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De R$ 50 mil a R$ 120 mi: como a Odebrecht inflou o caixa 2 das campanhas em dez anos

Delações como a de Marcelo Odebrecht na Lava Lato revelam a expansão das doações a candidatos via caixa 2 - Giuliano Gomes/Estadão Conteúdo
Delações como a de Marcelo Odebrecht na Lava Lato revelam a expansão das doações a candidatos via caixa 2 Imagem: Giuliano Gomes/Estadão Conteúdo

Marcos Sergio Silva e Wellington Ramalhoso*

Do UOL, em São Paulo

16/04/2017 04h00

Então presidente do Jockey Club de São Paulo, o empresário Marcio Toledo havia convidado o executivo do Grupo Odebrecht Carlos Armando Guedes Paschoal para uma reunião no apartamento que divide com a hoje senadora Marta Suplicy (então no PT, hoje no PMDB) entre os meses de abril e maio de 2010. Pediu recursos para a campanha da mulher para o Senado.

Paschoal propôs a seu superior, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, , conhecido como "BJ", a doação de R$ 500 mil para a ex-prefeita, a exemplo do candidato do PSDB, o hoje ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes Ferreira. Toledo achou pouco e chamou a oferta de “desconsideração, já que Marta seria uma pessoa importante”. A candidata embolsou mais R$ 500 mil em espécie, distribuídos por um doleiro e divididos em três parcelas e não contabilizados pela Justiça Eleitoral. O famoso caixa dois.

O depoimento de Paschoal consta no inquérito 4404, um dos divulgados na quarta-feira (12) pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin, e expõe como os políticos exigiam suas somas para irrigar as campanhas eleitorais, não importando a sigla de quem as pedia.

A Odebrecht já havia efetuado contribuição de R$ 550 mil para Marta na eleição municipal de 2008, mas aquela não foi a primeira e nem a única. Os inquéritos abertos pelo STF expõem essas relações com os candidatos pelo menos desde 2004.

A mais antiga contribuição exposta pelos inquéritos é para a campanha de José Serra (PSDB) para prefeito de São Paulo em 2004. O tucano, vitorioso naquele ano, recebeu R$ 2 milhões da empreiteira. As somas se multiplicaram nos anos seguintes: R$ 4 milhões em 2006, quando foi o candidato vencedor para o governo de São Paulo, e R$ 23 milhões em 2010, quando concorreu para a Presidência da República. Como Marta, Gilberto Kassab também recebeu contribuição da Odebrecht em 2008, mas uma quantia 16 vezes superior à da então petista: R$ 8 milhões.

Doações em todos os níveis de poder

As conexões estão nos níveis executivo e legislativo, desde a eleição para a Presidência até as para as prefeituras – algumas de expressão menor, como a de Juazeiro (BA) – e nunca óbvias. A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), segundo as delações, teve R$ 150 mil não contabilizados porque era considerada uma política promissora. A Odebrecht teve a mesma impressão quando injetou R$ 2 milhões na campanha de Lindbergh Farias (PT) para a Prefeitura de Nova Iguaçu (Grande Rio) em 2008. Dois anos depois, colocaria mais R$ 2,5 milhões em sua campanha vitoriosa para o Senado.

A eleição de 2010, no entanto, marca a busca generalizada pelo dinheiro fácil da empreiteira. São doações, contabilizadas ou não, para campanhas para governos de Estados, Senado e Câmara. Yeda Crusius (PSDB), governadora gaúcha que tentou sem sucesso a reeleição, contou novamente com a ajuda da empreiteira, que em 2006 doou R$ 600 mil (R$ 200 mil oficialmente) – quatro anos depois, seriam mais R$ 1,15 milhão (R$ 600 mil contabilizados).

O paraibano Cássio Cunha Lima (PSDB) teve reforço de R$ 800 mil nas contas da campanha para o governo da Paraíba. O petista Tião Viana recebeu R$ 2 milhões (apenas R$ 500 mil contabilizados) da planilha do “Italiano” – uma referência ao ex-ministro Antonio Palocci (PT) – para alcançar o posto mais alto do Executivo no Acre.

Jarbas Vasconcellos (PMDB), em sua campanha frustrada para o governo de Pernambuco, recebeu pelo menos R$ 700 mil, embora haja registro de até R$ 2 milhões. O então governador Antonio Anastasia, candidato à reeleição (PSDB-MG), teve R$ 5,475 milhões não declarados. Cortesia da Odebrecht.

O dinheiro da empreiteira continuaria a irrigar campanhas em 2012. Todos os principais postulantes à Prefeitura de São Paulo naquele ano, por exemplo, receberam ajuda financeira, segundo delações: Fernando Haddad (PT), José Serra (PSDB), Gabriel Chalita (então no PMDB, hoje no PDT), Celso Russomano (PRB) e Paulinho da Força (SD).

Mas Eduardo Paes (PMDB), no Rio, sobressaiu: R$ 15 milhões, impulsionado pelas obras olímpicas, a menina dos olhos da Odebrecht. Mas ainda sobraria dinheiro para as campanhas de Ana Paula Lima (PT) em Blumenau (R$ 50 mil), dos adversários de Manaus Arthur Virgílio Neto (PSDB) e Vanessa Grazziotin (PC do B), do petista Nelson Pellegrino em Salvador (R$ 1,5 milhão, mas apenas R$ 200 mil contabilizados) e até de Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, em que Vado da Farmácia (PSB) levou R$ 150 mil.

Caixa 2 em nível recorde em 2014

O maior fluxo de verba, no entanto, está concentrado na última eleição geral, incluindo os candidatos a presidente Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), morto antes da eleição.

Na delação, Marcelo Odebrecht afirmou que combinou com o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega um repasse de R$ 24 milhões para a campanha petista em 2014. O dinheiro teria sido passado diretamente a partidos da coligação. Em depoimento à Justiça Eleitoral, Marcelo citou um valor maior, de R$ 120 milhões, doado ao caixa 2 da chapa Dilma-Temer. Os recursos não contabilizados destinados à campanha de Aécio teriam sido feitos em depósitos sucessivos. O tucano teria pedido a Marcelo uma doação de R$ 15 milhões.

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Campanha presidencial de 2014 foi abastecida com caixa 2, diz Marcelo Odebrecht
Imagem: Antonio Lacerda/EFE

Candidatos ao governo e ao Senado, vitoriosos e derrotados, também receberam seu quinhão, de acordo com os inquéritos. Como Renan Filho (PMDB), atual governador de Alagoas, que recebeu um empurrão nas contribuições do pai, o senador Renan Calheiros.

Em sua residência oficial como presidente do Senado, cargo que ocupou até fevereiro, o alagoano se reuniu com um executivo da Braskem – o objetivo, a princípio, era tratar da renovação dos contratos de concessão de energia. Renan ouviu os argumentos da empresa do grupo Odebrecht e se dispôs a contribuir. Antes de a conversa terminar, no entanto, aproveitou para pedir que a contribuição fosse retribuída em forma de dinheiro para a campanha do filho para o governo do Estado.

O delator Cláudio Melo Filho afirma em um dos inquéritos ter temido que os contratos de energia não seriam resolvidos e que os projetos da construtora fossem afetados. Uma doação oficial de R$ 1,2 milhão foi viabilizada pela Odebrecht para a candidatura de Renan Filho. O pai, segundo o inquérito, continuou a aparecer como figura proeminente no Senado para a aprovação das medidas de interesse do grupo.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), é outro que teria contado com uma doação expressiva via caixa 2 na eleição de 2014, de acordo com petição de abertura de inquérito enviada por Fachin ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Um valor, aliás, bem maior que o recebido na disputa eleitoral anterior.

Confirmando o suprapartidarismo da Odebrecht, os delatores Benedicto Júnior e Carlos Armando, os mesmos que dialogavam com a campanha da então petista Marta Suplicy, negociavam com a equipe do tucano. Eles disseram que Alckmin recebeu uma doação não declarada de R$ 2 milhões na eleição em 2010.

Quatro anos depois, os representantes da construtora teriam repassado R$ 8,3 milhões ao caixa 2 da campanha do governador paulista à reeleição. De acordo com Júnior, o objetivo das doações nas campanhas era manter contratos com o governo estadual e “garantir interlocução qualificada” na discussão de novos projetos de negócio. A empresa também levava em consideração a perspectiva de Alckmin vir a se tornar presidente.

A lista de BJ

Benedicto Júnior entregou aos investigadores da Lava Jato uma planilha com a soma de doações ao caixa 2 de políticos feitas entre 2008 a 2014. Pluripartidária, a lista tem 187 políticos, mas não traz nomes importantes, como a ex-presidente Dilma, o senador José Serra e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que também teriam recebido dinheiro não declarado.

Apesar das ausências, a lista é uma referência importante e confirma o crescimento das doações da Odebrecht para o caixa 2 dos candidatos. De acordo com a planilha, as doações não declaradas somaram R$ 60,5 milhões nas eleições de 2010 e saltaram para R$ 143 milhões em 2014.

Quem aparece no topo do ranking de doações irregulares nesta lista, conforme o jornal “Folha de S.Paulo” mostrou, é o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB), com R$ 62 milhões, que está preso; seguido pelo ministro de Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab (PSD-SP), com R$ 21,3 milhões; e pelo sucessor de Cabral, Luiz Fernando Pezão (PMDB), com R$ 20,3 milhões.

Outro lado

Os políticos citados na lista de Facchin negam ter cometido irregularidades. Em nota divulgada na quinta-feira, a ex-presidente Dilma afirmou que nunca pediu à Odebrecht recursos para a campanha e refuta as insinuações de tenha beneficiado a construtora.

Também por meio de nota, o senador Aécio Neves disse considerar importante o fim do sigilo sobre o conteúdo das delações e que "assim será possível desmascarar as mentiras e demonstrar a absoluta correção de sua conduta”.

A defesa de Sérgio Cabral informou que ele vai se manifestar apenas em juízo. Kassab disse, em nota, que "é necessário ter cautela com as informações prestadas por colaboradores".

O governador Pezão declarou que nunca recebeu recursos ilícitos e que as doações recebidas por ele eram legais.

Alckmin disse que jamais pediu recursos irregulares, nem autorizou que o fizessem em seu nome. Também afirmou jamais ter recebido um “centavo ilícito”. “Sempre exigi que minhas campanhas fossem feitas dentro da lei."

A senadora Marta Suplicy afirmou em nota que os fatos mencionados na delação são "inteiramente falsos”.

Em nota, o senador Serra declarou que a abertura do inquérito pelo STF é uma oportunidade de demonstrar que não cometeu nenhuma irregularidade em suas campanhas.

A assessoria do senador Anastasia disse que nunca tratou com qualquer pessoa ou empresa sobre qualquer assunto ilícito.

O senador Cássio Cunha Lima declarou, em vídeo publicado no Facebook, que seu patrimônio é compatível com a sua renda e que não enriqueceu ilicitamente. Também afirmou que não usou seus mandatos para beneficiar a Odebrecht.

O senador Lindbergh afirmou confiar que as investigações irão esclarecer os fatos e que "o arquivamento será o único desfecho possível".

Em nota, a senadora Vanessa Grazziotin afirmou que as doações feitas para suas campanhas foram oficiais, declaradas e posteriormente aprovadas pela Justiça Eleitoral.

Em vídeo divulgado na quinta-feira, Renan Calheiros afirmou que a Procuradoria tenta "criminalizar doação legal a pretexto de obra cuja gestão é de governo adversário”. “Eu confio na Justiça. A chance de ter me favorecido é zero. As minhas contas são auditadas desde 2003. Não há um centavo ilegal. O meu patrimônio é compatível e eu não tenho conta no exterior. Essas denúncias serão arquivadas por falta de prova.”

O governador de Alagoas, Renan Filho, disse por meio de nota publicada no “Congresso em Foco”, que "todas as doações recebidas na campanha foram rigorosamente dentro da lei, declaradas e aprovadas pela Justiça Eleitoral”.

Também ao “Congresso em Foco”, o governador do Acre, Tião Viana, afirmou ter “integridade, coerência e coragem para não aceitar a sanha condenatória de setores poderosos que destroem reputações tomando apenas a delação interessada de corruptos apanhados no crime“.

O ministro Aloysio Nunes informou que só vai se manifestar depois que tiver acesso ao teor do inquérito.

Artur Virgílio, atual prefeito de Manaus, declarou, também no Facebook, que não há registro de nenhum gesto seu “que tenha beneficiado a Odebrecht e seus lobistas”. “Meu sentimento ordena que enfrente a injustiça, com a altivez que corruptos e arbitrários não conseguiriam ter: cabeça erguida, rumo ao combate necessário e saneador.”

Paulinho da Força disse em nota que "a Odebrecht doou R$ 1 milhão para o partido Solidariedade, que foi distribuído para pagamentos de campanhas entre diversos candidatos aos cargos de deputados federal e estadual”. “Deste montante, minha campanha ficou com exatos R$ 158.563, conforme registro no TSE", disse, acrescentando que suas contas foram aprovadas pelos órgãos eleitorais responsáveis.

A deputada Maria do Rosário divulgou uma nota para comentar a menção ao seu nome na delação da Odebrecht. “A mera citação de meu nome me deixa indignada. Vou disponibilizar meus sigilos fiscal, bancário e telefônico ao STF tamanha é minha tranquilidade.”

O deputado Celso Russomanno disse que as doações recebidas por ele foram "oficiais". "Nunca dei nada em troca."

O deputado Nelson Pellegrino afirmou em nota estar tranquilo. “Meu advogado vai requerer o conteúdo ao STF e, após o conhecimento dos termos, me manifestarei.”

O deputado Jarbas Vasconcellos afirmou em nota publicada no Facebook que os recursos recebidos em suas campanhas, “provenientes da Odebrecht ou de qualquer outra empresa, foram repassados dentro da lei e estão declarados e aprovados pela Justiça Eleitoral”.

A deputada Yeda Crusius disse que considera “fundamental tanto a Lava Jato quanto o trabalho do Supremo para que os inquéritos” sejam “feitos e concluídos”.

O advogado Pedro Ivo, defensor de Eduardo Cunha, disse ao UOL que está acontecendo “um concerto ilícito de delações”. “Não se apresenta qualquer prova do que os delatores alegam sobre a conduta de Eduardo Cunha."

Eduardo Paes negou que tenha aceitado propina para facilitar ou beneficiar os interesses da Odebrecht e disse que todos os recursos recebidos em sua campanha de reeleição foram devidamente declarados à Justiça Eleitoral.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad declarou que "sua administração contrariou os dois principais interesses da empresa [Odebrecht] na cidade”. "As informações da empresa, portanto, não fazem o menor sentido."

A reportagem tentou falar por telefone com Gabriel Chalita nesta sexta-feira (14) ligando no número que aparece em seu site e também em um número de celular. O telefone que aparece no site é da Academia Paulista de Letras, da qual Chalita é presidente. Ele não estava no local e não atendeu o celular em ligações feitas no período da noite.

A deputada estadual em Santa Catarina Ana Paula Lima afirmou em nota no Facebook que as doações a sua campanha “foram declaradas e aprovadas pelos órgãos competentes” e que sua “conduta pública é regida pelos princípios da ética, moral e legalidade”.

Em nota enviada a jornais de Pernambuco, Vado da Farmácia negou que tenha recebido qualquer recurso de forma ilícita para sua campanha eleitoral em 2012 e disse que não tinha nada a temer.

* Colaborou Fernando Cymbaluk

Marcelo Odebrecht fala sobre pagamento para coalizão de Dilma Rousseff

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