Em depoimento, Joesley diz que dica de Geddel sobre sala antigrampo de Temer ajudou na escolha do gravador
Em depoimento à Polícia Federal no dia 16 de junho em Brasília, o empresário Joesley Batista afirmou que recebeu de Geddel Vieira Lima, ex-ministro da Secretaria do Governo, uma dica sobre uma sala "antigrampo" preparada no Palácio do Jaburu pelo presidente Michel Temer (PMDB-SP). De acordo com o depoimento, Geddel teria informado a Joesley que Temer usava o local para "tratar de assuntos mais sensíveis".
Segundo a declaração, Joesley também temia que o dispositivo que usaria para grampear a conversa com o presidente e que levava escondido no paletó fosse percebido caso ele tivesse de passar por um detector de metais.
O episódio culminou na delação premiada de Joesley, de seu irmão Wesley e de outros executivos da J&F. Como consequência, a PGR (Procuradoria-Geral da República) apresentou uma denúncia contra Temer na semana passada, sob a acusação de corrupção passiva. O presidente já apresentou sua defesa e nega ter cometido ato ilícito.
De acordo com o delator, Geddel lhe contou que Temer possuía uma sala equipada com bloqueadores de sinais eletromagnéticos para evitar ser gravado em meio a conversas delicadas. Depois disso, Joesley afirmou ter escolhido um gravador envolvido em uma camada de borracha e disse acreditar que o material isolante protegeria o gravador dos bloqueadores e o camuflaria do detector de metais.
O modelo utilizado pelo dono da J&F é um aparelho em miniatura no formato de um pendrive, com cerca de 7 cm de comprimento e menos de 2 cm de largura. O equipamento foi envolvido em uma espécie de fita de borracha por funcionários que ajudaram o empresário a preparar o flagrante, o que pode ter afetado a qualidade da gravação realizada. Modelos similares que inclusive gravam vídeos podem ser adquiridos em lojas na internet por menos de R$ 100.
Questionado pelo UOL se de fato o palácio conta com a sala "antigrampo", o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) respondeu que não vai se manifestar sobre o assunto.
No depoimento, prestado à PF após uma viagem à China, Joesley reafirma que não editou o conteúdo e que entregou todas as gravações que tinha para a PGR. Segundo o delator, ele não tem conhecimento técnico para adulterar o material.
Geddel foi ministro dos governos Lula (Integração Nacional, de 2007 a 2010) e Temer (Secretaria de Governo, 2016) e foi preso na última segunda (3) em decorrência de investigações da Operação Cui Bono?. O UOL procurou Gamil Foppel, advogado de Geddel, para esclarecer se ele confirmava que Geddel teria passado a dica a Joesley, e em que circunstâncias, mas ele não atendeu aos telefonemas.
Joesley ficou "desapontado" com Temer
Joesley relata que, na noite da gravação, Temer o recebeu em uma sala no subsolo do palácio, "depois da área de serviço e ao lado da garagem". Foi a primeira vez que conversaram nesse ambiente. Anteriormente, Joesley era recebido em uma das salas de estar do Palácio do Jaburu. Segundo ele, foram pelo menos cinco visitas antes do dia do grampo.
O empresário contou que estava nervoso naquele dia. Ele explicou que costuma falar de maneira truncada e usar o auxílio de anotações em papéis para falar de valores e outros assuntos delicados. Assim, não poderia ser muito explícito na conversa com Temer ou o presidente iria desconfiar.
Disse ter ficado "desapontado" com o presidente Temer na hora em que comentou sua relação com o deputado federal cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na cadeia. Segundo a transcrição da Polícia Federal, o diálogo foi:
"Joesley Batista: Tô de bem com o Eduardo.
Michel Temer: Muito bem.
Joesley Batista: (...) e (...)
Michel Temer: Tem que manter isso, viu.
Joesley Batista: (...) Todo mês...
Michel Temer: O Eduardo também, né?
Joesley Batista: Também.
Michel Temer: É (...)"
Após a divulgação do teor do áudio, Temer afirmou que não levou a sério as declarações de Joesley naquela noite, por isso não o denunciou à Justiça.
No depoimento, Joesley reafirmou todas as acusações feitas a Temer, a Rodrigo Rocha Loures e a outros políticos e pessoas ligadas ao PMDB na Câmara. Também disse que conhece Geddel há cerca de 20 anos, pois a JBS compra gado de fazendas da família do político na Bahia.
A gravação é a principal prova da denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra Temer. A linha da defesa do presidente é questionar a autenticidade e a validade do áudio como prova no processo. O advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira negou todas as acusações contra Temer e chamou a gravação de "duvidosa" e "repleta de adulterações".
Perícia feita pelo INC (Instituto Nacional de Criminalística), ligado à Polícia Federal, aponta que o áudio não sofreu edições. Apesar disso, há 180 interrupções na gravação. De acordo com o laudo da PF, as interrupções foram provocadas pelo tipo de gravador utilizado, que desliga sozinho quando não há som ambiente e começa a gravar automaticamente quando algum barulho ativa o dispositivo.
J&F não comenta uso de gravador
Questionada sobre o assunto, a assessoria de imprensa da J&F afirma que não há nada a comentar sobre o gravador ou a gravação. "A J&F ressalta a importância do mecanismo da colaboração, que está permitindo que o Brasil mude para melhor", afirma a nota enviada ao UOL.
"Não seria possível expor a corrupção no país sem que pessoas que cometeram ilícitos admitissem os fatos e informassem como e com quem agiram, fornecendo indícios e provas. A colaboração de Joesley Batista e mais seis pessoas é muito diferente de todas as que já foram feitas até aqui. Além da utilização de ação controlada com autorização judicial, houve vastos depoimentos, subsidiados por documentos, que esclarecem o modus operandi do cerne do sistema político brasileiro", afirma a empresa.
"A despeito do grande número de informações e provas já entregues, os colaboradores continuam disponíveis para cooperar com a Justiça e, conforme acordo firmado, estão sendo identificados outras informações e documentos como complementos às investigações e que também serão entregues", termina o comunicado.
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