Esquema de Temer envolve nomeações, propinas milionárias e fraude, diz MPF
Resumo da notícia
- Documentação do Coaf detalha transações milionárias de grupo ligado a Temer
- Dinheiro ia para empresas do coronel Lima, amigo do ex-presidente
- MPF: esquema tinha aliados em postos-chave para fechar contratos vultosos
- Defesa nega que Temer tenha integrado organização criminosa ou praticado crimes
Suspeitas do MPF (Ministério Público Federal) apontam para um bilionário esquema de corrupção chefiado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) que teria operado até o fim de seu governo. Dão base à investigação documentos, delações premiadas e relatórios de inteligência financeira do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que apontam movimentações bancárias realizadas por empresas e pessoas ligadas à organização criminosa até o fim de 2018.
Nesta sexta (29), a força-tarefa da Operação Lava Jato no MPF-RJ (Ministério Público Federal do Rio de Janeiro) ofereceu duas denúncias contra Temer e outros investigados pelo esquema de corrupção envolvendo a Eletronuclear e as obras na usina nuclear de Angra 3.
Segundo a defesa de Temer, o ex-presidente "nunca integrou organização criminosa nem praticou outras modalidades de crime, muito menos constitui ameaça à ordem pública". O ex-presidente ficou preso por quatro dias. A defesa dele afirmou que a soltura dele demonstrou que o pedido de prisão preventiva foi "abusivo".
As investigações do MPF e da PF (Polícia Federal) apontam que o esquema capitaneado por Temer mantinha tentáculos nas áreas de infraestrutura (portos e aeroportos) e energia (Eletronuclear). A estratégia consistia na indicação de aliados para cargos de comando em estatais ou empresas de capital misto.
A partir das nomeações, entrava em cena o coronel reformado da Polícia Militar João Baptista Lima Filho, apontado pelo MPF como principal operador de Temer na organização criminosa.
Com aliados em postos chaves, o coronel Lima não tinha dificuldades para fechar contratos vultosos de prestação de serviços em benefício de suas empresas. Na prática, segundo o MPF, esses negócios serviam para encobrir repasse de propinas milionárias à organização criminosa.
Há indícios de que o esquema liderado por Temer existia havia décadas, mas teria se intensificado no período em que o emedebista ocupava a Vice-Presidência no governo de Dilma Rousseff.
Esquema envolveu Eletronuclear
Foi a partir da Operação Radioatividade, o 16º desdobramento da Lava Jato, que as suspeitas ligando o ex-presidente da Eletronuclear [uma subsidiária da Eletrobras], Othon Luiz Pinheiro da Silva à rede de corrupção chefiada pelo ex-presidente Temer vieram à tona. Othon foi um dos presos na ação realizada pela Polícia Federal em julho de 2015. Na ocasião, computadores e smartphones dos suspeitos foram apreendidos.
A análise da troca de mensagens e de telefonemas entre Othon e pessoas vinculadas a Temer revelou que o então vice-presidente teria sido o responsável pela manutenção de Othon na presidência da Eletronuclear. Em troca da indicação, Othon teria que "encaixar" as empresas Engevix e Argeplan, ligadas ao esquema de licitações fraudulentas para obras de Angra 3.
O engenheiro nuclear e almirante Othon Pinheiro havia sido nomeado pela primeira vez à presidência da Eletronuclear ainda no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005.
Com base nas provas reunidas na Operação Radioatividade, Othon Pinheiro foi condenado a 43 anos de prisão pelos crimes de corrupção lavagem de dinheiro, organização criminosa e evasão de divisas. O ex-presidente da Eletronuclear foi preso em outras duas operações da PF, a última delas (Operação Descontaminação) também levou à prisão Temer e o coronel Lima.
O UOL entrou em contato por telefone com o escritório do advogado Fernando Fernandes, que representa Othon Pinheiro, para ouvir sua versão, mas não obteve resposta.
A relação entre o coronel Lima e Ohton é descrita na delação de José Antunes Sobrinho, sócio da Engevix Engenharia, que passou a integrar um consórcio internacional para a construção de Angra 3. Em depoimentos ao MPF e à PF, o empresário afirma:
Que o coronel Lima possuía ascendência muito forte sobre Othon Pinheiro, que em certa oportunidade o empreendimento precisava de aditivo para se adequar à realidade econômica, mas o contrato não havia sido assinado no tempo devido, o que levou o coronel Lima a dizer que se Othon não resolvesse a questão ele (Lima) faria gestões para retirá-lo da presidência da Eletronuclear, que Othon sabia a quem devia o cargo, referindo-se ao então vice-presidente Michel Temer.
Fraude em licitação internacional
Além de relatos detalhados como o de Sobrinho, a investigação reuniu evidências de que a organização fraudou uma licitação internacional para garantir a vitória do consórcio integrado pelas empresas Argeplan Arquitetura, AF Consult Internacional e Engevix para a execução do contrato de engenharia eletromecânica 1 da Usina Angra 3, no Rio de Janeiro.
Foi um negócio de R$ 163 milhões, que acabou anulado devido às investigações. Segundo a ação cautelar elaborada pelo MPF, ao menos sete empresas integravam a rede criada pela organização criminosa com a finalidade de dissimular a origem ilícita do dinheiro desviado.
Cifras incompatíveis
As movimentações nas contas do coronel Lima e de sua mulher, Maria Rita Fratezi, bem como em contas das empresas em que eles detêm sociedade, chegaram a cifras consideradas incompatíveis com a realidade financeira das empresas. De acordo com o Coaf, a PDA Projeto, empresa aberta com capital social de R$ 500 e sem funcionários, movimentou R$ 26 milhões em apenas seis anos, entre 2009 e 2015.
O coronel Lima sempre negou as acusações. Recentemente, no episódio da prisão do ex-policial, o advogado Maurício Silva Leite, defensor de Lima, declarou estar "perplexo" com a detenção. Lima foi liberado, assim como o ex-presidente Temer, após decisão judicial.
Entre outubro de 2012 e junho de 2016, a AF Consult do Brasil, que tem entre os sócios a Argeplan Arquitetura e Engenharia Ltda., remeteu R$ 2,2 milhões de sua conta no Kirton Bank S/A para as contas da Argeplan, e outros R$ 502 mil para as contas de Carlos Alberto Costa Filho, sócio-administrador da empresa.
Em apenas um dia (29/05/2015) foi feita uma transferência de R$ 900 mil da conta da AF Consult do Brasil para a Argeplan.
Outra empresa que tem o coronel como sócio é a PDA Administração e Participação Ltda, que chegou a manter aplicações na ordem de R$ 10 milhões.
Na rede de empresas usadas no esquema figura ainda a Dot GS Digitação SS Ltda-Me, cujo capital social é de R$ 1 mil. Ela tem como sócio Carlos Alberto Costa Filho, que também é sócio do coronel Lima na Argeplan. A Dot GS movimentou R$ 2 milhões, segundo o Coaf. Carlos Alberto foi um dos presos na Operação Descontaminação. Em depoimento à PF, ele negou envolvimento nos crimes atribuídos pelo MPF.
MPF vê esquema de empresas de fachada
De acordo com os procuradores, as análises das movimentações financeiras revelam um intrincado esquema envolvendo empresas de fachada, emissão de notas falsas e fraudes para encobrir as altas somas movimentadas nas contas de sócios e das empresas listadas na investigação.
Um dos relatórios do Coaf cita ainda a empresa Alumi Publicidades Ltda como integrante da rede de lavagem de dinheiro do ex-presidente Temer -- um esquema que movimentou R$ 1,8 bilhão, segundo a força-tarefa da Lava Jato.
A reportagem procurou, por telefone e email, as empresas Engevix Engenharia, Argeplan Arquitetura, AF Consult do Brasil, AF Consult Internacional, PDA Projetos, PDA Administração, Alumi Publicidades, Concrejato Serviços Técnicos e Dot GS para comentarem as acusações do MPF.
A Engevix, que tem como sócio o delator José Antunes Sobrinho, informou que vem colaborando com as investigações. Argeplan, PDA Projetos, PDA Administração, que têm entre os sócios o coronel Lima, também afirmaram que seus representantes estão colaborando com a Justiça. AF Consult do Brasil e AF Internacional não responderam aos emails.
O representante da Alumi Publicidades afirma estar colaborando nas investigações. Em meio às investigações, representantes das empresas AF Consult Internacional E AF Consult do Brasil negaram em depoimentos irregularidades na concorrência para a construção de Angra 3 e nas transações financeiras sob escrutínio do MPF e da Polícia Federal.
Óculos, boné e R$ 20 milhões em dinheiro
Um dos relatórios do Coaf revela ainda que em 23 de outubro passado uma pessoa tentou depositar o "impressionante valor de R$ 20 milhões em espécie" na conta da Argeplan Arquitetura e Engenharia Ltda, cujo sócio é o coronel João Batista Lima Filho.
A transação financeira só não foi concretizada porque o gerente da agência do Santander, na Vila Madalena, em São Paulo, exigiu a identificação do depositante e a origem do dinheiro. Para a surpresa do funcionário, o portador da quantia levantou-se e foi embora carregando a fortuna.
A PF tentou localizar o autor do pedido de depósito, sem sucesso.
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