidente Fernando Collor, o diretor da faculdade de direito da UFRJ
Universidade Federal do Rio de Janeiro), Ricardo Lodi Ribeiro e o professor de direito processual penal da UFRJ Geraldo Luiz Mascarenhas Prado.
A comissão finaliza, nesta segunda e terça-feira a fase de debates antes da apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB). É esperado que esta quarta-feira (4) Anastasia apresente parecer favorável à abertura de processo contra a presidente e, consequentemente, ao afastamento temporário dela do cargo.
O parecer de Anastasia será votado pela comissão na sexta-feira (6) e é esperado que no próximo dia 11 vá a votação no Plenário do Senado, onde é preciso o apoio da maioria dos senadores presentes à sessão para que a presidente seja afastada e o Senado inicie a fase do julgamento das acusações contra Dilma.
O que já foi dito na comissão do Senado
Na reunião da última sexta-feira (29), os ministros José Eduardo Cardozo (Advocacia-Geral da União), Nelson Barbosa (Fazenda) e Kátia Abreu (Agricultura) afirmaram que a presidente Dilma não cometeu crime de responsabilidade e que, portanto, não há razão para pedir o impeachment.
A denúncia acusa Dilma por dois pontos relacionados ao Orçamento e à gestão financeira do governo: as pedaladas fiscais e os decretos de abertura de crédito orçamentário sem a autorização do Congresso.
As pedaladas são como ficou conhecido o atraso nos repasses do governo a bancos públicos, o que foi entendido pelo TCU (Tribunal de Contas da União) como uma forma proibida de empréstimo dos bancos ao governo.
Barbosa e Cardozo afirmaram que os atrasos não podem ser entendidos como empréstimos, mas como casos de inadimplência num contrato de prestação de serviços. Sobre os decretos, Barbosa explicou que eles foram editados de forma legal, não ampliaram os gastos do governo e, ainda, que naquele ano o governo cumpriu a meta de superavit (economia para pagar juros da dívida pública).
Na reunião da véspera, a comissão ouviu os autores do pedido de impeachment, os advogados Miguel Reale Junior e Janaína Paschoal. Eles assinam a denúncia apresentada à Câmara dos Deputados junto com o jurista Hélio Bicudo.
Reale reforçou o argumento de que a presidente Dilma cometeu crime de responsabilidade.
"Nunca antes na história do Brasil houve volume e quantidade extraordinária, por tempos tão longos, de operações de crédito com um cheque especial que foi sendo feito pelo governo junto às suas instituições, às instituições financeiras que ele controla, o que, aliás, é proibido pela Lei dos Crimes Financeiros", disse.
Sobre os decretos de abertura de crédito, Reale afirmou que existe crime de responsabilidade porque eles foram editados pela presidente sem a autorização do Congresso Nacional, num momento em que havia dificuldade para cumprir a meta fiscal (economia para pagar juros da dívida pública).
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