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Lava Jato não é só Lula, diz ex-ministro do STJ após revisão de pena

O ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Gilson Dipp - Moacyr Lopes Junior/Folhapress
O ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Gilson Dipp Imagem: Moacyr Lopes Junior/Folhapress

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

25/04/2019 04h00Atualizada em 25/04/2019 11h27

Ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o jurista Gilson Dipp vê com naturalidade a decisão da 5ª Turma por reduzir a pena do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no processo do tríplex em Guarujá (SP), da Operação Lava Jato. A decisão do STJ, avalia, se deu com base em critérios técnicos e não representa um revés para a força-tarefa de Curitiba.

"Não dá para personalizar a Lava Jato na pessoa do Lula", afirmou em entrevista ao UOL. "Se tudo o que se absolvesse ou diminuísse pena atingisse a Lava Jato, o Judiciário seria um braço da Lava Jato, e não o Poder Judiciário do Brasil".

Em julgamento nesta terça (23), a 5ª Turma do STJ manteve a condenação de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro no processo do tríplex. Mas os ministros decidiram, de forma unânime, pela redução na condenação do ex-presidente para 8 anos, 10 meses e 20 dias de prisão. A redução pode permitir que o petista vá para o regime semiaberto ainda neste ano, caso não receba novas condenações da Justiça --Lula é réu em outras sete ações penais.

Ao longo da sessão, os ministros do STJ falaram em "excessos" por parte do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), a segunda instância da Lava Jato, que havia fixado a pena do petista em 12 anos e um mês de prisão. O então juiz Sergio Moro, da primeira instância, havia condenado Lula a nove anos e meio de prisão.

A reforma de uma decisão como essa em instâncias superiores, na análise de Dipp, que também foi desembargador e presidente no TRF-4, é "normal" --assim como as críticas, que ele diz serem meramente jurídicas.

Idealizador das varas especializadas em julgar lavagem de dinheiro, Dipp ainda afirmou que, assim como o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello, ele também tem dúvidas sobre a existência do crime de lavagem junto ao de corrupção na condenação imposta ao ex-presidente Lula.

Veja, abaixo, os principais trechos da entrevista.

Ministro do STJ vota por diminuir pena de Lula

UOL Notícias

UOL - Na sua opinião, o julgamento do recurso de Lula no STJ põe, de alguma forma, a Lava Jato à prova?

Gilson Dipp - Absolutamente não. Não dá para personalizar a Lava Jato na pessoa do Lula. Quem personaliza a Lava Jato na pessoa do Lula radicaliza, ou insinua que a Lava Jato visava apenas atingir o ex-presidente Lula. A Lava Jato tem uma amplitude, um espectro ainda maior. (...) No julgamento de Lula, houve mera diminuição na dosimetria da pena. O processo de uma pessoa atinge a Lava Jato, com milhares de ações? Evidentemente que não.

Nem mesmo o fato de os ministros do STJ terem diminuído a pena?

Quando o Judiciário julga, ele faz um julgamento --que se espera que seja-- isento e técnico. Então se tudo o que se absolvesse ou diminuísse pena atingisse a Lava Jato, o Judiciário seria um braço da Lava Jato, e não o Poder Judiciário do Brasil.

Como é que uma decisão técnica, que apenas diminui a pena, vai atingir a Lava Jato? O que é a Lava Jato? O Judiciário é um braço da Lava Jato? De jeito nenhum. Está se tratando aí o Judiciário como um algoz da Lava Jato, com uma simples decisão, que não é de um juiz, é do Superior Tribunal de Justiça.

O que a Lava Jato tem de sacralidade que uma decisão judicial não pode inserir ou reduzir uma pena imposta nas instâncias inferiores? Isso é desmerecer o Judiciário.

Em diversos momentos, os ministros do STJ criticaram o TRF-4 por "excessos" na multa e na pena impostas ao ex-presidente. Qual a avaliação do senhor sobre isso?

Normal. Quando se reforma uma decisão, há uma justificativa jurídica. E essa justificativa jurídica é meramente dizer: "Olha, a pena imposta foi excessiva porque não foram analisados os atenuantes etc. etc.". Fundamento meramente jurídico.

Quando se reforma uma decisão em um tribunal superior de um tribunal inferior, essa reforma não é apenas crítica, para reformular é preciso fundamentar. E nesse fundamento, se você muda uma decisão com a qual você não concorda, evidentemente tem um componente de crítica jurídica.

Esse agravo, na verdade, foi o julgamento do recurso especial, que foi decidido monocraticamente pelo relator tempos atrás. E que não deu margem, inclusive, à defesa do Lula. [Em novembro de 2018, o ministro Felix Fischer, relator do caso no STJ, negou monocraticamente um recurso de Lula no processo do tríplex. A defesa do petista recorreu, e este recurso foi levado para apreciação pelo colegiado]

Pela primeira vez a 5ª Turma julgou um agravo regimental, que é um processo secundário, e enfrentou o tema do julgamento do recurso especial do Lula. Parece que o relator esqueceu que tinha julgado de uma forma, nem tomou conhecimento e fizeram outro julgamento. Para mostrar como o colegiado é importante, e não decisões isoladas em temas de importância.

O TRF-4 foi a peça principal do episódio do prende e solta do ex-presidente Lula em julho do ano passado. A decisão do STJ pode ser vista de alguma forma como uma crítica ou retaliação ao tribunal?

Não. No momento em que um tribunal superior retaliar um tribunal inferior por determinado episódio, não há Justiça no Brasil. Nada a ver uma coisa com outra. Tribunal não retalia. As pessoas retaliam umas às outras. O Judiciário, como órgão, ao reformar decisão, ele não vai retaliar por questões que não estão nem ligadas a questões que foram ontem [na terça] examinadas. Absolutamente não.

Lula - Reprodução/CNBC - Reprodução/CNBC
Imagem: Reprodução/CNBC

Com a decisão do STJ, Lula pode ser beneficiado no Supremo?

Essa decisão, perante o Supremo, me parece que não está vinculada nem, digamos, de forma de influência. Foi uma mera diminuição de pena.

O importante, que precisamos lembrar, é que a condenação de Lula continua. Tudo aquilo que lhe foi atribuído, e que foi julgado, continua. O que houve foi: o tribunal disse que a aplicação da pena, a dosimetria da pena, foi errônea. E mereceu a corrigenda que recebeu do STJ.

Acho que o STJ poderia examinar alguns outros pedidos que foram colocados pela defesa. Enfim, não ficou muito claro para mim se havia ali, sim, como disse o ministro Marco Aurélio [Mello, do STF], se havia a lavagem juntamente com a corrupção. Isso é matéria muito teórica, muito técnica, que a gente estuda muito aqui e tem dúvidas. Eu também tenho dúvidas se houve ali concomitantemente a existência de dois ilícitos incidindo sobre o mesmo fato e o mesmo ato.

É um tema que, na sua opinião, poderia ter sido um pouco mais explorado pela 5ª Turma?

Talvez, sim, pudesse ser mais bem explicitado. Porque todos tocaram no assunto, não foi como se não tivessem examinado. Mas essa dúvida que o Marco Aurélio tem, eu tenho também. Até porque escrevo muito sobre lavagem de dinheiro, corrupção, delação premiada.

São dúvidas técnicas, mas faz parte do sistema jurídico. Principalmente nesses julgamentos em que institutos novos, como delação, lavagem, corrupção etc., provas que podem ser utilizadas ou não, por exemplo preventiva, tudo isso é muito novo, principalmente para tribunais superiores, que não têm essa visão muito grande do direito penal. Tudo é novo, até para o Supremo. São questões técnicas, aqui não é crítica. Mas é uma questão que poderia, sim, ser bem melhor esclarecida --ou, para muitos, já foi suficientemente esclarecida.

A revisão da pena no STJ pode acelerar o andamento do processo do sítio de Atibaia?

Só se houver premeditação para tal. A Justiça não pode se pautar [dessa forma], porque, se houver um aceleramento de um julgamento lá do tribunal, isso quer dizer que está em jogo aqui não o direito penal, o processo em si, mas que há um aceleramento em relação ao réu Lula.

O processo na 4ª região deve, e tenho certeza de que isso vai acontecer, seguir os seus trâmites normais. Porque não se pode conceder, de modo algum --e eu não acredito [que isso vá acontecer], eu vim de lá [do TRF4]--, que se acelere um outro julgamento para prejudicar um processo com julgamento outro, de um tribunal superior, que nada tem a ver um com o outro, a não ser a figura do réu.

Como o senhor vê o momento atual do Judiciário no Brasil?

O Supremo criou uma crise institucional provocada por ele próprio. Ponto. Disso não tem dúvida nenhuma. Parece que é quase unanimidade que isso aconteceu por precipitação do próprio Supremo, de alguns membros, e por omissão de outros tantos do colegiado como um todo. O que se tem que fazer a partir de agora é tentar superar esse impasse, porque o Supremo não pode ser enfraquecido em demasia agora por forças que têm interesse no enfraquecimento do Supremo.

Essa onda de críticas ao Supremo, do garantismo do Supremo, de que o Supremo possa absolver ou julgar assim, assado, essa irracionalidade das críticas hoje... Hoje o Brasil vive um debate ideológico, social, religioso, filosófico, que é burro. E isso não pode contaminar o Supremo. Chega, que o Supremo já deu margem para que fosse muito criticado.

Agora é hora de fortalecer as instituições democráticas, inclusive preservando o Supremo e, vamos dizer assim, absolvendo-o de suas atitudes impensadas. Não é o momento agora de deixar que essas forças, principalmente redes sociais, ódio, que vêm do Legislativo, Executivo, possam atingir a estabilidade democrática institucional que é representada em boa parte pelo Supremo Tribunal Federal. Chega.

O Supremo já deu essa contribuição para a balbúrdia. Agora, vamos tentar retomá-lo como força moderadora e estabilizadora das instituições democráticas.

Na sua opinião, como deveria ficar o inquérito aberto pelo Supremo para investigar fake news?

Eu não posso responder pelo Supremo ou dizer o que o Supremo deve fazer. Mas esse inquérito deveria, no meu modo de ver, ser extinto. De qualquer maneira, qualquer inquérito que seja, que tenha poderes de direito dentro do Supremo, esse inquérito já nasceu viciado, já nasceu polêmico e tudo o que dele decorrer agora só pode causar ainda mais insegurança jurídica para toda a sociedade.

Não que não tenha ataques muito vis contra ministros do Supremo. Mas há outros modos de responsabilizar notícias falsas, injúrias, calúnia, difamação, que não seja um inquérito que nasceu viciado na sua origem. Uma coisa é o inquérito viciado. Outra é que há, sim, ofensas a integrantes da Corte, que podem ser apuradas pelos meios legais e investigados por polícia, Ministério Público, e, afinal, julgados pelo juiz competente.