"Ordem na casa", recuos e polêmicas: a 1ª semana do governo Bolsonaro
Ao tomar posse no cargo na terça-feira (1º), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) começou a dar forma ao seu governo, efetivando e colocando em marcha promessas de campanha, além de anunciar e recuar em algumas medidas. Uma das propostas, a alta no IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), foi descartada menos de 24 horas após ser anunciada.
Os primeiros dias do governo Bolsonaro podem ser tomados como uma amostra do que vem por aí. Veja as principais ações e decisões do novo presidente, que vai comandar o país até 2022.
Reforma ministerial
No mesmo dia em que tomou posse, Bolsonaro publicou uma Medida Provisória reduzindo de 29 para 22 o número de ministérios e órgãos com status ministerial.
Entre as principais mudanças estão a extinção do Ministério do Trabalho; a ampliação das atribuições do Ministério da Justiça, comandado pelo ex-juiz federal Sergio Moro; e a criação do Ministério da Economia, que reúne as antigas pastas da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio Exterior, sob o controle do economista Paulo Guedes.
Funai e quilombolas
A reforma ministerial também levou a Funai (Fundação Nacional do Índio) do ministério da Justiça para o da Mulher, Família e Direitos Humanos e retirou dela a identificação, delimitação e demarcação de terras indígenas no país. A responsabilidade agora passa ao Ministério da Agricultura, comandado pela líder ruralista Teresa Cristina. Historicamente, os ruralistas possuem interesses antagônicos à demarcação de terras indígenas em diferentes estados.
A política de identificação e demarcação de territórios quilombolas, ocupadas por descendentes de negros escravizados, também foi repassada ao Ministério da Agricultura. Antes, essa atribuição era do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), uma das principais entidades representativas de indígenas, que reúne organizações do Norte e do Centro-Oeste, pediu que a PGR (Procuradoria-Geral da República) instaure um inquérito civil para apurar a legalidade da medida.
Salário mínimo
Ainda na terça-feira, primeiro dia do governo, Bolsonaro assinou o decreto que fixou o valor do salário mínimo em R$ 998, o que representa um reajuste de 4,61% em relação ao valor de R$ 954, vigente no último ano. O valor é inferior ao mínimo de R$ 1.006 que havia sido aprovado pelo Congresso Nacional. A redução estabelecida no decreto presidencial se deve à diminuição da expectativa de inflação. Por lei, o salário mínimo nacional é corrigido levando em conta a inflação no ano anterior, calculada pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), e o PIB de dois anos antes.
O PT, partido de oposição ao governo Bolsonaro, prepara um projeto de decreto legislativo para reverter a decisão de Bolsonaro e garantir o valor de R$ 1.006 para o salário mínimo.
Economia e desmentido
Na sexta-feira (4), Bolsonaro afirmou de manhã, na única entrevista coletiva a jornalistas que deu durante a semana, que haveria um aumento na alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), mas a medida foi descartada horas depois de anunciada.
No final da tarde, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, em entrevista no Palácio do Planalto, disse que o presidente "se equivocou" ao anunciar a medida. Antes da negativa de Onyx, o secretário especial de Receita Federal, Marcos Cintra, já havia negado as medidas anunciadas e afirmou que deveria ter ocorrido "alguma confusão" no na afirmação do presidente.
No evento pela manhã Bolsonaro também anunciou a intenção de reduzir a alíquota de uma das faixas do IR (Imposto de Renda). O teto do IR para pessoas físicas, que hoje é de 27,5%, passaria para 25%. À tarde, ao justificar a negativa do aumento do IOF, Onyx afirmou que a redução do IR está sendo estudada pela equipe econômica, mas não confirmou se já há decisão sobre sua futura implementação.
Aposentadoria
Na quinta-feira (3), Bolsonaro defendeu uma idade mínima de aposentadoria de 57 anos para mulheres e de 62 anos para homens, segundo ele, de forma gradativa.
A proposta, que ainda não foi detalhada nem comentada por integrantes da equipe econômica, atenuaria a reforma da Previdência idealizada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), que queria 65 anos de idade mínima para ambos os sexos. O texto da reforma encaminhada por Temer foi aprovado por uma comissão especial na Câmara dos Deputados, que estabeleceu 65 anos para os homens e 62 para as mulheres.
Hoje, no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), existem as aposentadorias por idade, que exige 60 anos (mulheres) e 65 anos (homens), e por tempo de contribuição, que não requer idade mínima. No setor público, as mulheres podem se aposentar a partir dos 55 anos, e os homens, dos 60.
Posse de arma
Bolsonaro anunciou a intenção de editar decretos que facilitam o posse e o porte de armas de fogo, conforme havia prometido na campanha eleitoral.
Segundo Bolsonaro, o decreto com novas regras para a posse -- ou seja, o direito de ter uma arma em casa -- deve sair ainda em janeiro e deverá definir critérios objetivos para tanto. Esta definição está sendo feita com o ministro da Justiça, Sergio Moro, que, segundo o presidente, recomendou o decreto.
Hoje, a posse significa que a pessoa está autorizada a ter uma arma dentro de casa ou em seu local de trabalho e, para isso, é necessário comprovar a necessidade de possuir o armamento e ter o pedido aprovado pela Polícia Federal. Já o porte é hoje proibido para quase todos os cidadãos brasileiros, com exceções como membros de forças de segurança pública, como policiais, e da segurança privada.
'Despetização' da Casa Civil
Na quarta-feira (2), um dia após tomar posse no cargo, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, anunciou que iria exonerar todos os servidores da pasta que ocupam cargos comissionados para dar início ao que ele chamou de "despetização do governo". São cerca de 320 funcionários nessa condição, segundo Onyx.
Segundo o ministro, todos os servidores que serão exonerados vão passar em seguida por uma reavaliação. A Casa Civil deve fazer entrevistas com os servidores exonerados para saber quando foram contratados e qual a ligação com os governos anteriores.
As entrevistas devem durar cerca de duas semanas. Depois disso, os funcionários que comprovarem que não têm "ligação ideológica" com os governos do PT devem ser recontratados.
Políticas LGBT
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, negou que as políticas para a comunidade LGBT estejam fora da alçada do ministério e afirmou que os direitos LGBT estarão sob a responsabilidade de uma diretoria vinculada à Secretaria Nacional de Proteção Global.
A afirmação foi feita após grupos LGBT questionarem a ausência de setor específico do Ministério voltado às políticas para a área na Medida Provisória publicada na terça-feira que definiu a nova estrutura do governo. Segundo Damares, como a Medida Provisória listou apenas as secretarias da pasta, a diretoria que cuidará do tema não foi citada no texto.
Após a polêmica, Bolsonaro afirmou, sem citar a comunidade LGBT, que as políticas de direitos humanos de seu governo não vão abandonar "qualquer indivíduo" e que a proteção desses direitos está abrangida pelas atribuições das secretarias e conselhos que integram o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.
MEC sem Secretaria de Diversidade
O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, confirmou a extinção de uma secretaria do MEC (Ministério da Educação) responsável por ações de diversidade. A Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) será desmontada e em seu lugar surgirá a subpasta Modalidades Especializadas, o que, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, seria uma manobra para eliminar as temáticas de direitos humanos, de educação étnico-racial e a própria palavra diversidade da estrutura do ministério.
Vélez ainda criticou o que chamou de "marxismo cultural" nas escolas, e um decreto estipulou uma dos novos objetivos do MEC: promover e propor a adesão das escolas públicas ao modelo "cívico-militar" de ensino.
Monitoramento de ONGs
Na Medida Provisória da reforma ministerial, Bolsonaro incluiu entre as atribuições da Secretaria de Governo, comandada pelo general Carlos Alberto dos Santos Cruz, a supervisão e monitoramento das atividades de ONGs e organismos internacionais.
O texto da MP afirma que compete à Secretaria de Governo "supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional".
Entidades do terceiro setor criticaram a medida, com o argumento de que a Constituição Federal prevê autonomia de atuação para essas instituições.
Contrato da Funai
A ministra Damares Alves pediu a suspensão de um contrato de R$ 44,9 milhões que a Funai (Fundação Nacional do Índio) publicou nos últimos dias do governo de Michel Temer (MDB). A UFF (Universidade Federal Fluminense) foi contratada para "dar apoio institucional ao desenvolvimento do projeto 'Fortalecimento Institucional da Funai'", de acordo com documento assinado em 28 de dezembro.
O órgão era controlado politicamente pelo deputado André Moura (PSC-SE). O pedido da nova ministra foi dirigido ao presidente da Funai, Wallace Bastos, que é subordinado da ministra. A UFF e a Funai ainda não se pronunciaram sobre o caso.
Força Nacional no Ceará
Na quarta-feira, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro autorizou o envio de 300 homens da Força Nacional de Segurança para o Ceará. Desde o dia 2, o estado registra mais de uma centena de ataques comandados por facções criminosas, entre incêndios a veículos, depredações e explosões. De acordo com o ministério, a Força Nacional irá atuar por ao menos 30 dias no estado.
Cerca de uma hora após o anúncio, Bolsonaro elogiou a decisão de Moro. Segundo o presidente, o ex-juiz federal foi "muito hábil, muito rápido", diante da informação de que a violência se agravou no estado nordestino". Bolsonaro destacou ainda que o governo atendia a demanda do Ceará mesmo sabendo que o governador do estado, Camilo Santana (PT), "tem uma posição radical a nós".
Ataques à imprensa e à oposição
Em seu primeiro fim de semana como presidente, Bolsonaro não teve agendas públicas, mas usou seu canal favorito, as redes sociais, para se manifestar.
Sem falar nada sobre os desmentidos que sofrera na sexta-feira sobre o aumento do IOF, o presidente e seus filhos mais assíduos no Twitter, Eduardo (deputado federal reeleito por São Paulo) e Carlos (vereador pelo Rio de Janeiro) voltaram sua artilharia para a imprensa e para a oposição.
Carlos fez críticas ao Jornal O Globo e ao Jornal Nacional, da TV Globo, pelas reportagens sobre o governo. Eduardo exaltou a posse de armas, que o pai pretende flexibilizar, e elogiou a decisão do parlamento venezuelano em não reconhecer o segundo mandato do presidente Nicolás Maduro.
Ao presidente, coube destacar que o novo coordenador do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), Murilo Resende, deve priorizar o ensino e não o que classificou como "doutrinação" de alunos em sala de aula. Bolsonaro ainda atacou o seu adversário derrotado no segundo turno da eleição presidencial, Fernando Haddad (PT), a quem chamou de "fantoche do presidiário corrupto", em referência ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
As críticas foram feitas após Haddad reproduzir em sua conta no Twitter um texto da agência "Deutsche Welle" com o título "Brasil, um país do passado", publicado em 2018. "O Bolsonaro me confundiu com o jornalista da Deutsche Welle. Na verdade, é uma matéria da Deutsche Welle, não é um comentário meu", afirmou Haddad ao UOL. "Se ele tivesse o mínimo de coragem, se quiser acrescentar, ele teria aceitado debater comigo na campanha eleitoral", afirmou o ex-prefeito de São Paulo.
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