Mourão passa pela Presidência com bom humor e preocupação com a Venezuela
O vice-presidente Antônio Hamilton Mourão (PRTB) exerceu nesta semana a Presidência mostrando descontração, mas se revelou bastante preocupado com a crise política na Venezuela, segundo assessores e amigos dele ouvidos pelo UOL. Pela primeira vez chefiando o Executivo, o general seguiu seu plano de obedecer as decisões de Jair Bolsonaro (PSL), sem tomar decisões que pudessem ser consideradas radicais. Mas não evitou falar sobre temas delicados, como as investigações envolvendo o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
O tom descontraído e brincalhão que marcaria a semana ficou evidente na primeira declaração de Mourão aos jornalistas ao chegar na manhã de segunda-feira (21) ao escritório da vice-presidência: "Eu só queria dizer o seguinte: extrema satisfação em dizer que o Flamengo venceu ontem e o Botafogo perdeu. Abraço!", disse a caminho de sua sala.
Mas apesar da aparente descontração, Mourão provou do "peso moral" das responsabilidades da função, segundo servidores próximos a ele. "Sim, ele estava bastante descontraído, mas entendendo a dimensão do momento que estava vivendo", disse ao UOL um alto funcionário que teve audiência com o presidente em exercício.
Entre amigos
No período, Mourão compareceu a uma única cerimônia pública: a de troca de comando do 2º RCG (Regimento de Cavalaria de Guarda) do Exército, na Vila Militar, na zona oeste do Rio de Janeiro, na terça-feira (22).
Por volta das 9h, um jato da Força Aérea pousou com o presidente em exercício na Base Aérea dos Afonsos - que fica próximo ao quartel onde ocorreria a cerimônia. Não era a primeira vez que o general passava por aquela base, pelo contrário. É de lá que partem as missões de treinamento aeroterrestre da Brigada Paraquedista, da qual Mourão fez parte e onde aprendeu a saltar de paraquedas.
Dessa vez, porém, o clima não era de uma missão militar, porque quem chegava não era o general Mourão, mas o presidente em exercício. Ao sair da base e chegar à sede do 2º RCG, ele era aguardado por diversos generais, coronéis e oficiais, todos velhos conhecidos do vice-presidente.
"Chamamos o senhor de general, de vice-presidente...?", questionou um dos militares ao presidente em exercício. Mourão logo riu e quebrou o gelo, passando a chamar os colegas pelos apelidos de caserna, em tom animado.
Ele morava no Rio de Janeiro antes da eleição e, além de ter servido na Brigada Paraquedista durante a carreira militar, costumava encontrar membros do regimento devido à ligação afetiva com os militares da arma de Cavalaria.
"O general Mourão é da arma de Artilharia, mas a Artilharia e a Cavalaria estão historicamente ligadas", disse o coronel Carlos Cinelli, porta-voz do Comando Militar do Leste, durante o evento. A ligação ocorre porque, no passado, canhões e peças de artilharia eram transportados a cavalo.
Mourão aprecia a tradição, mas além disso sempre praticou equitação. Atualmente, em Brasília, ele monta às terças-feiras e quintas-feiras antes do expediente e aos sábados. Os cavalarianos do 2º RCG mantêm uma tropa equipada com cavalos para eventos cerimoniais e controle de distúrbios urbanos em missões de Garantia da Lei e da Ordem.
"Ele estava descontraído porque estava no ambiente dele. Não era uma relação absolutamente pessoal, era uma afinidade castrense", disse ao UOL um oficial que estava na cerimônia.
Repostas sobre Flávio e brincadeiras com a imprensa
Após ouvir discursos e ver uma parada militar, Mourão voltou a Brasília ainda antes do almoço. Lá foi questionado por jornalistas sobre investigações do Ministério Público do Rio a respeito de movimentações financeiras atípicas de um ex-assessor de Flávio Bolsonaro e sobre o fato de o filho do presidente ter empregado em seu gabinete familiares de um ex-policial acusado de pertencer a uma quadrilha de milicianos do Rio.
"O único problema do senador Flávio qual é? Sobrenome, né?", disse a um grupo de jornalistas que o aguardava ao frente ao escritório da vice-presidência.
No dia seguinte, Morão voltou a responder sobre o assunto afirmando que Flávio terá que pagar o preço se for provado que ele errou. Ele falou em tom descontraído aos repórteres: "Qual é a sigla? Você já sabe: 'apurundaso', apurar e punir se for o caso!"
Mourão fez questão em diversas ocasiões de dar atenção ao grupo de 30 jornalistas que sempre o aguardava em suas entradas e saídas do escritório durante esta semana no início do expediente, na hora do almoço e ao fim do dia. "Estou atrasado para o almoço, mas como vocês estão no sol eu ajudo vocês", disse antes de mais uma bateria de perguntas.
Ele falou não só sobre investigações, mas questões diplomáticas e reforma da previdência. E ainda fez um post no Twitter agradecendo o respeito com que era recebido pela imprensa.
Venezuela
Entre os dias 21 e 24 de janeiro, Mourão recebeu em seu gabinete políticos, empresários e diplomatas - como o ministro da Defesa Fernando Azevedo e os embaixadores da Alemanha e da Tailândia. Sua rotina diária se iniciava às 9h e só era encerrada por volta de 19h. Na maioria dos compromissos, Mourão demonstrou bom humor, segundo assessores e amigos.
Mas um tema foi tratado com bastante seriedade: Mourão ordenou a seus assessores ser atualizado a todo momento com informações da diplomacia e da inteligência sobre o agravamento da crise política na Venezuela.
Na quarta-feira, o presidente da Assembleia Nacional venezuelana, Juan Guaidó, se autoproclamou presidente interino do país diante de uma multidão que protestava contra o presidente Nicolás Maduro.
Logo depois, Maduro declarou ter rompido relações com os Estados Unidos e acusou os americanos de tramar um golpe. O Brasil, os Estados Unidos e outras nações reconheceram Guaidó.
Mourão foi adido militar na embaixada brasileira em Caracas em 2002 e conhece bem o regime chavista (iniciado pelo aliado e antecessor de Maduro, Hugo Chaves) e suas capacidades militares.
Quando Venezuela e Colômbia ameaçaram entrar em guerra em 2008, o vice-presidente era general-de-brigada e comandava a 2ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira, responsável pela tríplice fronteira com os dois países no norte do Amazonas.
Na ocasião ele opinou que embora as tensões estivessem se elevando devido a uma crise diplomática envolvendo o combate às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), os países não entrariam em conflito armado por fatores relacionados à falta de recursos militares dos dois lados - previsão que se mostrou correta.
Segundo assessores, nesta semana, Mourão ficou em comunicação constante com o presidente Bolsonaro, que estava no Fórum Econômico Mundial na Suíça. Foi decidido que seria Bolsonaro e sua equipe na Suíça que elaborariam uma nota e anunciariam o reconhecimento de Guaidó como presidente.
O presidente em exercício também foi informado sobre cenários e possíveis desdobramentos da crise política na Venezuela, como a possibilidade de Maduro negociar um acordo para deixar o país. À imprensa, ele repetiu a posição de que o Brasil não se envolverá em uma intervenção militar no país. Mourão é, porém, partidário que o Brasil intensifique a pressão diplomática pela alternância de poder no vizinho.
Decreto polêmico
Na semana passada, Mourão havia dito ao UOL que obedeceria firmemente as decisões tomadas por Bolsonaro e que a Presidência em exercício era uma questão protocolar.
Porém, um decreto assinado por Mourão gerou polêmica por reclassificar a Lei de Acesso à Informação. Entre outras determinações, o decreto amplia o rol de autoridades que podem classificar uma informação do governo federal como ultrassecreta (que fica em sigilo por 25 anos).
Mourão ressaltou outro aspecto do decreto, que diminui a burocracia para acessar e desclassificar documentos sigilosos. Ele afirmou que assinar o decreto não foi ideia sua, pois seria uma herança do governo anterior que Bolsonaro autorizou que fosse aprovada.
Segundo um assessor, Mourão sentiu que sua rotina foi intensificada na Presidência em exercício. Ele participou em média de sete reuniões ou concedeu audiências por dia, além de dar entrevistas e receber "inúmeros" telefonemas.
Porém, o vice-presidente disse que não se sentiu cansado e não alterou sua rotina. Antes de seguir para o trabalho manteve o hábito de fazer exercícios físicos no Palácio do Jaburu e montar a cavalo.
Mourão voltará a exercer a presidência na semana que vem, quando Bolsonaro será submetido a uma cirurgia para a retirada de uma bolsa de colostomia que usa desde que sofreu um atentado a faca em setembro. Ele deve ficar na função por cerca de quatro horas enquanto o presidente estiver inconsciente.
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